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Escrito pelo arquiteto pernambucano Armando de Holanda7, para sua tese de

mestrado em desenvolvimento urbano no ano de 1976, o livro “Roteiro para Construir no Nordeste - Arquitetura como um lugar ameno nos trópicos ensolarados” ressalta a importância de se fazer uma arquitetura para a região nordestina e não simplesmente importar tendências arquitetônicas internacionais, evitando práticas construtivas utilizadas por países europeus, onde o clima difere bastante do clima encontrado aqui.

Cada localidade possui diferentes características (sociais, culturais, geográficas e históricas) que devem ser analisadas antes de se iniciar um projeto e sua construção. Uma região como o Nordeste necessita de uma arquitetura que aproveite as potencialidades dos elementos e fatores climáticos, evitando que os mesmos causem desconforto às pessoas que farão uso do espaço construído. Com

7 Armando de Holanda Cavalcanti (1940-1979) foi um importante arquiteto modernista

pernambucano, conhecido por ser o idealizador do Parque Nacional Histórico dos Guararapes e autor do livro “Roteiro para Construir no Nordeste: Arquitetura como lugar ameno nos trópicos ensolarados”. O arquiteto deixou um legado de cerca de 1.500 documentos de projetos de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo, além de desenhos, croquis e memoriais, desenvolvidos numa produção intensa em menos de duas décadas (www.armandoholanda.com, acesso em 12/01/2016).

soluções projetuais simples e baseadas principalmente na ventilação e troca constante de ar, Holanda registra um conjunto de técnicas construtivas indicando os caminhos que levam a uma forma mais sustentável de projetar e construir, visando o melhor desempenho da edificação no clima tropical.

A regra vem sendo a adoção de materiais e de sistemas construtivos – quando não de soluções arquitetônicas completas – desenvolvidos para outras situações; mais do que isso, a incorporação do pensamento arquitetônico estrangeiro, sobretudo europeu e francês, sem a indispensável filtragem à vista do ambiente tropical. (HOLANDA, 1976, p. 9).

As técnicas apresentadas por Holanda foram analisadas e adaptadas à proposta do edifício vertical multifuncional, visando seu melhor desempenho ambiental. Por meio de croquis, será demonstrado como algumas dessas técnicas foram aplicadas ao projeto, durante o processo de concepção do mesmo.

O autor inicia o roteiro referindo-se à importância da sombra nas construções, ressaltando que a criação de uma ampla sombra também se configura como abrigo para as chuvas tropicais e proteção para os raios solares. Sendo aberto e desobstruído, o espaço sombreado proporciona que a ventilação percorra livremente o ambiente, retirando o calor e a umidade do espaço. No projeto do edifício multifuncional, a utilização de caramanchões e grandes “balcões” com jardineiras que servem como marquises, criam passeios sombreados para os que se utilizam da praça aberta existente no pavimento térreo (Figura 50).

Figura 50: Sombreamento da praça no pavimento térreo

Em outra técnica apresentada, o “recuo das paredes” mostra o quanto esta prática oferece soluções simples para criar áreas sombreadas, servindo como filtros que suavizam o contato do ambiente externo com o interno. Ao se recuar as paredes da fachada, pode-se criar varandas, terraços, pérgolas e jardins sombreados, locais onde se possa ter contato com a natureza, evitando o contato direto do ambiente interno com as chuvas ou raios solares, o que contribui para o conforto do local.

No projeto do edifício vertical multifuncional essa técnica é utilizada em todas as unidades privativas e em vários espaços de uso comum, por meio de terraços ajardinados que afastam da fachada as portas dos ambientes (Figura 51). Com a utilização de protetores solares nos terraços e janelas, todas as esquadrias externas podem permanecer abertas, em grande parte do dia, por estarem abrigadas e sombreadas. Essas aberturas podem ser controladas adequadamente, de acordo com a necessidade do pavimento onde as mesmas se encontram.

Figura 51: Recuo das esquadrias dos terraços das unidades privativas

Sala Comercial Apartamento

Fonte: Produção do autor, 2015.

Na sequência, Holanda propõe “abrir as portas” e “continuar os espaços”, valorizando a fluência entre o exterior e o interior, permitindo que as aberturas possam permanecer abertas, sombreadas e convidativas. No projeto foram utilizadas grandes portas, não apenas no pavimento térreo, mas também nos

terraços privativos (residenciais e comerciais) e em espaços de uso comum presentes em vários pavimentos da torre. Se no pavimento térreo as portas cumprem uma função convidativa na relação do espaço público com o privado, nos pavimentos mais altos elas permitem que a paisagem externa adentre nos ambientes, ao mesmo tempo que protegem o ambiente interno das chuvas.

Ao longo dos pavimentos as portas alternam seu desenho de acordo com cada situação. Enquanto nos terraços privativos as portas são em vidro incolor e bandeirolas móveis, para permitir a visualização da paisagem externa e a entrada de ventilação, no pavimento de lazer (salão de festas e academia) as portas consistem em grandes painéis com altura igual ao pé-direito duplo dos ambientes, compostas de vidro e brises horizontais que garantem privacidade e admitem a entrada de luz. A abertura dos painéis transforma o ambiente interno numa grande “varanda” integrada ao jardim, que emoldura a paisagem externa e, protegida pelo guarda- corpo de vidro, que não obstrui a vista do exterior (Figura 52).

Figura 52: Painéis móveis do salão de festas

As portas que dão acesso às unidades privativas (residenciais e comerciais), serão em madeira com tabicão em sua parte inferior, podendo assim manter os ambientes protegidos e seguros enquanto promovem a circulação e renovação do ar (Figura 53). Além das portas em tabicão, janelas altas estarão presentes ao longo das paredes que separam os ambientes internos das circulações de escada e elevadores, promovendo a ventilação cruzada em todas os apartamentos e salas comerciais. Essas janelas terão altura de peitoril superior às portas, podendo assim se manterem lineares ao longo das paredes divisórias das unidades privativas com a circulação de dá acesso às salas comerciais, apartamentos e áreas de uso comum.

A circulação que dá acesso às salas comerciais se localiza na face oeste do edifício e é protegida da incidência do sol pela área técnica das condensadoras e por brises horizontais de alumínio. Apesar de se localizarem na face oeste, as áreas técnicas são vazadas tanto para o interior da edificação, quanto para seu exterior, permitindo que a ventilação circule em torno das máquinas e amenizando o calor gerado pelas mesmas. Esses trechos vazados, em conjunto com a própria configuração aberta da circulação, contribuem para que a ventilação que incide na fachada leste cruze os pavimentos e mantenha os ambientes em temperaturas agradáveis e adequadas (Figura 54).

Figura 53: Portas de acesso às unidades privativas em madeira com tabicão

Figura 54: Esquema mostrando a ventilação cruzada nas salas comerciais

Fonte: Produção do autor, 2015.

Holanda prega a convivência com a natureza de forma equilibrada e valorizando o “caráter selvático e agigantado da natureza tropical”. Dessa forma, a presença constante de vegetação nos andares e a permanente vista do Parque das Dunas trazem a natureza para dentro do projeto. Além do sombreamento vegetal presente na praça do pavimento térreo, o edifício procura essa integração com a natureza por meio de jardins em vários pavimentos da edificação, seja nos terraços privativos ajardinados (Figura 55), nos jardins dos pavimentos de convenções e restaurante, ou no mirante presente no último pavimento.

Figura 55: Vistas internas dos jardins nos apartamentos com pé-direito duplo

Holanda finaliza sua obra propondo a afirmação de uma arquitetura tropical brasileira e que seja expressão de nossa cultura. Uma arquitetura sombreada, aberta e acolhedora, que ele compara, metaforicamente, à uma grande árvore frondosa servindo de abrigo para o ambiente tropical. Nesse sentido, o edifício multifuncional proposto busca a qualidade ambiental por meio de soluções projetuais simples, utilizando o desenho arquitetônico como principal ferramenta para conseguir conforto ambiental e eficiência energética na edificação.

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