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Para o ano de 2017 a produção de histórias para serem consu- midas através de diversas plataformas continuou a fazer parte das estratégias transmídia operadas pelas emissoras de televisão dos países Obitel. Com diferentes opções transmidiáticas, os 11 países, no comparativo, reiteram a importância da interação com a sua au- diência e manifestam globalmente um interesse cada vez maior na

criação de histórias diferentes e complementares que se propagam por diversas plataformas de comunicação.

No caso da Venezuela a recepção transmidiática ficou, tal como noutros países pertencentes ao Obitel, circunscrita ao apelo, por parte dos canais televisivos, à participação da audiência através das redes sociais Facebook, Instagram e Twitter e na promoção dos respectivos canais de YouTube dos produtos televisivos. Contudo, denota-se que não há praticamente interação com o público. Neste âmbito, o único elemento diferenciador de 2017 foi a incorporação de inserts com etiquetas de Twitter na tela quando da transmissão da Venevisión para aumentar a produção de conteúdos na rede so- cial com esta etiqueta. Outro aspecto a destacar no ano passado foi a criação, por Diosdado Cabello, presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela, de um site para denúncia, através do Twitter, de todas as operadoras de televisão por cabo, de qualquer parte do país, que transmitissem a série colombiana El Comandante (Sony), sobre a vida do ex-presidente Hugo Chávez, com a hashtag #Aqui- NoSeHablaMalDeChávez, evidenciando a hashtagify como uma fe- rramenta digital de interação com a audiência.

Em termos gerais, a recepção transmidiática de ficção na Ar- gentina não apresentou também grandes particularidades para além das iniciativas que procuram estabelecer um diálogo entre o conteú- do ficcional e a audiência, através da participação nas redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram), que alimentam a visualização na TV. O único exemplo que seguiu uma estratégia diferente foi a série

Animadores (TV Pública), que saltou do universo on demand para a

tela da televisão, num movimento contrário ao que se conhecia, mas que acabou por arrastar visualizações que já tinha da plataforma on- line e retroalimentou os comentários que ali já se produziam.

Em oposição, no Brasil foram várias as diferentes ordens das emissoras para chegar a todo o público nas multiplataformas. Des- de a adoção de técnicas de binge watching, de assistência contínua (como a Netflix), a TV aberta brasileira procurou colocar na pro- dução de webséries plataformas como a Gshow e a Globo Play para

atingir este objetivo de consumo. Houve o lançamento da série Dois

Irmãos (Globo), que adaptou a narrativa do livro para uma graphic novel e que acabou por se transformar numa minissérie. Entre as

ações transmídia de 2017, destaque para a Globo, criadora da inte- ração com o e-book Assista a Esse Livro, da série Dois Irmãos, que permitia ter acesso a trechos de vídeos para consulta no Kindle, uti- lizando aqui vários tipos de meios para criar diferentes experiências que um só não consegue produzir. Outro exemplo que envolveu a transmissão de conteúdos da TV com as redes sociais foi a reali- zação da live do Twitter na exibição da final de Dancing Brasil, da Record, que possibilitou uma maior interação e participação da au- diência em múltiplas telas. Nas redes brasileiras o grande destaque vai para a telenovela A Força do Querer (Globo), que, pelo carácter social e polêmico dos temas abordados, tornou-se a ficção televisiva com maior repercussão no Twitter em 2017, registrando mais de 800 milhões de impressões por meio de 6 milhões de tweets, fazendo desta rede o principal meio de diálogo entre a TV e a audiência.

Já no Chile, a estratégia transmidiática foi bastante diferente do anteriormente observado, pois não houve em 2017 casos de produção e recepção transmidiática da ficção chilena. Verificou-se, apenas, a criação por parte das emissoras de grupos específicos no Facebook, Twitter e Instagram através de hashtags para motivar a conversação sobre aquele tópico entre os seus seguidores. Esta opção apenas de- rivou com Perdona Nuestros Pecados (Mega), que criou usuários específicos nas redes para os protagonistas. Porém, o caso chileno mais interessante de interação com a audiência foi a utilização das re- des sociais de um protagonista da série Soltera Otra Vez (Canal 13), que terminou em 2013, mas manteve estas mesmas contas ativas. Quando no ano passado decidiram fazer uma nova temporada, as contas reativaram-se e os conteúdos partilhados passaram a ser muito mais ricos, permitindo dar continuidade às três temporadas emitidas e captar mais espaço publicitário para a telenovela.

Em conformidade com este ecossistema midiático, também na Colômbia não se verificou uma verdadeira recepção transmidiática,

com a criação de espaços próprios para desenvolver narrativas dife- rentes nas multiplataformas. Tal como se verificou noutros países, no Chile, o espaço de interação por excelência entre os produtores e os receptores são as redes sociais, onde o Facebook é a mais consu- mida. Convém ressalvar que na Colômbia não existe a criação por parte dos canais de páginas nas redes específicas para as ficções, mas é a própria audiência que cria esses mesmos perfis com o nome e conteúdos relacionados com a ficção em destaque. Apenas os se- tores mais independentes de produção e conteúdos, como o universo documental, é que têm produzido dinâmicas transmidiáticas, como é exemplo de Pasión: Otra Cara de Colombia.

No caso da Espanha, Estoy Vivo (La1), série policial com ele- mentos fantásticos que se tornou um programa líder na sua franja horária, foi a ficção que apresentou maior atividade com caracterís- ticas de produto transmídia. Esteve presente em quatro plataformas oficiais, com uma página no Facebook, uma conta no Twitter, um perfil no Instagram e um videoblog disponível no YouTube. Para captar ainda mais a sua audiência e construir mais conteúdos que envolvessem o seu público, Estoy Vivo apresentou uma estratégia diversa, com vários produtos em diferentes plataformas, entre eles: uma ficção sonora,“Bienvenido a la passarela”; um podcast, em modo prequela de seis episódios; e um videoblog, “En la dimen- sión de Bea”. Desta forma foi muito interessante perceber que a estratégia utilizada também contribui para o universo transmídia promovido pela RTVE, que permitiu visualizar o capítulo semanal e a busca de conteúdo em outras plataformas web, melhorando assim a compreensão da série, embora possam ser consumidos de forma autônoma.

Por outro lado, a ficção que nos Estado Unidos teve maior destaque pelos seus produtos transmídia foi El Señor de los Cielos 5 (Telemundo), que conseguiu expandir o seu universo narrativo num

spin-off da supersérie, e a estreia de El Chema Telemundo/Argos),

como versão livre da vida de Joaquín “El Chapo” Guzmán. E é neste processo narrativo de dois produtos televisivos distintos, com es-

paços temporais diferentes, que as personagens principais de El Se-

ñor de los Cielos são apresentadas ao grande público. Este processo

estende o universo das personagens, as trajetórias e as narrativas possíveis, que se intersectam a um nível intertextual, oferecendo um universo mais rico à ficção. Paralelamente a este fenômeno, as corporações televisivas seguem a mesma estratégia de sinergias me- diáticas com a NBC-Universal de El Señor de los Cielos a deter a Telemundo, que transmitiu El Chema, que se tornou a ficção mais vista de 2017.

Contrariamente ao verificado nos Estados Unidos, no México em 2017 não houve um especial interesse em continuar a implemen- tar uma estratégia transmídia, e quando esta se verificou (Televisa) não funcionou junto do público, em oposição à ficção que no ano transato, em 2016 (Club de Cuervos), registrou um índice de popu- laridade muito elevado, com grande quantidade de seguidores nas redes sociais e com uma elevada participação pelos fãs. Assim, Club

de Cuervos foi considerado o produto televisivo com maior jogada

transmidiática no México, levando em conta que o público ainda não participa como criador de conteúdos, como se verifica em pro- dutos do Brasil, Espanha e Estados Unidos. As televisões privadas no México continuaram a apostar na criação de páginas nas redes sociais, não para expandir as histórias que produzem, mas para aju- dar a difundir o produto, bem como conhecer as preferências da sua audiência, que continua a participar nestas de forma muito diminuta. A nova dor de cabeça das emissoras mexicanas são os chamados

influencers, que através dos seus canais de YouTube conseguem

reproduzir os conteúdos televisivos, obtendo milhões de visuali- zações, especialmente junto da comunidade mais juvenil, afastando cada vez mais esta faixa etária da televisão.

Como já verificado em anuários anteriores, a precariedade e a timidez com que as emissoras no Peru se apropriam das narrativas transmidiáticas e do uso das plataformas de internet para conquistar novos públicos e diversificar o consumo de produções locais são ainda uma realidade em 2017. O que se verifica é que os canais

peruanos que utilizam algumas destas estratégias são, coincidente- mente, os que conseguem alcançar maiores índices de audiências: América Televisión e Latina. Ambas desenvolveram propostas para transcender o televisivo e aproveitar as possibilidades que a internet tinha para oferecer e chegar a uma cada vez maior audiência. Porém, a América Televisión, ao fazê-lo, colocou em causa a transparência que mantinha com o público: os processos que anteriormente (desde 2013) eram gratuitos passaram, em finais de 2016, a ser pagos, o que levou a uma grande desconfiança por parte dos telespectadores, que se insurgiram contra este fato, levando a um decréscimo significati- vo das audiências. Já a Latina, no início de 2017, anunciou que iria retomar a produção de ficções, e o resultado foi a série Pensión Soto. Esta foi anunciada como o primeiro produto de ficção produzido no Peru cuja estreia aconteceria na internet, e não na televisão. Tal fato provocou um acesso privilegiado on-line para esse mesmo propósito e, embora as audiências na internet tenham sido para os primeiros episódios convincentes, o público ficou confuso com o desenrolar da história em simultâneo na televisão e on-line, o que acabou por provocar algum descontentamento nos espectadores, tendo sido esta construção de uma cultura transmidiática contraproducente, na me- dida em que era esperado que a internet oferecesse algo complemen- tar à narrativa televisionada, e não o mesmo conteúdo.

Em Portugal as plataformas digitais continuam ainda a ser pouco exploradas para processos transmidiáticos, onde os produ- tos advindos das telenovelas são apenas “adaptados” para a internet e para outros suportes. Como já verificado em anos anteriores, a interação dos fãs continua a circunscrever-se aos comentários pro- duzidos nas plataformas digitais. Contudo, Amnésia (RTP) foi, em 2017, a primeira manifestação verdadeiramente transmidiática que a televisão portuguesa viu. A produtora beActive apresentou a pri- meira série interativa, com o uso combinado das plataformas RTP Play, YouTube e Instagram. Com o formato de Insta Stories, o thri-

ller policial de 12 episódios contou e envolveu os espectadores na

na manhã da publicação do seu primeiro romance, acordou com o seu namorado, Carlos, morto na cama, ao seu lado. Esta história foi assim contada em várias plataformas, com atualização diária no Ins- tagram, com fotos, vídeos e outras informações, e conseguiu cativar um público mais jovem e explorar a narrativa em várias plataformas digitais. Pela irreverência e transmidiação, foi escolhida pelo The WIT para o painel “Fresh TV Around the World”, que ocorreu em Cannes entre 16 e 19 de outubro de 2017.

O Uruguai manteve a mesma estratégia de análise do ano an- terior, com a aplicação da fórmula por eles criada para contabilizar o nível de engajamento médio dos fãs nas postagens lançadas pela produção numa página oficial na internet da ficção. O caso analisa- do foi a página oficial de El Mundo de Los Videos e o canal oficial de YouTube da TV Ciudad. Esta análise revelou que os conteúdos produzidos não apelam à participação do usuário, mas sim procuram disseminar informação através dessas plataformas. Cabe sublinhar que, no comparativo, os dados de interação no YouTube revelam que, para o mesmo período, houve maior interação entre os par- ticipantes nesta plataforma do que no site oficial da ficção, assim como uma maior tendência para textos mais complexos e extensos postados pelos usuários.

Tabela 12. Recepção transmidiática dos países Obitel

País Ficção

Estratégia transmidi- ática

Tipo de participação trans- mídia dos fãs Nível de im- plementação transmídia Argentina Fanny, La Fan (série) Las Es- trellas (série) Página oficial Facebook Fotos Vídeos de backstage Plataforma VoD Comentários de fãs sobre algumas temáticas 1.0 Incipiente 2.0 Medianamente ativo por fãs Brasil A Força do Querer (te- lenovela) Twitter YouTube

Comentários dos fãs sobre os personagens mais polêmicos de acordo com as temáticas desenvolvidas (identidade de gênero; estilo de vida; tráfico de droga)

2.0 Muito ativo pelos fãs Ativo por parte da produtora Globo

Chile Perdona Nuestros Pecados (teleno- vela) Facebook Hashtags Twitter Instagram Comentários de fãs sobre algumas temáticas

Criação de grupos e usuários novos por parte dos seguido- res da série Memes 2.0 Medianamente ativo por fãs Colômbia Pasión: Otra Cara de Colom- bia (documen- tário) Exposição fotográfica Exposição de ilustrações Livro digital Documentá- rio web Site oficial Facebook Twitter Vimeo YouTube Instagram

Comentários dos fãs sobre as temáticas retratadas

2.0

Medianamente ativo por fãs

Espanha Estoy Vivo(série)

Facebook Twitter Instagram Podcast Videoblog/ YouTube Comentários no Facebook Sem hipótese de poder con- tribuir para alterar a narrati- va, criando outros conteúdos

1.0 Incipiente Ativa por parte dos produtores México La Rosa de Guadalupe (teleno- vela) Facebook Twitter YouTube Instagram Comentários no Facebook Memes Venda de produtos 2.0 Medianamente ativa por fãs Peru Pensión Soto (série)

Redes sociais Comentários 1.0Incipiente

Uruguai El Mundo de los Videos (série) Página oficial de fãs YouTube Fan page Comentários 1.0 Incipiente

Vene- zuela Para Verte Mejor (teleno- vela) Facebook Instagram Twitter YouTube Hashtags Comentários Flyers 1.0 Incipiente

No comparativo dos resultados, é essencial que as emissoras sejam sinceras na forma como fazem uso das narrativas transmi- diáticas e das suas plataformas. Estas não devem ser meros ecos da televisão, mas devem ser exploradas tendo por base um público cada vez mais próximo da tecnologia atual e cada vez menos identi- ficado com o modelo de consumo da televisão tradicional. Contudo, os resultados indicam que a maioria dos países ainda partilha de uma vivência experimental com a transmidiação, qualificada com o nível 1.0, que corresponde unicamente à criação e manutenção de páginas em redes sociais (Twitter, Facebook, Instagram e YouTube), à partilha de novidades sobre capítulos e avanços na trama, imagens, vídeos, entrevistas, e à participação muita básica da audiência, que apenas comenta e partilha os inputs dados pela produção. Esta in- teração decorre da natureza de cada uma destas redes sociais, que não permite que exista uma grande diversidade de interações. Em oposição, cerca de metade dos países pertencentes ao Obitel, como Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México, já conseguem criar outro tipo de interação com a sua audiência, fruto de aplicativos, videoblogs ou de outras estratégias que, para obterem um maior envolvimento por parte dos fãs, permitem a criação de conteúdos. Cabe ressaltar que ainda não se verifica a existência de nenhum país Obitel que se arrisque num nível 3.0, apelando a uma maior par- ticipação dos usuários, que criariam uma expansão na narrativa e em outras personagens que teriam criado situações diferentes em plataformas distintas.

Também é importante destacar a escolha de algumas histórias transmidiáticas, como são exemplos a Colômbia e a Venezuela, cuja ficção se mistura com a realidade. Esta opção narrativa tem se revelado muito mais nos gêneros série e documental, sendo mais

participativa, pois a relação de proximidade com as temáticas ex- ploradas faz despertar uma maior vontade de fazer parte da história que se segue.

Em comparação com anos anteriores podemos verificar que as redes sociais, principal palco de interação entre os usuários, sofre- ram no último ano duas importantes adições: o Instagram e o You- Tube. Estes fizeram aumentar as plataformas de disseminação de conteúdos por parte das produtoras, mas também são palco para captar novas audiências, especialmente o YouTube, que é a rede so- cial mais utilizada por uma faixa etária juvenil.

O que se conseguiu apurar, dos resultados obtidos, é que a maior interação entre a audiência e as produtoras é feita por esta última, e não por parte dos fãs. A participação dos usuários conti- nua a ser muito limitada, quer pelos constrangimentos das platafor- mas digitais, quer pelas possibilidades deixadas pelas produtoras de conteúdos que não procuram nem fomentam a interação e que só buscam uma reação limitada para saber como se comporta o seu pú- blico e como são recebidos os seus produtos. Esta evidência merece uma reflexão maior, já anunciada nos comparativos de anos anterio- res, sobre a pertinência destes produtos transmídia. Os resultados mostram que as emissoras ainda não estão dispostas a abdicar do controle sobre o processo criativo, porém os resultados mostram que as histórias mais interativas e com maior abertura narrativa são as mais participativas e as que cativam uma maior audiência.

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