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FUSCO, Wilson Capital cordial: a reciprocidade entre os imigrantes brasileiros nos Estados Unidos 2005 Tese (Doutorado em Demografia) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade

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46 FUSCO, Wilson Capital cordial: a reciprocidade entre os imigrantes brasileiros nos Estados Unidos 2005 Tese (Doutorado em Demografia) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade

Embora essa perspectiva tenha o mérito de considerar o migrante como sujeito interessado e de destacar o retorno econômico como elemento determinante na decisão da migração, assenta-se em certos pressupostos que não condizem com as experiências e trajetórias dos redeiros. Em primeiro lugar, esses trabalhadores não respondem mecanicamente aos diferenciais de renda e emprego como é o caso de Maluco e Neguim e Maria de Lurdes. Em segundo lugar, esses sujeitos são heterogêneos quanto as suas preferencias e motivações, agem em contextos diferenciados e nem sempre são capazes de elaborar e maximizar de forma ótima sua função de retorno esperado para medirem o beneficio da migração como se pode perceber nas narrativas de Gabriel e Francisco de Assis.

A presença da abordagem histórico-estrutural foi marcante nos estudos populacionais latino-americanos em geral e, brasileiros em especial, notadamente no final do século XX. Isso porque, como destacou Singer (1973) em ‘Migrações Internas: considerações teóricas sobre o seu estudo”, essa abordagem teve o mérito de combinar os principais avanços da teoria demográfica sobre os deslocamentos populacionais com uma interpretação alternativa que contemplasse o processo de desenvolvimento socioeconômico que teve lugar em grande parte dos países da América Latina no pós-Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido, segundo essa abordagem a migração é um fenômeno eminentemente social, no qual a unidade de analise é o fluxo composto por sujeitos pertencentes a classes sociais determinadas.

Aqui o processo migratório reflete uma mudança estrutural na organização produtiva da sociedade em um determinado contexto histórico que é condicionado, principalmente, pela industrialização e pela urbanização. Em outras palavras, tratava-se de um objeto privilegiado para se entender a passagem de uma sociedade rural-agraria para uma sociedade urbano- industrial. E nesse sentido, como bem destacaram Patarra e Cunha (1987), o estudo das migrações tornou-se o estudo da inserção da população em espaços econômicos em transformação, migração e emprego passavam a ser duas faces da mesma moeda nesse objeto de estudo, tal como predominantemente entre esses teóricos.

A abordagem histórico-estrutural teve, assim, o mérito de ir além da mera descrição dos fluxos migratórios ao associar as migrações a um processo

de desenvolvimento econômico e social latino-americano, que deferia, sobremaneira de forma como tal processo tinha se dado na Europa e nos Estados Unidos. Entretanto, a ênfase estrutural que singulariza essa abordagem reservava aos sujeitos migrantes um papel lateral, já que a solução teórica do quebra-cabeça histórico estava longe do seu alcance. Em outras palavras, os deslocamentos desses trabalhadores eram vistos como reflexo do

movimento do capital que era o protagonista nessa abordagem:

O mais provável é que a migração seja um processo social, cuja unidade atuante não é o indivíduo mas o grupo. Quando se deseja investigar processos sociais, as informações colhidas numa base individual conduzem, na maioria das vezes, a uma análise psicologizante, em que as principais condicionantes macro-estruturais são desfiguradas quando não omitidas. No caso especifico das migrações internas, o caráter coletivo do processo é tão pronunciado que quase sempre as respostas da maioria dos migrantes caem em apenas duas categorias: 1. Motivação econômica (procura de trabalho, melhora das condições de vida etc) e 2. Para acompanhar o esposo, família ou algo deste estilo. A forma estereotipada das respostas indica que a indagação não foi dirigida a quem possa oferecer uma resposta capaz de determinar os fatores que condicionam o fenômeno. (...) Quando uma classe social se põe em movimento, ela cria um fluxo migratório que pode ser de longa duração e que descreve um trajeto que pode englobar vários pontos de origem e de destino. É o fluxo migratório originado por determinados fatores estruturais que determinam o seu desdobramento no espaço e no tempo. A hipótese básica, no entanto, é que fluxo determina os movimentos unitários e estes só podem ser compreendidos no quadro mais geral daquele” (SINGER, 1973, p.51-52)

A despeito das divergências evidentes sobre as causas e efeitos da migração, ambas as perspectivas têm em comum o suposto de que o migrante desloca-se de seu lugar de origem para trabalhar. Entretanto, no meu entender, elas apresentam o limite de não considerarem as condições de vida desses trabalhadores, de não abordá-los como "indivíduos de carne e osso”: ora o migrante é tido como protótipo de individuo que responde mecanicamente aos diferencias de renda e emprego, ora ele é concebido como um receptáculo movido de acordo com as necessidades de acumulação do capital.

É evidente que essas situações são marcantes da definição das movimentações do conjunto desses trabalhadores, mas também há uma explicação que passa por um outro crivo que como já chamei atenção, me

parece que é determinada por uma situação: a emergência de expansão do comércio ambulante de São Bento para além de suas fronteiras como fica evidente na fala do redeiro Josemiro Assis de Moura:

Eu tenho alguns meninos que trabalham pra mim aqui em São Bento e por outras cidades(...)As nossas mercadoria não é vendida só aqui, né. Tem gente minha que vende em Campina Grande, em João Pessoa, em Cuité, em Caicó e por ai vai(...)É uma extensão sabe(...)por que não dar pra viver vendendo só aqui entendesse ai a gente vende por fora também(...)47

Josemiro ou Miro como é conhecido é um comerciante da cidade São Bento, tem 48 anos, pai de três filhos, dois deles fazem faculdade em João Pessoa e sua filha mais velha assim como sua esposa trabalham na fabricação e venda de redes e demais artesanatos feitos da fibra do algodão.

Na sua fala, portanto, fica evidente que "sua gente” ultrapassa o limite da cidade para a prática do comércio de mercadorias genuinamente de São Bento e coloca ainda que esta pratica funciona como uma extensão. Extensão esta que, ao meu ver, pode ser entendida como da própria cidade. O comerciante ainda faz a menção a oferta de mão de obra que ele dispõe:

Não falta gente pra trabalhar aqui e vem gente de todo canto e sempre tem vaga porque a gente precisa de gente pra vender sempre, né. Então sempre tem gente querendo trabalhar com a gente(...) Tem gente desses arredores todo(...)48

No cenário extremamente desfavorável a estabilidade de outros empregos, os trabalhadores são induzidos a procurarem formas de subsistência ou de se adaptarem as existentes. Pode ser a justificativa para o excesso de mão-de-obra narrado por Miro em São Bento.

As cidades, que são ambientes de heterogeneidades, oferecem uma gama de possibilidades informais de trabalho e renda. Os ambulantes, por exemplo, dedicam-se a nichos existentes no mercado, onde possam atuar sem necessidade de grandes somas de investimentos ou de técnicas mais

7 Entrevista realizada pelo autor. O entrevistado se chama Josemiro Assis de Moura.