4 METODOLOGIA: UM MODO DE OLHAR PARA O IMAGINÁRIO PÓS-
4.2 A TÉCNICA: A ANÁLISE FÍLMICA COMPREENSIVA DA NARRATIVA
4.2.3 Recomposição – o caminho interpretativo
Nessa etapa, inseparável das demais, procedemos interpretando o que foi descrito e transcrito à luz do referencial teórico e com as lentes da Sociologia Compreensiva. Sempre tendo em mente, outrossim, os objetivos e a problemática da pesquisa. Atentando, portanto, para o que Once Upon a Time pode mostrar sobre o imaginário hodierno e as manifestações da pós-modernidade.
Nossa recomposição tem, por conseguinte, dois momentos: no primeiro, a recomposição imediata das partes (sequências e cenas), ao mesmo tempo que vamos redescrevendo-as e interpretando-as; no segundo, a apresentação da “Síntese da análise do episódio”, em que faremos uma segunda interpretação ou reinterpretação das partes, que constituirá um todo (possível) do episódio, reestruturado de forma sintética, mas revelando dados complementares, concorrentes e antagônicos, que possam ter surgido no primeiro momento. Ainda assim, a interpretação ocorrerá de forma orgânica. Uma vez que as duas categorias propostas para a análise se interpenetram, complementando-se. Isto, por que, segundo Maffesoli, queiramos ou não, “reconhecer e executar combinações é aceitar a ideia de interdependência, de conexão, logo, de unicidade a qual, à diferença da Unidade redutora, funciona na base da pluralidade dos elementos que reagem entre si” (2010, p. 171, grifo nosso).
Nosso propósito é o de olhar para o enredo e para os personagens, de modo compreensivo, atentando para o que eles podem nos dizer a respeito do imaginário pós-moderno em Once Upon a Time. Assinalaremos, portanto, os pontos em que nos concentraremos no que tange às noções-chave de nossa análise: imaginário e à pós-modernidade.
Observaremos o primeiro, em OUAT, focando na retroalimentação recursiva (comunicação) entre real e imaginário. Pensá-lo-emos a partir das noções de museu, bacia, trajeto e regimes (Durand); dimensão ambiental, clima, estilo e espírito do tempo (Maffesoli); reservatório, motor e tecnologias [do imaginário] (Silva). Outrossim, refletiremos sobre as metáforas obsessivas e o imaginário como fator de equilibração. No que concerne à pós-modernidade, em relação orgânica com o imaginário do tempo, elaboramos o quadro a seguir (Quadro 03), a partir de nosso referencial, a fim de embasar nossas análises.
Quadro 03: Elementos do imaginário moderno e pós-moderno90
90 Em consonância com a Sociologia Compreensiva, buscamos evitar dicotomias simplistas, mas acreditamos que para evidenciar o que é, às vezes, é preciso recorrermos a ficções metodológicas, como esta tabela, que caricaturiza uma separação entre o moderno e o pós-moderno. No entanto, salientamos que a divisão entre os dois estilos é feita por uma linha pontilhada, o que significa que eles podem, sim, muitas vezes, se tocarem, se misturarem, e, até mesmo, se (con)fundirem. Além disso, a presença de elementos de outros estilos é justamente uma característica do pós-moderno.
IMAGINÁRIO MODERNO Dever/querer ser
INSTITUÍDO
IMAGINÁRIO PÓS-MODERNO O que é - vir a ser
INSTITUINTE
Estados-Nações bem delimitados Fragmentação das instituições sociais, Estado-Nação afetado pelos diversos localismos
Ideologias bem circunscritas em grandes narrativas de referência
Fim das grandes narrativas de referência substituição por micronarrativas ou pequenos relatos
Indivíduo com identidade tipificada e intangível
Persona (plural/tribal) - nomadismo
Moral prescrita Ética da Estética/politeísmo de valores
Teológico-positivo Tecnomágico Progresso Progressividade/ingresso/regressão Divisão Bricolagem Explicação Compreensão Clássico Barroco Consenso/sentido Relativização/dissentimento/diversidade/ Estática Dinâmica Controle Fluxo/excessos
Pasteurização/assepsia Contaminação/inteiração/parte do diabo
Futurista Releitura do arcaico – retorno do arquétipo
Verdade Paradoxo
Maniqueísmo/polarização/separação Complexidade/ambiguidade/ (con)fusão/comunhão/(re)união
Racionalidade estrita Razão sensível
Pragmático Lúdico
Certeza/fé Ceticismo/Incredulidade
Projeto – amanhã Presenteísmo – agora
Dramático/dialético Trágico/dialógico/destino (fatum)
Deus Henoteísmo “diabólico”
Liberdade emancipatória Liberdades Intersticiais
Unidade Unicidade
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Homogêneo Heterogêneo
Global Glocal (predominância crescente dos localismos)
Síntese Caricatura
Representação Apresentação
Argumentação/convicção Emoção/sentimento/empatia
Oficial – legal Oficiosa – quotidiana/real
Retilíneo Espiral/redobramento
Ou E
Anemia existencial Vitalismo/revivescência
Quantitativo Qualitativo
Exacerbação da mente Exacerbação do corpo/erotismo carnal e social
Falicização do sentido Invaginação do sentido Masculinização do mundo Feminização do mundo
Civilização Cultura
Religião na Igreja (transcendência divina) Religião civil (transcendência imanente)/fibra pagã
Adulto Puer aeternus
Salvação/felicidade individual Ideal Comunitário/bem-estar coletivo Fazer o tempo render - acelerar Desejar que o tempo pare – desacelerar
Importante Frívolo/supérfluo
Apolo Dionísio
Ser humano Animal humano
Distância Promiscuidade
Luta/domínio Aceitação/ajuste
Harmonia ou conflito Harmonia conflitual/conflito harmonial
Poder Potência (centralidade subterrânea)
Grandes heróis imaculados Heróis impuros, pequenos heróis, anti-heróis, heróis trágicos
Comunicação fraca/troca de informação Comunicação forte/tocar o outro Desencantamento do mundo –
desmagicização
Reencantamento trágico ou desencantado – remagicização
Realidade Realismo
Idealismo Humanismo integral
Ocidentalização do mundo Orientalização do mundo
Deus Uno Deuses
pagãos/paganismo/politeísmo/henoteísmo
Texto Imagem
Fonte: Azubel (2017).
Antítese Oximoro/contradição/paradoxo - eufemismo
Real X Irreal Real, irreal, hiper-real, surreal, imaginário, onírico, imaterial...
Egocentrado Locuscentrado
Contrato racional Pacto emocional
Organização Efervescência
Visual Táctil
Enfrentamento direto/embate Perversidade
Lógica – coerência externa Alógica – coerência interna
Logos Pathos, ethos
Realismo x ficcional Realismo ficcional ou ficções realistas
Estilo econômico – guardar Estilo estético/prodigalidade/dispêndio – compartilhar
Estabilidade Gangorra/balanço/transformação constante
Integridade Inteiração
Laços tradicionais Escolha dos laços
Exclusão do outro Sensibilidade com o diferente – acolhimento – coincidentia oppositorum
Universalidade Particularidades/ecletismo
Regime diurno do imaginário Regime noturno do imaginário Superfície x profundidade Profundidade da superfície
Social Socialidade
Sisudez Ironia/humor negro/astúcia
Verticalidade/hierarquização Horizontalidade/Irmanação
Materialismo ou espiritualidade Materialismo espiritual/espiritualismo material
Avanço Trajetividade
Julgamento/punição Tolerância/indulgência
Centrado Policêntrico
Estrutural Orgânico
Mudar o mundo Contemplar/gozar o mundo
Imperativo categórico Imperativo atmosférico
Tirar da sombra/iluminar Integrar a sombra/claro-escuro da existência
Limites Transgressão e ultrapassagem
Viver Superviver
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Em síntese, a partir da Análise Fílmica Compreensiva da Narrativa Seriada, teremos o seguinte modus operandi: 1) descreveremos e transcreveremos; 2) reescreveremos e interpretaremos; 3) sintetizaremos e reinterpretaremos, o enredo e os personagens de Once Upon a Time, a partir das noções de imaginário e pós- modernidade em consonância com os pressupostos da Sociologia Compreensiva.
Procederemos, logo, com uma breve descrição dos episódios, frisando os que farão91 e os que não farão parte do corpus. Acreditamos na importância de apresentar uma síntese de todos, para que o leitor possa entender a (a)lógica da série e compreender melhor o recorte efetuado para a análise.