• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO III: RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.2 Entre o ideal e o real

3.2.3 Reconhecem o que é prejudicial à saúde

Nas questões que buscavam conhecimentos da criança sobre os fatores que são benéficos à saúde e os que podem causar mal, as Unidades de Registro levantadas em maior número relacionavam-se com a alimentação com consumo de: batata frita, gordura, refrigerante, doce, fritura, bebida alcóolica, açúcar, sal e carboidratos.

A redução da ingestão de sal e da quantidade de sal nos alimentos assim como as gorduras trans5 é uma das metas do MS. Entretanto, a mudança no perfil de consumo da população brasileira vem ocorrendo desde os anos 70 e um consumo maior de alimentos ricos em gorduras acompanhado da redução no consumo de alimentos ricos em fibras tem sido verificada84.

Mas as falas das crianças mostram a preocupação com este fato:

McDonalds eu... não... o que faz, também faz mal, a batata-frita... as bebidas de lá, só algumas fazem mal porque lá tem suco de uva. Eu sempre peço... suco de uva, eu não peço batata-frita, eu peço um hambúrguer simples, com um hambúrguer bem pequeno... queijo... (WOLVERINE – 9 anos)

Lá tudo tem gordura!... (BEN 10 – 9 anos)

... fritura é uma coisa que não te leva a nada. Que não é necessário você comer. Você gosta de fritura, é lógico, mas não te leva a nada comer aquilo. (MINNIE

MOUSE – 10 anos)

Hambúrguer, pizza, açúcar, muito sal. (PERNALONGA – 9 anos) ...é besteira, com gordura e fritura, só! (LINDINHA – 11 anos)

O elevado consumo de gorduras saturadas e colesterol aumentam consideravelmente o risco de doenças coronarianas, isquemias dentre outras doenças

59

cardiovasculares, assim como aumenta o risco para alguns tipos de câncer associados ao consumo de gorduras totais e saturadas.

As falas das crianças reproduzem a relação do consumo de gorduras e sal com as doenças crônicas de forma indireta, mas observa-se uma dificuldade de nomear estas doenças. Entretanto, é evidente a idéia de que os alimentos ricos em gorduras, sal e açúcar são prejudiciais à saúde:

E ele não pode “Traquinas”, mas ele come! Quando perguntado sobre quais os

alimentos que fazem mal para o corpo: Batata-frita, hambúrguer, pizza,

cachorro-quente... refrigerante... hum... deixa eu ver... pão de queijo, pastel...

(FRED FLINTSTONE – 9 anos)

Ai... eu não sei o nome da doença mas é quando a gente come muita fritura... Também... porque se você... toda massa, se você comer muita massa fica com açúcar, então se você comer muita massa e muito doce, você vai acabar ficando com muito açúcar no... no sangue... (MINNIE MOUSE – 10 anos)

... o nome da doença que dá se a gente ficar comendo besteira?

(PERNALONGA – 9 anos)

Além da redução do sal nos alimentos, do seu consumo e das gorduras trans, o Plano do MS prevê a promoção do esclarecimento do público sobre alimentação e atividade física, usando para isto diversas ações inclusive a mídia de massa. No campo da alimentação saudável ações como acordos feitos com a indústria para reduzir o teor das gorduras trans e para a redução de sal em 10% ao ano em pães, macarrão e outros grupos de alimentos tem sido priorizadas5.

Observa-se o impacto destas ações com a variedade de alimentos industrializados mostrando em suas embalagens frases chamativas, coloridas, dentro de balões mais coloridos ainda dizendo: “zero gordura trans”, ou “sem adição de açúcar”, ou “com menos sal”. Todos já leram estes anúncios ao fazer compras. Esta é uma forma de dizer que estes alimentos, mesmo industrializados, estão mais próximos do “ideal” para uma vida saudável.

O Ministério da Saúde, a partir de 2006, através do Manual Técnico de Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças na Saúde Suplementar, citou recomendações para o consumo de sal restringindo a 5 gramas por dia, evitando temperos prontos, comidas industrializadas e lanches rápidos, os famosos fast food. Já o açúcar deve ser consumido apenas na forma simples, evitando bebidas industrializadas e doces em geral, enquanto a

60

redução do consumo das carnes gordurosas, embutidos, leite e derivados integrais atende às orientações sobre a redução do consumo de gorduras85.

O discurso das crianças refaz estas orientações do MS de forma natural, sem indicações de medidas, mas com demonstração de que reconhecem o que é prejudicial. Neste ponto, o pensamento de Paulo Freire é ratificado, pois parece ter havido a “educação em comunhão”, mediada pelo mundo74

. Então a máxima freireana “ninguém educa ninguém” toma forma ao perceber nesse discurso o conhecimento técnico para promoção da saúde e para prevenção dos fatores de risco sem que eles tenham algum dia acesso aos documentos que descrevem tais regras. Este conhecimento é advindo do cotidiano destas crianças, das suas relações familiares e sociais.

O uso do tabaco, drogas ilícitas e bebidas alcoólicas foram menos citados pelas crianças, porém não menos valorosa:

Beber... Fumar... E utilizar drogas. (PICA-PAU – 12 anos)

Fumar, é... Que fumar deixa... A fumaça no pulmão, isso não é bom, beber também não é bom. É... Beber com... Essas... É... Com bebida al, al...Alcoólica.

(FIONA – 10 anos)

Umas coisas que fazem mal pra nossa saúde ééé... bebidas alcoólicas, ééééé... Pessoas que fumam, crack, drogas. Tudo isso aí faz mal. (DOCINHO – 9 anos)

A OMS estima que 4,9 milhões de pessoas no mundo morrem a cada ano em decorrência do consumo do tabaco, além do fato que estudos comprovam que este consumo é responsável por 45% das mortes por doenças coronarianas, 25% das mortes por doenças cerebrovasculares e 30% das mortes por câncer. Outro caso danoso é o dos não-fumantes, ou seja, as pessoas expostas cronicamente à fumaça do tabaco têm mais chances de desenvolver câncer de pulmão e doenças cardiovasculares do que os não fumantes não expostos5,83.

É importante destacar que o consumo do tabaco no Brasil obteve um declínio nos últimos anos, devido a estratégias multisetoriais lideradas pelo SUS: proibições de propagandas, promoções e patrocínio de cigarros, imagens de advertência vinculadas às embalagens dos produtos do tabaco, proibição de fumar em ambientes fechados, entre outros5.

61

Meu avô fumava, só que agora ele parou, que eu não, eu não gosto muito, porque eu acho que faz mal pra nossa saúde, que fica com algumas coisas no pulmão... (FIONA – 10 anos)

Na perspectiva freireana, quando a criança se expressa dizendo “eu não gosto muito” ela se afirma como consciência no mundo, ela objetiva e expressa, a palavra não é apenas o pensamento, a palavra é a “práxis”74. Neste momento, a criança não está apenas dizendo que não gosta, mas está tomando consciência deste sentimento de negação ao que, pelo seu entendimento de mundo, prejudica o indivíduo, não só ao outro como a si mesmo.