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O fato das testemunhas terem prestado depoimento logo na sequência após o evento presenciado poderia gerar uma sensação de que deveriam se lembrar de quase tudo, mas diversos fatores podem influenciar a percepção e a reelaboração oral daquele evento presenciado. 2,00 1,00 2,00 1,00 1,00 0,00 0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 A mulher de preto brigou com a de azul O homem de rosa brigou com o de verde A mulher de azul era branca do cabelo liso A mulher de preto era negra do cabelo encaracolado preso

O homem de rosa era negro, baixo, jovem e cabeça raspada O de verde era branco, jovem, estatura mediana, cabelo claro

15- Adultos mais velhos

Primeiro Interrogatório

0,00 0,00 0,00 0,00 1,00 0,00 0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 A mulher de preto brigou com a de azul O homem de rosa brigou com o de verde A mulher de azul era branca do cabelo liso A mulher de preto era negra do cabelo encaracolado preso

O homem de rosa era negro, baixo, jovem e cabeça raspada O de verde era branco, jovem, estatura mediana, cabelo claro

16- Adultos mais velhos

O que chamou mais atenção dos voluntários foi a briga da mulher de azul com a mulher de preto, e a briga dos homens tornou-se uma lembrança periférica, secundária. 75% dos participantes lembrou que as duas mulheres, uma de azul e uma de preto, brigaram, mas nem a metade conseguiu lembrar que dois homens, um de rosa e outro de verde, também brigaram. Não obstante, 15% das pessoas conseguiu determinar que esses dois homens brigaram, só que pela cor da pele e não da roupa.

Surgiram no segundo interrogatório cores de roupas que os participantes não estavam vestidos, como uma roupa cinza e um paletó feminino, assim como uma roupa estampada e outra preta e branca. Segundo Stein (2010), tal situação estaria dentro do esperado visto que as pesquisas mais recentes sobre falsas memórias indicam que as pessoas podem se lembrar de eventos e detalhes que nunca aconteceram, o que não torna tudo o que lembramos absolutamente falso, pois há uma gama de memórias verdadeiras de fatos ocorridos, só que nem tudo que lembramos ocorreu necessariamente da forma como lembramos.

Digamos que o resultado dos participantes no gráfico 1 foi melhor do que no gráfico 2, pois neste apenas 4 pessoas recordaram a roupa das mulheres e dos homens que brigaram (não necessariamente as mesmas pessoas), tendo surgido inclusive a participação da mulher de amarelo, que não foi citada no primeiro interrogatório.

Por outro lado, a lembrança de todos os detalhes, além de humanamente impossível, não representa benefício algum para os participantes, pois trata-se de trazer à tona algumas memórias triviais que não têm mais utilidade. Além de “acertarem no experimento”, os voluntários não precisariam dessas informações para absolutamente nada e a perda dessas memórias triviais, já disse Izquierdo (2010), tem seu grau de importância para as pessoas continuarem a desempenhar as suas atividades cotidianas, sem que tais memórias possam distrair ou confundir as informações com as quais devem interagir no momento presente. Para evitar a saturação e o acúmulo de memórias triviais, simplesmente as pessoas as esquecem.

Comparando os gráficos 1 e 2, percebe-se que inicialmente há um maior número de pessoas afirmando que “a mulher de azul brigou com a mulher de preto” e que “o homem de rosa brigou com o homem de verde”, enquanto as demais variações para as brigas não são muitas. Já no segundo interrogatório, o número das pessoas que afirmam a mesma coisa foi reduzido, dando lugar a variações que deixam evidentes resquícios de memórias (“duas mulheres brigaram”; “a mulher de preto brigou com outra mulher”; “a mulher de azul brigou com outra mulher”; “o homem de rosa brigou com alguém”; “o

homem de verde brigou com alguém”; “dois homens brigaram”) e criação de memórias, como “a mulher de amarelo brigou com a de azul” e “ a mulher de estampado brigou com outra de preto e branco”.

Nesse contexto, as pessoas modificaram a informação original, a exemplo das duas testemunhas que afirmaram que a mulher de amarelo brigou com a de azul, quando antes haviam dito que “a mulher de preto brigou com a de azul”. Noutro caso, a pessoa que afirmou no segundo interrogatório que “a mulher de estampado brigou com outra de preto e branco” não soube dizer a cor das roupas das mulheres quando depôs no primeiro interrogatório, tendo apenas afirmado que “uma branca brigou com uma negra”.

Esses exemplos acima ilustram a possibilidade de memórias terem sido construídas no imaginário dos participantes através da alteração original da memória declarativa episódica ou autobiográfica (IZQUIERDO, 2011), que são os eventos aos quais assistimos ou dos quais participamos. Assim, registramos fatos, eventos ou acontecimentos, podemos declarar que as memórias existem e relatar como foram adquiridas.

Nos gráficos 3, 4, 5 e 6, percebe-se uma perda de memória para as características físicas dos atores, inclusive já no primeiro interrogatório. Para serem inquiridos, a maioria dos voluntários trocou de sala pelo menos uma vez, o que sugere que a simples exposição a um ambiente novo na primeira hora após a aquisição da memória nova possa ter deturpado ou cancelado a sua formação definitiva, conforme as já estudadas lições de Izquierdo (2011).

No segundo interrogatório (gráfico 2) há um declínio de informações condizentes com o evento e muitas informações esquecidas e modificadas, mesmo se tratando de um experimento em que as pessoas estavam relativamente atentas ao que poderia acontecer e de algum modo em estado de alerta porque tudo aquilo era novo para elas. Entretanto, a recordação dos detalhes poderia ser menor caso se tratasse de testemunhas reais, entregues aos pensamentos e atividades pessoais, quiçá distraídas com o vai-e-vem da vida que lhes é próprio.