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10 SEMÂNTICA FORMAL: DIFERENTES ABORDAGENS

10.3 Recursividade na semântica formal

Agora você vai ver como categorizar os elementos de recursividade da semântica

formal. Como você viu antes, o princípio da composicionalidade afirma que “[...] o

significado de uma sentença não é determinado apenas pelo significado de suas

palavras, mas também por sua estrutura gramatical [...]” (MÜLLER; VIOTTI, 2016, p. 141).

Por sua vez, Oliveira (2001, p. 143) pontua que, considerando os pressupostos da

semântica formal, “Um falante, quando interpreta uma sentença qualquer, atribui

referências aos nomes que utiliza, relacionando, de algum modo, a cadeia sonora a

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objetos no mundo [...]”. Para Oliveira (2001), dependendo do modo como o falante

relaciona a língua com o mundo, sobretudo por meio de sentenças, há determinada

construção de significados.

É nesse contexto que os elementos recursivos de acarretamento, pressuposição,

paráfrase, contradição e ambiguidade se inserem. A seguir, você vai conhecer a definição

desses elementos e ver alguns exemplos práticos, com o intuito de categorizá-los.

Acarretamento

O acarretamento, segundo Cançado (2005), ocorre a partir da seguinte lógica: a

verdade de uma sentença consequentemente leva à verdade de outra, e, por sua vez, o

conteúdo expresso na segunda está contido na primeira. A fim de compreender melhor,

observe as sentenças a seguir:

(2) Carlos continua doente.

(3) Carlos adoeceu na infância.

Note que, se (2) é verdadeiro, consequentemente (3) também será. Além disso, a

informação de (3) está contida em (2); logo, a sentença (2) acarreta a sentença (3). Outro

detalhe frisado por Cançado (2005) em relação ao acarretamento é relativo à assimetria.

Você pode perceber isso tomando novamente como exemplo as sentenças (2) e (3).

Como (2) acarreta (3), não pode haver o caminho inverso, isto é, (3) acarretando (2).

Müller e Viotti (2016, p. 145) também comentam sobre o acarretamento:

Acarretamento é uma relação de sentido fundamental entre sentenças e determina alguns de nossos padrões de inferência. Por exemplo, se (a) e (b) são verdadeiras, nós sabemos que (c) é verdadeira. Podemos dizer que (a) e (b) juntas acarretam (c) porque a situação descrita por (a) e (b) juntas é suficiente para descrever a situação em (c).

Você pode ver isso no exemplo a seguir.

(4) Jupará é mamífero.

(5) Jupará é notívago.

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Note que as sentenças (4) e (5) acarretam (6), porque as duas primeiras juntas

descrevem a última. Caso isso esteja em um texto, o acarretamento pode se mostrar um

aliado relevante na interpretação textual.

Pressuposição

A pressuposição, como afirma Cançado (2005), é uma espécie de acarretamento,

porém ocorre de forma mais implícita. Ou seja, a pressuposição não está totalmente

explícita no material linguístico. Nesse sentido, a pressuposição implica uma afirmação

antecipada. Para entender isso melhor, veja o exemplo apresentado por Müller e Viotti

(2016):

(7) A Maria parou de fumar.

Quando você lê essa sentença, pode fazer a afirmação antecipada de (7):

(8) A Maria fumava.

Note que, antes de parar de fumar, necessariamente deve haver a ação de fumar.

Logo, a sentença (8) traz uma suposição anterior à apresentada em (7), isto é, uma

pressuposição. Complementando a fala das autoras, Cançado (2005, p. 33) indica que a

pressuposição “[...] é derivada a partir da estrutura linguística da própria sentença; são

determinadas construções, expressões linguísticas, que desencadeiam essa

pressuposição [...]”. De fato, no sintagma verbal de (7), existe o verbo “parou” e também

há o sintagma preposicional “de fumar”, que só poderia existir devido ao verbo “fumava”

de (8).

Paráfrase

Segundo Cançado (2005, p. 28), “Quando temos uma relação simétrica, ou seja,

a sentença (a) acarreta a sentença (b) e a sentença (b) também acarreta a sentença (a),

temos a relação de paráfrase [...]”. Diferentemente do que ocorre no acarretamento, em

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que as sentenças são assimétricas, ou seja, uma sentença está contida na outra, fazendo

com que uma acarrete a outra, e não o contrário, na paráfrase o acarretamento é mútuo.

Para entender isso com mais clareza, veja estes exemplos de acarretamento:

(9) Carlos continua doente.

(10) Carlos adoeceu na infância.

Agora veja estes exemplos de paráfrase:

(11) Governo Federal atrasa os salários dos servidores.

(12) Governo Federal não paga o ordenado dos funcionários públicos na data

prevista.

A informação de (10) está contida em (9), sendo que (9) acarreta (10), isto é, o

conteúdo expresso na segunda sentença consequentemente levou à primeira, portanto

há uma relação assimétrica. No entanto, isso não ocorre em (11) e (12). Nessas duas

últimas sentenças, a relação é assimétrica, sendo que o significado ocorre tanto em (11)

quanto em (12). Assim, a paráfrase pode ser formada tanto por itens lexicais sinônimos

como por estruturas sintáticas distintas, mas que mantenham a mesma relação entre os

objetos descritos.

Contradição

A contradição, como afirma Cançado (2005, p. 47), ocorre quando “[...] dois fatos

descritos pela sentença não podem se realizar ao mesmo tempo e nem nas mesmas

circunstâncias no mundo [...]”. Veja o exemplo a seguir:

(13) Esta mesa é quadrada.

(14) Esta mesa é redonda.

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Tanto (13) quanto (14) fazem referência a um mesmo objeto no mundo. Todavia,

não é possível que tal objeto tenha formatos espaciais de quadrado e redondo ao mesmo

tempo. Ainda no que tange à contradição, Müller e Viotti (2016) fazem uma ressalva

pertinente: recorrentemente, itens lexicais com significados opostos estão presentes em

contradições, mas algumas vezes isso não quer dizer que necessariamente sejam

contraditórios. Para compreender isso, veja o caso a seguir:

(15) Carlos nasceu na Bahia.

(16) Carlos morreu na Bahia.

Embora (15) e (16) contenham itens lexicais com significados opostos, eles não

envolvem contradição. Nesse caso, são “momentos extremos do processo de viver”. Isto

é, como os verbos estão no pretérito, é possível uma pessoa, em um momento da vida,

nascer e, em outro momento, morrer na Bahia.

Ambiguidade

Para Cançado (2005), a ambiguidade diz respeito a uma imprecisão de

significados em uma sentença. Um exemplo clássico disso são as palavras homônimas,

isto é, aquelas que possuem a mesma escrita, mas têm significados diferentes. Veja um

exemplo:

(17) Ele estava irado.

Em (17), o item lexical “irado” pode tanto significar algo muito bom quanto um

comportamento colérico, raivoso. Müller e Viotti (2016) pontuam que a ambiguidade

também pode ocorrer por meio de uma construção sintática específica, como no exemplo

a seguir:

(18) Os alunos e os professores inteligentes participaram do simpósio.

Essa construção sintática pode remeter a dois significados:

(18a) [[Os alunos e os professores] inteligentes] participaram do simpósio.

ou ainda

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