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6. Autonomia ou independência

4.1 Controle interno

4.1.1 Recursos Administrativos

4.1.1.3 Recurso hierárquico impróprio

Assim como o recurso hierárquico próprio, também é dirigido a uma autoridade “hierarquicamente” superior, porém essa autoridade não detém vínculo de hierarquia com a autoridade que teve decisão ou ato impugnado.

Juridicamente, não existe hierarquia entre autoridade que teve decisão impugnada e autoridade que receberá o recurso. O que podemos dizer a esse respeito é que no Brasil, com a descentralização administrativa pelos entes da Administração Indireta, não há como pensar em vínculos de hierarquia entre entes descentralizados e poder central. Existe um “controle”, uma tutela, que não se pode dizer ser semelhante ao controle hierárquico. Onde há controle hierárquico existe desconcentração55 administrativa: a tutela é típica da descentralização.

Explica Odete Medauar56 que este tipo de recurso surgiu doutrinariamente nos recursos de atos de dirigente de autarquia, que eram interpostos junto à autoridade à qual se vincula na Administração direta.

O fundamento desse recurso está no vínculo de tutela entre o órgão central e o ente autárquico e a sua admissibilidade gera controvérsias, conforme explica Odete Medauar:57

Orientação menos rígida aceita o recurso de tutela em casos não previstos em lei de maneira expressa, mas implícitos na função de tutela; os argumentos a favor desta tese são idênticos àqueles que justificam a tutela administrativa ou supervisão: preservação da unidade jurídico-política do Estado, perigo de eventual supercrescimento das autarquias. Assim, tendo em vista que o recurso de

54 MEDAUAR, Odete. O controle da administração pública. São Paulo: RT, 1993. p. 67.

55 Na desconcentração, conforme ensina Odete Medauar, “atividades são distribuídas de um centro para setores

periféricos ou de escalões superiores para escalões inferiores dentro da mesma entidade ou da mesma pessoa jurídica (diferentemente da descentralização, em que se transferem atividades a entes dotados de personalidade jurídica própria” (Direito administrativo moderno, p. 57). Segundo Medauar (Controle da

administração pública, p. 60), “o termo descentralização adquiriu um sentido mágico, miraculoso, para

indicar todo tipo de descongestionamento de atuações ou atividades de um órgão central ou matriz para outros órgãos públicos ou mesmo pessoas privadas. Como exemplo, temos o Dec.-lei n. 200/67 que designa, com o termo descentralização, o seguinte: a) a separação, dentro dos quadros da Administração Federal, do nível de direção do de execução; b) a transferência de execução de atividades para unidades federadas; c) a transferência de atividades para a órbita privada, mediante contratos e concessões”. Na desconcentração, segundo Lucia Valle Figueiredo, p. 83, “não há criação de outras pessoas mas sim atribuição de determinadas competências a serem exercidas no âmbito da mesma pessoa.[...] traspassam-se atribuições, competências, a outros órgãos dentro do mesmo centro”.

56 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2006. p. 413.

57 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,

tutela encontra fundamento nesse controle e tendo em vista que a tutela só é exercida se prevista em lei, parece lógico concluir que se houver tutela, poderá haver recurso hierárquico impróprio, salvo proibição legal. E tratando-se de recurso administrativo, enseja exame do mérito e da legalidade do ato impugnado.

O próprio comando legal, em alguns casos, explicita não haver vínculo hierárquico ou decisório da agência com a administração direta ou qualquer outro órgão governamental. Como exemplo temos o art. 8º, § 2º, da Lei da Anatel e art. 1º, parágrafo único, da Lei da ANS.

Alexandre Santos de Aragão,58 ao tratar das principais características das agências reguladoras, descreve que as principais notas são:

A atribuição de competências regulatórias, a impossibilidade de exoneração ad

nutum dos seus dirigentes, a organização colegiada, a formação técnica, e a impossibilidade de recursos hierárquicos impróprios, sendo que apenas a

conjugação destes elementos resultará na conceituação de uma entidade como agência reguladora independente59.

Até o momento, não há, no Direito positivo, previsão do recurso administrativo hierárquico impróprio, diante das decisões das agências reguladoras. Nesse mesmo sentido, Leila Cuéllar:60

Não há, contudo, e para nenhuma delas, a possibilidade de haver recursos hierárquicos impróprios para o ente central.

Alexandre Santos de Aragão61 lembra, sabiamente, as lições de Gaspar Ariño Ortiz:

Obviamente que contra os atos de uma autoridade reguladora não cabe recurso ao Ministro, pela simples razão de que este não é superior hierárquico daquela. Só é cabível, por pura lógica, o recurso aos tribunais.

Entretanto, como bem ressaltado pelo mesmo doutrinador, o então ministro da justiça Nelson Jobim admitiu recurso hierárquico impróprio do Conselho Administrativo de Defesa

58 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico.

Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 299.

59 Friso que Aragão trata as agências reguladoras como independentes no sentido de uma “autonomia

reforçada”, como ele sempre explicita.

60 CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética. 2001. p. 103. 61 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico.

Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 348, citando ORTIZ, Gaspar Ariño. Princípios de Derecho Econômico. Ed. Comares e Fundación de Estúdios de Regulación, Granada, 1999. p. 593.

Econômica (CADE)62 alegando que questões atinentes a políticas públicas relevantes não devem escapar ao crivo da Administração central e o fato do art. 5º, LV, garantir “o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a eles inerentes”.

Verifica-se que, mesmo com tais alegações, não há como admitir o recurso hierárquico impróprio no caso das agências reguladoras, pois caso fosse admitido deveria estar expressamente permitido na lei criadora da agência reguladora ou possível normatização a posteriori.

Assim, vislumbra-se a impossibilidade do controle administrativo via recurso hierárquico impróprio.

Admitir a existência desse tipo de recurso para as agências reguladoras seria descaracterizar o traço de especialidade dessa autarquia, aniquilando suas vedações próprias, que visam garantir o distanciamento de injunções político-partidárias como a exoneração ad

nutum dos seus dirigentes.

No entanto, Sérgio Guerra63, contrariando entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Marcos Jurema Villela Souto e Alexandre Santos de Aragão, vislumbra a possibilidade de interposição de recurso hierárquico impróprio, com supedâneo no Dec.-lei n. 200/67, artigo 118.

O que foi possível constatarmos no tocante específico às agências reguladoras é que a lei da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) dispõe, no art. 3º, V, a previsão para “dirimir, no âmbito administrativo, as divergências [..]”, o que não implica falar em recurso administrativo hierárquico impróprio; ainda, corroborando tal assertiva, tem-se a Lei n. 9.472/97, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais e que prevê no art. 19 que compete à agência “adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade e publicidade, e especialmente: [...] XXV – decidir em último grau sobre as matérias de sua alçada, sempre admitido recurso ao Conselho Diretor”.

Quanto à Agência Nacional de Águas (ANA) e à Agência Nacional de Petróleo (ANP), por exemplo, não existe previsão legal de admissibilidade de recursos administrativos de qualquer espécie.

62 Mesmo não sendo o CADE uma agência reguladora convém fazer essa ressalva pela motivação dada pelo

ministro quanto às questões públicas.

63 Em artigo “agências reguladoras e a supervisão ministerial” publicado no livro O poder normativo das

Também a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)64 não prevê o recurso impróprio. Admite, em seu art. 15, VI, quando dispõe que compete à diretoria colegiada, “julgar, em grau de recurso, as decisões da agência, mediante provocação dos interessados”, apenas o recurso próprio.

No caso da ANS, criada pela Lei n.. 9.961, de 28 de janeiro de 2000, prevê, também, apenas o recurso próprio, no art. 10, quando dispõe sobre a competência da diretoria colegiada, “IV – julgar, em grau de recurso, as decisões dos Diretores, mediante provocação dos interessados” e, em seu § 2º, “dos atos praticados pelos Diretores caberá recurso à Diretoria Colegiada como última instância administrativa”, ficando, portanto, patente a inadmissibilidade de recurso hierárquico impróprio.

E, no caso da Antaq e ANTT, o art. 68, § 3º, da Lei n. 10.233/2001 em nada esclarece a quem é dirigido o recurso contra as decisões dessas agências, o que nos faz refletir tratar-se de recurso interno, até pela seção em que se encontra, “Seção VI – Do processo decisório das agências”.

Vale mencionar que o recurso hierárquico impróprio deve ser expressamente admitido, conforme o próprio preceito da administração, em que só se pode fazer o que é permitido – estrita legalidade.