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III. Aspectos processuais da falência

III.9. Recursos cabíveis na falência

Na perspectiva do regime geral dado ao instituto no Ordenamento Jurídico brasileiro, José Carlos Barbosa Moreira conceituou recurso como o “remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna”177.

O direito de recorrer está intrinsecamente relacionado ao princípio do duplo grau de jurisdição. Sua previsão no Direito Brasileiro é conseqüência direta da organização hierarquizada do Poder Judiciário, feita pela Constituição pátria. A Doutrina também indica que se trata de corolário do devido processo legal.

Necessário é observar, contudo, a lição de Fredie Didier Jr., que pondera, ao lembrar que não se cuida de garantia absoluta, a possibilidade de “haver exceções ao princípio, descerrando-se o caminho para que a legislação infraconstitucional restrinja ou até elimine recursos em casos específicos”178.

Nesse contexto, estão previstas, no Direito Brasileiro, as seguintes modalidades recursais, nos termos do art. 496 do Código de Processo Civil:

“Art. 496 - São cabíveis os seguintes recursos: I - apelação;

II - agravo;

III - embargos infringentes; IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário;

VI - recurso especial; VII - recurso extraordinário;

VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário”.

Paralelamente, tem-se que o procedimento falimentar, porquanto especial, é informado por regras específicas, ainda que sejam aplicáveis as normas gerais do CPC, subsidiariamente.

Os estudiosos do Direito Falimentar costumam condenar, de forma veemente, o regime da Lei de Falências e Concordatas, no que tange aos recursos

177 Apud DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil, Vol. 3, 6ª Edição, Ed. JusPodium: Salvador, 2008, pág. 21.

178

DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil, Vol. 3, 6ª Edição, Ed. JusPodium: Salvador, 2008, pág. 28.

previstos; Waldo Fazzio Júnior se refere à “balbúrdia recursal”179 do Decreto-lei 7.661/45.

Com efeito, à época, Rubens Requião escreveu:

“A lei falimentar é liberal, pródiga em recursos, e nisso padece do vício do antigo sistema processual, facultando às partes um número exagerado, em excessivas oportunidades. A tendência moderna, como se efetiva no atual Código de Processo Civil, é a redução da quantidade e possibilidade de recursos. Além disso, a lei é complicada e de certa forma confusa na regulação dos recursos que oferece”180.

Sobre a aplicação desse sistema, Waldo Fazzio Júnior afirma:

“Nos processos falimentares iniciados anteriormente à vigência da LRE, ainda aplicam-se as normas do Decreto-lei nº 7.661 (LFC). Isso quer dizer que, nesses feitos, permanece a multiplicidade de recursos (agravo, embargos, apelação e embargos infringentes) para os casos de falência decretada com base na impontualidade”181.

Acerca do assunto, contudo, parece não ter razão o autor: muito embora seja cediço que a Lei de Falências e Concordatas se aplica aos processos pendentes, cujo início tenha se dado sob sua vigência, a norma em questão é de natureza processual.

Nesse passo, deve-se lembrar a regra que orienta a aplicação da lei processual no tempo: quanto aos processos pendentes, a lei processual se aplica de imediato, com eficácia ex nunc.

Com efeito, tratando da hipótese de processos pendentes, Moacyr Amaral dos Santos ensina:

“A estes, principalmente, aplicam-se os princípios expostos: válidos e eficazes são os atos realizados na vigência e conformidade da lei antiga, aplicando-se a lei nova aos atos subseqüentes.

Esta regra ampara até mesmo as leis de organização judiciária e reguladoras da competência, as quais se aplicam de imediato aos processos pendentes”182

179 FAZZIO JÚNIOR, Waldo, Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas, Atlas: São Paulo, 2005, pág. 275.

180

REQUIÃO, Rubens, Curso de Direito Falimentar, Vol. 1, 16ª Edição, Ed. Saraiva: São Paulo, 1995, pág. 119.

181 FAZZIO JÚNIOR, Waldo, Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas, Atlas: São Paulo, 2005, pág. 275.

Assim, com fulcro na sistemática adotada pelo Processo Civil brasileiro, quanto aos processos iniciados na égide do regime anterior, seriam plenamente válidos os recursos impetrados nos termos deste Lei; entretanto, os recursos que venham a ser opostos, no bojo desses mesmos processos, deveriam obedecer às novas regras processuais183.

De toda forma, o fato é que a Lei 11.101/05 alterou o regime recursal falimentar. Passa a prever, por força do art. 100, dois meios de impugnar dos meios de impugnar a decisão contida em sentença, junto ao processo em que tenha sido proferida.

“Art. 100. Da decisão que decreta a falência cabe agravo, e da sentença que julga a improcedência do pedido cabe apelação”.

Por conseguinte, abrem-se possibilidades distintas, de acordo com o teor da decisão, o que se coaduna com a própria natureza desses recursos.

Conforme ensina Fredie Didier Jr., a apelação “é o recurso cabível para se impugnar os atos do juiz que ponham termo ao procedimento, com ou sem julgamento de mérito”, ao passo que o agravo, segundo o mesmo autor, é o “recurso cabível contra qualquer decisão interlocutória”184. A decisão interlocutória, como se sabe, é aquela que resolve questão incidente no processo, não determinando seu encerramento.

A sentença que denega a falência, seja definitiva ou terminativa, porá fim àquele processo, definindo-o. Nessa medida, a previsão do recurso de apelação para combatê-la se justifica.

É repassada ao juízo de 2ª instância a decisão sobre a decretação da quebra; caso seja dado provimento ao pedido, o prosseguimento do

São Paulo, 2007, pág. 34.

183 É no mesmo sentido a lição de José da Silva Pacheco: “Diante do estabelecido no art. 192, § 4º, da Lei 11.101, de 2005, nos processos de falência, decorrentes de pedidos anteriores à sua entrada em vigor, se aplica, até a decretação, o Decreto-lei nº 7.661/45, mas na decisão será observado o disposto no art. 99 da nova Lei. Desse modo, até a decretação da sentença aplica-se o Decreto-Lei nº 7.661/45, mas na decisão será observado o disposto no art. 99 da nova Lei e a partir daí aplica-se a Lei nova. [...] Assim, sujeitar-se-á aos recursos previstos na Lei nova” (Apud PACHECO, José da Silva, Processo de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência, 2ª Edição, Ed. Forense: Rio de Janeiro, 2007, pág. 255).

184

DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil, Vol. 3, 6ª Edição, Ed. JusPodium: Salvador, 2008, pág. 28.

procedimento se fará junto ao juízo de 1ª instância, conforme as regras de competência.

A situação é diversa em relação à sentença que dá provimento ao pedido de falência, decretando a quebra. A despeito de ser sentença, esta decisão não encerra o processo em si, mas apenas a fase cognitiva. Conforme já se disse, ela é responsável pelo início do procedimento de liquidação. Em seus efeitos, ela se iguala às decisões interlocutórias, razão por que compartilha o meio de impugnação destas.

Por conseguinte, a parte insatisfeita deverá interpor o recurso adequado, obedecendo às regras do CPC, no que tange à forma e aos prazos, eis que a lei falimentar não contém previsão específica.

Ademais, tendo em vista a previsão genérica de aplicação subsidiária do CPC, depreende-se que as modalidades previstas no aludido art. 496 poderão ser utilizadas no procedimento recursal, quando forem compatíveis com ele. Essa compatibilidade se vislumbra quanto aos embargos de declaração; este recurso deve pode ser utilizado que houver ponto obscuro ou contraditório em decisão judicial, bem como quando o juízo competente houver se omitido de decidir sobre determinada questão. Trata-se de recurso de fundamentação vinculada, mas essas circunstâncias restritivas são plenamente viáveis no processo falimentar, inexistindo razão que impeça sua aplicação.

No mesmo passo, não se vê impedimento para impetração, no âmbito de processo falimentar, dos Recursos Especial e Extraordinário, caso se configure situação que os permita, a exemplo de decisão que contrarie Lei Federal ou a Constituição brasileira, respectivamente. É o caso do REsp 921596 / PR, julgado em 12/02/2008 pelo STJ, no seguinte sentido:

“FALÊNCIA. EMPRESA ATINGIDA POR DECRETO FALIMENTAR E POR DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA. SÓCIOS. INTERESSE EM DISCUTIR A DECISÃO. EXISTÊNCIA.

A decisão que estende efeitos de falência e desconsidera a personalidade jurídica da empresa pode ser atacada em recurso manejado pelos sócios, que têm evidente interesse processual em discutir a medida”.