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III. Aspectos processuais da falência

III.2. Subsidiariedade do processo falimentar

O mais ressaltado aspecto da nova Lei Falimentar é a consagração da moderna tese institucionalista, que considera o interesse social como interesse à preservação da empresa.

Em linhas gerais, é resultado de discussão concernente ao interesse envolvido no Direito Societário. A evolução teórica se manifesta por uma sucessão de teses acerca do interesse social: parte-se de uma fase de autocentrismo societário, que marca o período da Revolução Industrial, com a consagração da tese contratualista; segundo esta vertente, o interesse social é mero reflexo do interesse dos sócios. Sobrevindo a crise do Capitalismo, ganha relevo a tese institucionalista clássica, que considera o interesse público a verdadeira face do interesse social. Cuida-se de teoria integracionista, que determina a superação de modelo individualista, em atenção à função econômica da empresa, que envolve não só interesses privados, mas também públicos.

Finalmente, aprofundou-se a idéia, e chamada teoria institucionalista moderna surge, passando a cogitar “de um interesse concebido como harmônico e

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COELHO, Fábio Ulhoa, Comentários à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, 4ª Edição, Saraiva: São Paulo, 2007, pág. 189.

comum aos interesses dos vários tipos de sócios e dos trabalhadores e que se traduz no interesse à preservação da empresa”109.

Tais teorias, desenvolvidas pelo Direito Alemão, são exponentes da evolução que deu ensejo ao reconhecimento da função social da empresa, assim como da necessidade de sua preservação110. Importada para o Ordenamento Jurídico Brasileiro, esta idéia mudou o enfoque da tutela das crises empresariais, materializando-se por meio da Lei 11.101/2005.

Conforme ensina Calixto Salomão Filho, esse diploma disciplina o interesse social nas vertentes material e procedimental, vale dizer, tutela o interesse social envolvido e disponibiliza meios de garantí-lo. E é justamente na tutela material do interesse social que se verifica a adoção de sua noção de interesse social como interesse à preservação da empresa, a representar a mudança de paradigma operada pelo novo regime. Observe-se, nesse sentido, o teor do art. 47, que concretiza a alteração:

“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a

109 SALOMÃO FILHO, Calixto, in Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, Coordenação: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de, e PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2005, pág. 46.

110 Ao analisar essa evolução, Calixto Salomão Filho ensina que as referidas teorias devem ser utilizadas de forma complementar, para que se viabilize a preservação da empresa: “De um lado, o contratualismo que se concentra só na definição material, seja ela a maximização do lucro ou o aumento do valor das ações da companhia, desacompanhado de uma ampla e efetiva participação de todos os acionistas na definição do significado desses conceitos, acaba por permitir a administradores e controladores interpretá-lo em seu próprio benefício, inflando artificialmente o valor das ações ou tomando medidas positivas a curto prazo, mas extremamente maléficas para a companhia a médio prazo. Do outro, a mera definição procedimental do interesse da sociedade como o interesse deliberado pelos acionistas em Assembléia Geral leva a um absoluto domínio do controlador e uma freqüente gestão da sociedade em conflito. É essa mazela principal do direito societário brasileiro moderno, em que a recusa sistemática do Judiciário em entrar no 'mérito' das decisões assembleares, leva à existência de um verdadeiro contratualismo procedimental e à consideração da sociedade como coisa própria do controlador. Os mesmos problemas se verificam com o institucionalismo. As definições materiais, tanto a clássica, do interesse social como interesse público, como a moderna, do interesse social como o interesse à preservação da empresa, sozinhas, não garantem a sua persecução. Pior do que isso, como a experiência histórica demonstra, podem ser e são com frequência intrumentalizadas pelo controlador no seu próprio e exclusivo interesse. Também aí a recíproca é verdadeira. A preocupação com a representação de interesses envolvidos (como trabalhadores) é fundamental, mas desacompanhada da definição material do interesse (hoje preservação da empresa) pode ser incapaz de levar à sua obtenção. É preciso concluir, portanto, que apenas a conjugação da vertente material com a vertente procedimental da definição do interesse social pode levar a soluções coerentes” (SALOMÃO FILHO, Calixto, in Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, Coordenação: SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de, e PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes, Revista dos Tribunais: São Paulo, 2005, pág. 48).

preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

A presente digressão visa a esclarecer os fundamentos histórico e jurídico do princípio da preservação da empresa, alçado à condição de diretriz da Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Ele consubstancia, segundo afirma o referido autor, o único ponto de convergência de todos os interesses que sobressaem quando há crise empresarial.

Por essa razão, seu atendimento é prioritário, tal qual deve ser, por conseqüência, a utilização do seu instrumento: a Recuperação de Empresa.

Não é à toa que tanto se insiste na afirmação de que a falência só é possível quando a crise empresarial se torne irreversível. Antes disso, cumpre recorrer aos meios disponibilizados pelo Direito para proporcionar o restabelecimento do devedor.

A nova orientação não se confunde com pretensão de afastar do Direito Falimentar o objetivo de satisfazer os credores; significa, na verdade, a adoção de um novo mecanismo para tanto. É nesse sentido a lição de Waldo Fazzio Júnior:

“O direito da empresa em crise é, na realidade, um conjunto de medidas de natureza econômico- administrativa, acordadas entre o agente econômico devedor e seus credores, supervisionadas pelo Estado- juiz, como expediente preventivo da liquidação. Ampara- se na convicção haurida na experiência histórica de que, mediante procedimentos de soerguimento da empresa em crise, os credores têm melhores perspectivas de realização de seus haveres, os fornecedores não perdem o cliente, os empregados mantêm seus empregos e o mercado sofre menos (impossível não sofrer?) os impactos e as repercussões da insolvência empresarial”111

Por conseguinte, em face de crise empresarial, é forçoso adotar, nos termos da lei, medidas que busquem o restabelecimento da empresa, seja judicial, seja extrajudicialmente; é também possível, ainda que seja pedida a decretação da falência do devedor, que este pleiteie sua recuperação judicial, por força do art. 95 da lei em epígrafe.

Apenas se ficar demonstrada a irreversibilidade da crise, proceder-

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FAZZIO JÚNIOR, Waldo, Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas, Atlas: São Paulo, 2005, pág. 20.

se-á à decretação da falência, que se desenvolverá segundo o rito a seguir comentado.