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CAPÍTULO 4 ESPAÇO SOCIAL DAS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS FEMININAS:

4.9 Recursos Mobilizados para vencer a Vulnerabilidade

De maneira geral, todas as famílias pesquisadas acessaram ou já se utilizaram dos serviços públicos existentes no território, tais como os serviços de saúde, o educacional, o cultural e o de assistência social.

Nenhuma delas pagava por serviços particulares aos filhos, com exceção da van escolar que conduzia os filhos de Bárbara e a filha de Joana para a escola situada na região central da cidade, escolha feita pelas próprias mães. A aula de Ballet realizada pelo filho mais velho de Bárbara era garantida por bolsa integral de estudo, apesar de ocorrer em escola particular de dança.

Algumas tinham mais informações, mais iniciativa para acessar recursos gratuitos no município, como ocorria com os filhos de Bárbara, que realizavam atividades gratuitas de

Muay Thai e participavam de colônia de férias no Centro Comunitário do bairro e também a

filha de Joana, pois esta era usuária do Projeto “Sorria”, Organização Não Governamental (ONG) que fornecia atendimento/acompanhamento dentário gratuito aos moradores do bairro e o Projeto “Auta de Sousa”, outra ONG do bairro que desenvolvia atividades de lazer para crianças e adultos, como assinalam as mães:

Aqui tem muay thai, nosso vizinho dá (aulas) para infantil. Tem aqui também o Centro Comunitário, que tem alguns cursos de vez em quando, agora tem a Colônia de Férias. Sempre estão fazendo alguma coisa ali. (Bárbara Dias).

Ela utiliza (Projeto Sorria). E têm esse projeto aqui, Auta de Sousa [...] que também eu acho que é por causa do grupo espírita, […] eles são voluntários e ela vai lá uma vez por semana. [...] eles fazem muitas brincadeiras. (Joana Pereira).

Possivelmente, essas diferenciações entre as condutas maternas estejam ligadas a maiores condições propiciadas pela posse de relativo capital escolar de Bárbara e Joana, as irmãs que figuravam entre as três mães com maior grau de instrução do grupo. Dentro da lógica sociológica defendida por Bourdieu (2003) mães mais escolarizadas, possuidoras de mais capital cultural, apresentam mais disposições para acessar a cultura legítima.

Todas as famílias tinham cadastro social no CRAS, e foi necessário lançar mão de alguns dos recursos disponíveis naquele equipamento da Proteção Social Básica, de cunho eventual, para vencer alguma vulnerabilidade mais expressiva. Mas em alguns relatos a utilização dos serviços prestados pelo CRAS era vista como vexatória ou problemática, seja

pela burocracia de acesso, como pelos rígidos critérios da lei municipal que regia os benefícios eventuais ali ofertados:

Quando eu não estava morando aqui (na casa dos pais) fui lá pedir ajuda, sim, porque eu estava desempregada e meu ex-marido nunca estava em casa, não ajudava com nada. Fui lá conversar, pedi a cesta (cesta básica). [...] uma vez eu recebi, só que tinha que ficar indo sempre, e eu não podia sair, porque eu ficava muito presa em casa, ele não me deixava sair. Eu tinha que sair escondida, aí ficava difícil de eu ir. (Bárbara Dias).

Fui na época que meu marido faleceu, eu tinha que pagar a funerária e também fui ver se conseguia um “aluguel social”20. [...] consegui só o

“auxílio funeral21, ajudou um pouquinho a pagar o funeral dele. E a cesta

básica eu ganhei dois meses só. [...] tem algum tempo que eu decidi tentar eu mesma, é muita gente tentando lá e a Prefeitura não ajuda muito o CRAS. (Antônia Maria).

Pela eventualidade de concessão a que os referidos benefícios se encontravam condicionados por lei, as famílias não podiam vislumbrar neles um apoio a longo prazo. Ademais, parece ter ficado subtendido na fala de Antônia a ideia de que utilizar desse serviço era visto como uma falha da família em garantir os recursos básicos para sua manutenção. O mesmo não ocorria quanto à frequência a unidades de saúde e educação, já reconhecidos como direitos pela população em geral.

O posicionamento dessa mãe encontra respaldo na crítica direcionada às políticas da assistência social, elaboradas por Sposati (2007). Pela perspectiva dessa autora ainda há predominância de procedimentos assistencialistas nesse campo, longe de incorporar o conteúdo de seguridade social que lhe foi atribuído pela constituição cidadã de 1988. O incômodo relatado por Antônia está situado nesse lugar de negação de um direito extensivo de cidadania, pois impera a lógica de fundamentação liberal-social ou economicista na área e o acesso a direitos efetivamente ocorre somente a grupos caracterizados pelo grau de indigência estabelecido sob alta seletividade: “nesse caso o acesso social depende do prévio enquadramento do cidadão à condição de necessitado, sem direito a requerer atenção a sua necessidade social” (SPOSATI, 2007, p. 437).

O trabalho das mães, seja qual fosse o vínculo empregatício, era o que realmente garantia a segurança alimentar e de moradia das famílias estudadas, pois o recebimento da

20 Auxílio aluguel é um dos benefícios eventuais concedidos pela Assistência Social, após avaliação socioeconômica realizada pela equipe técnica do CRAS. Estando dentro dos critérios legais exigidos para o seu recebimento, o usuário passa ter direito a um valor fixo, por alguns meses apenas, para o pagamento do aluguel, que será depositado em conta bancária do proprietário do imóvel.

21 Auxílio funeral, como o auxílio aluguel, é um benefício eventual disponibilizado aos usuários do CRAS, que exige avaliação socioeconômica pela equipe técnica e preenchimento de requisitos legais para a sua concessão. Este, por sua vez, é pago em cota única, diretamente à funerária.

pensão alimentícia devida aos filhos, pelos pais, era muito problemático para as três mães que a recebiam. Em dois casos, nas famílias de Antônia e de Estela o valor era considerado pequeno diante dos gastos com o filho. Em outro, o de Estela o valor ainda não foi definido judicialmente, o que resultava em muito conflito na relação pai/mãe. Antônia, que era viúva, contava apenas com o seu salário e o auxílio financeiro dos filhos que já trabalhavam à época da pesquisa.

A creche escolar servia a esse público como instituição formativa, assim como local onde podiam deixar os filhos menores em segurança enquanto as mães saiam para trabalhar. Exceção foi encontrada na família de Estela, pois apesar dos filhos terem ingressado na educação pela creche, a variação de idade e de local de estudo impediam essa mãe de trabalhar formalmente, obrigando-a a dedicar-se exclusivamente aos cuidados dos filhos e da casa.

Levando-se em conta que a família de Estela estava entre as duas mais vulneráveis economicamente do grupo, importa observar o reflexo da tradicional atribuição da função de cuidados às mulheres e os clássicos modelos familiares a dominar as práticas sociais como fortes causadores das dificuldades que acompanham a rotina dessas famílias. O que se pretende é mirar a naturalização da ausência da figura paterna, como se esse posicionamento estivesse alheio às dificuldades narradas pelas mães. Ao se eximir da responsabilidade legal e afetiva nos cuidados indispensáveis à socialização dos filhos não estariam esses progenitores favorecendo o rol das variáveis que agravam as condições de vida observadas na vida das condutoras de famílias monoparentais? Uma questão posta para reflexão.

A busca por alento nas atividades da igreja evangélica estava presente na realidade de três dessas famílias, na de Bárbara, Estela e Joana, cuja participação e frequência incluía os filhos. Além de funcionar como local para desenvolver a espiritualidade servia também para acalentar as angústias existenciais, uma vez que representava espaço coletivo de trocas e amizades. Para Joana era, ainda, oportunidade de realizar atividades que muito lhe apeteciam: “eu gosto muito de louvor, de música”. Assim como Estela, que incluía alguns dos frequentadores da mesma igreja em sua rede mais ampla de relações, até mesmo de amizades: “só família, família e convivência com pessoal de igreja evangélica [...]”.

Percebeu-se que quanto mais ampla a rede de relações das mães, principalmente o contato com familiares mais próximos, maiores as chances dessas famílias superarem a ausência da figura paterna e dividir as responsabilidades nos cuidados com os filhos. No grupo estudado, o apoio de mães, irmãs e, inclusive, de filhos maiores representou elemento garantidor de uma rotina necessária para o sustento da casa e o acompanhamento da vida

escolar e afetiva dos filhos. A referência a relacionamentos com outras pessoas, advindos do trabalho ou da vizinhança foi mínima, não configurando elemento importante nessa pesquisa.

Para finalizar, o emprego e renda, as redes de solidariedade (capital social) e a educação (capital cultural) foram as principais variáveis que articuladas possibilitaram ao grupo estudado uma maior proteção social e bem-estar de seus membros. Os modos disponibilizados por cada família na acumulação, manutenção e reposição dessas variáveis representou o fator que as aproximou ou as distanciou das condições de vulnerabilidade social vivenciadas.