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CAPÍTULO 4 ESPAÇO SOCIAL DAS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS FEMININAS:

4.2 Território

O Morro Santana, território eleito para a pesquisa de campo desse estudo e bairro de residência de todas as quatro mães entrevistadas, está situado na periferia do centro histórico da primeira cidade tombada como patrimônio cultural da humanidade no país, a bela cidade mineira de Ouro Preto. Visto a partir da região central, apresenta uma geografia que desafina com o ponto do qual se mira, pois apresenta ocupações nas encostas, destoando da imponente moldura da parte histórica.

A pesquisa realizada por Ferreira (2016) aponta a encosta onde está situado o Morro Santana como sendo o primeiro local em que os bandeirantes se estabeleceram no século XVII ao chegarem na região em busca de metais e pedras preciosas.

Portanto, o bairro está localizado em região que constitui a gênese da cidade. A exemplo disso, sua capela – a “Capela de Santana”, uma das mais antigas construções, é anterior a 1720. Somente a partir da segunda metade do século XX, essa área passou a ser mais ocupada, em função dos serviços da indústria e da mineração que, por sinal, atraíram grande contingente de pessoas em busca de trabalho. A partir de então, o bairro sofre crescimento exponencial e desordenado (FERREIRA, 2016).

A análise etnográfica efetuada por Ferreira (2016) denuncia o contraste visual que o aglomerado do Morro Santana provoca nos observadores e, principalmente, aponta uma relação de distância mantida pelos nativos com a parte central da “cidade patrimônio”.

O Morro Santana é um bairro cravado nas íngremes encostas de Ouro Preto. A Rua XV de Agosto, ponto de partida da subida para o bairro, dista aproximadamente 1 quilômetro do Centro, de onde é possível ver o aglomerado de casas com tijolos aparentes e telhas de amianto, construídas “desordenadamente” e dando a impressão de estarem umas sobre as outras. O impacto visual entre o conjunto arquitetônico do Bairro Morro Santana e a

arquitetura colonial portuguesa dos casarios tombados é a imagem imediata de uma relação de contrastes, que se estende para as respectivas histórias, aspectos econômicos, educacionais e relações dos moradores com o patrimônio cultural (FERREIRA, 2016, pág. 64).

O referido contraste originou da vinda de muitos imigrantes atraídos pela oportunidade de trabalho e resultou no que Ferreira (2016) nomeou como uma “mancha de exclusão” dentro da cidade, cuja ocupação se deu sem controle da administração pública. A mesma autora chama a atenção para uma situação peculiar presente na constituição desse bairro periférico: embora possua construções mais antigas do que aquelas encontradas na parte histórica “tombada”, existem inúmeras ocupações mais recentes motivadas pelo início da fase industrial no município.

Os efeitos dessa situação certamente ainda se fazem presentes na rotina dos moradores do bairro que herdam o imaginário social de seus antepassados e, muitas vezes, não apresentam o sentimento de pertença dentro de suas “próprias” terras, conforme evidenciado em suas falas e comportamentos. Seria coincidência estar o Morro Santana e os bairros contíguos a ele figurando entre os mais atendidos pelo serviço ofertado pelo CRAS – Alto da Cruz? Informação importante, que deixa de ser detalhe nesse momento, posiciona esse CRAS como o pioneiro a ser criado em Ouro Preto e cuja área de abrangência engloba os bairros mais vulneráveis do município.

Os principais serviços públicos existentes no Morro Santana ao tempo da pesquisa e frequentemente utilizados pelas famílias pesquisadas eram: a creche, a pré-escola e a escola de ensino fundamental (municipais); a Unidade Básica de Saúde (UBS) e o transporte público. Existiam outros serviços públicos utilizados pelos moradores do bairro, mas estes tinham sua sede localizada em outros territórios como, o Cadastro Único do Governo Federal para cadastramento do Programa Bolsa Família; o CRAS, as escolas de ensino médio, os serviços de saúde mental e a Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

Havia também uma quadra esportiva no território, mas não foi mencionada nas entrevistas como espaço utilizado pelas crianças. Ferreira (2016) pontua a precariedade em que se encontravam os poucos equipamentos de lazer do bairro, a partir do ponto de vista dos moradores, o que pode esclarecer a sua baixa utilidade:

A prefeitura municipal também é evocada pela falta de manutenção dos equipamentos de lazer, culturais e esportivos do bairro. Como quando citaram o momento atual de falta de apoio financeiro ao Congado, fanfarra e ao Auta de Sousa, instituição que já foi Ponto de Cultura, um programa do

Ministério da Cultura. [...] também cobra a falta de manutenção da quadra de futebol no bairro. (FERREIRA, 2016, p. 101).

O transporte público municipal possuía uma linha específica de ônibus que realizava o trajeto pela via principal do Morro Santana. Quem dependia deste recurso para se locomover até a parte central ou outras localidades da cidade precisava se adequar aos horários disponíveis para a circulação da referida linha. Outra opção era subir/descer caminhando pelo asfalto da íngreme Rua Quinze de Agosto ou por uma longa escadaria que permitia um atalho para tal circulação.

A Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), não foi frequentada por nenhum sujeito do grupo estudado, apesar de ser desejada pelas filhas adultas de Antônia Maria. Certamente isso se devia à pouca posse de capital cultural pelos sujeitos analisados, dentro do que sinaliza Bourdieu (2007, p. 297): “os bens culturais enquanto bens simbólicos só podem ser apreendidos e possuídos como tais (ao lado das satisfações simbólicas que acompanham tal posse) por aqueles que detêm o código que permite decifrá-los”. Além disso, havia o fenômeno de exclusão social denunciado por Ferreira (2016) que limitava o acesso aos bens e serviços disponíveis fora do bairro de moradia.

Com exceção de Joana, o campo de trabalho do “morro” não absorveu a mão de obra ofertada à maioria das mães e seus filhos, pois suas atividades laborais concentravam-se mais na parte central da cidade. Isso denuncia uma desigual distribuição da riqueza no município e o agravamento da vulnerabilidade nos bairros que se localizam ao entorno da porção histórica. A pesquisa feita nos documentos do CRAS-Alto da Cruz, no processo de identificação e seleção das famílias monoparentais, como também minha experiência profissional neste serviço, nos permite afirmar que a exigência por mão de obra qualificada por muitos dos estabelecimentos empregadores em Ouro Preto, principalmente da rede hoteleira, deixa um significativo número de nativos fora do mercado formal de trabalho, aumentando o risco para o envolvimento em atividades ilícitas como a venda de drogas, a execução de trabalhos braçais pesados como o de servente de pedreiro e até mesmo a de trabalhos perigosos e insalubres, disponíveis nas pedreiras da região.

Para além do contraste paisagístico denunciado por Ferreira (2016, p.68): “lá embaixo, imponentes construções de arquitetura colonial [...] lá em cima, casas com esquadrias de alumínio, telhas de amianto e fachadas sem reboco denunciam autoconstruções”, havia também uma altíssima e desordenada taxa de ocupação do solo. Ouro Preto é conhecida por muitos como uma “bomba relógio, pois é comum a ocorrência de desastres em função da

combinação de fatores naturais (chuvas intensas e ventos fortes), da ação humana (construções irregulares) e das características do solo17.

A multideterminação que gera o estado de vulnerabilidade, ideia defendida por esta pesquisa, encontra respaldo no posicionamento de Carmo e Guizarde (2018 p. 6), quando afirmam que “não se trata, a vulnerabilidade, apenas de uma condição natural que não permite contestações. Isso porque percebemos que o estado de vulnerabilidade associa situações e contextos individuais e, sobretudo, coletivos”.

É por esse motivo que o elemento “vulnerabilidade” passou a ser incluído nessa pesquisa, como um construto (embora polissêmico e complexo) que ajuda a compreender e a explicar a vida das mulheres/mães pesquisadas e de suas famílias. Ele não diz respeito exatamente à ausência total de recursos familiares para a proteção de seus membros, ou mesmo a ausência de serviços públicos no território, ou à presença da miserabilidade no contexto familiar. Mas tenta apontar a discrepância existente na distribuição dos bens e serviços e do acesso a eles, aspecto que compõe as múltiplas desigualdades sociais presentes na cidade. Portanto, sinaliza os caminhos encontrados por cada sujeito na luta diária para alcançar uma vivência digna, diante das dificuldades que sua realidade pessoal e social lhe impõe.

Abaixo são apresentadas algumas figuras que ilustram a realidade do território estudado:

Figura 1 - Capela de Santana

Fonte: Autora (2020)

17 O endereço abaixo oferece maiores informações sobre um dos grandes desastres ecológicos dos últimos tempos, ocorrido em Ouro Preto no ano de 2012:

https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/01/04/interna_gerais, 270530/ouro-preto-e-considerada-bomba- relogio.shtml

Figura 2 – Vista do Morro Santana a partir do bairro Pocinho

Fonte: Autora (2020) Figura 3 – Vista do Morro Santana a partir de seu interior