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ENTRO do contexto de interação, é importante ressaltar duas visões que objetivam propiciar melhor compreensão do funcionamento do sistema

imune: a compreensão do sistema imune como um sistema cognitivo e o con- ceito de rede idiotípica, uma rede imunológica formada pelos idiotipos dos an- ticorpos. O conceito de rede idiotípica foi proposto por Niel Kaj Jerne (JERNE,

1973), (JERNE, 1974). Essa teoria, como descrito em (JERNE, 1973) foi pro- posta tendo por base três dicotomias:

1. a existência de dois tipos de linfócitos, T e B, em parte sinérgicos, em parte antagônicos;

2. a dualidade (estimulação ou inibição) da resposta potencial de um linfó- cito quando seus receptores reconhecem um epítopo;

3. moléculas de anticorpo podem reconhecer anticorpos, mas também se- rem reconhecidas.

A visão do sistema imune como um sistema cognitivo é apresentada de forma detalhada em (VARELA et al., 1988). De acordo com esse trabalho, os sistemas imune e neural são as mais poderosas formas de cognição biológica dentro do reino animal. Essa visão é em grande parte baseada na teoria de rede idiotípica. Em (JERNE,1974), inclusive, Niel Jerne especulava que pode- riam existir similaridades no conjunto de genes que governavam a expressão e regulação dos sistemas nervoso e imune.

Como comentado por de Castro e Timmis (2002c), a teoria da rede idiotí- pica propõe que o sistema imune tem um comportamento dinâmico, mesmo em ausência de estímulo externo. As células e moléculas do sistema imune fariam parte de uma rede regulada com capacidade para reconhecimento in- trínseco. Assim, por exemplo, para cada anticorpo disponível, existiria no organismo um anticorpo com capacidade de reconhecê-lo. Dessa maneira, o funcionamento do sistema imune residiria na busca de um equilíbrio dinâ- mico.

O funcionamento da rede idiotípica fica melhor ilustrado com a Figura4.3. Nessa Figura, encontra-se a representação de um anticorpo (Figura 4.3(a)), destacando-se nele duas regiões: i) o paratopo, localizado na região variável do anticorpo e que é responsável pela ligação ao epítopo do antígeno; ii) o idiotipo, um conjunto de epítopos do anticorpo e que pode ser reconhecido por outros anticorpos. Assim, na Figura 4.3(b), tem-se uma situação em que o reconhecimento idiotípico acaba por regular o funcionamento da rede como um todo. As bases da teoria da rede idiotípica foram lançadas em (JERNE,

pode ser reconhecido por um conjunto de paratopos e qualquer paratopo pode reconhecer um conjunto de idiotipos”.

(a) Anticorpo (b) Rede Idiotípica Figura 4.3: Exemplo de Rede Idiotípica

Nesse sentido, como apontado porJerne(1974), uma teoria completamente baseada em rede do sistema imune necessita que os resultados esperados das várias interações dentro da rede sejam definidos com bastante clareza e precisão. Para esse autor, o sistema imune pode ser visto como uma rede funcional com um comportamento auto-supressivo, mas aberta a estímulos externos, o que desencadearia a resposta imunológica.

É interessante observar que o conceito de rede idiotípica pode ser utilizado para explicar a formação da memória imunológica. Nesse caso, pressupõe-se que a memória mais que nos elementos reside nas interações entre eles. Essa já era uma questão levantada em (COUTINHO,1989, p.22):

É a memória uma propriedade da rede? Sem dúvida, a dinâmica da rede leva a uma memória de curta duração (...) e existe evidência que a rede ‘relembra’ pequenas modificações nas concentrações de componentes por até alguns meses.

De uma forma mais incisiva, em (STEWART; VARELA, 1989) é proposto a partir de resultados obtidos com simulação que a memória é uma propriedade de toda a rede imunológica e não pode ser atribuída a um único componente como uma célula de memória.

Nesse sentido, é importante destacar os trabalhos de Antonio Lanzavecchia, que recentemente tem investigado o processo de manutenção da memória se- rológica. Esse pesquisador possui diversos trabalhos ligados à questão da memória imune. Entre os trabalhos sobre células T de memória, pode-se destacar (SALLUSTO; LANZAVECCHIA, 2001), (LANZAVECCHIA; SALLUSTO,

2002), (LANZAVECCHIA; SALLUSTO,2005) e principalmente (SALLUSTO; GE- GINAT; LANZAVECCHIA, 2004). Em (LANZAVECCHIA; SALLUSTO, 2000) e (LANZAVECCHIA; SALLUSTO, 2001) são apresentados mecanismos de regu- lação de células T através da ação de células dendríticas.

Para este trabalho, entretanto, tem especial interesse três artigos desse pesquisador e sua equipe. Em (TRAGGIAI; PUZONE; LANZAVECCHIA, 2003), é discutido o processo de manutenção da memória serológica. Como comen- tado nesse trabalho, duas hipóteses foram levantadas na literatura sobre a manutenção do nível de anticorpos no sangue, mesmo após “cessado” o estí- mulo da resposta imune:

• a produção de anticorpos é mantida por plasmócitos de longa vida que sobrevivem em nichos apropriados (MANZ; RADBRUCH,2002), (MANZ et al., 2005);

• antígenos persistentes ou de reação cruzada estimulam continuamente células B a se proliferarem e diferenciarem em plasmócitos de vida curta (OCHSENBEIN et al., 2000), (ZINKERNAGEL,2002).

Entretanto, em (BERNASCONI; TRAGGIAI; LANZAVECCHIA, 2002) é pro- posto que mesmo na ausência de antígenos específicos, células B de memó- ria se diferenciam e proliferam em resposta a estímulos policlonais deriva- dos de micróbios ou células T ativas. Como mostrado em (BERNASCONI; ONAI; LANZAVECCHIA, 2003), os receptores do tipo Toll desempenham im- portante papel nesse processo. Ainda conforme (BERNASCONI; TRAGGIAI; LANZAVECCHIA,2002), as células B de memória possuem dois modos de res- posta:

• em um modo dependente de antígeno, um conjunto de células B de me- mória procede a uma expansão massiva e diferenciação em plasmócitos; • em um modo policlonal, as células B de memória em um dado microam- biente respondem a estímulos policlonais, procedendo a uma proliferação e diferenciação contínua, mantendo o nível de anticorpos relativamente estável.

Como verificado por esse pesquisador, em experimentos in vitro, foi possí- vel verificar situações em que células B de memória respondiam aumentando a produção de anticorpos em até dez vezes, mesmo não sendo específico para aquele antígeno. Um resultado relativamente interessante, apontado porBer- nasconi, Onai e Lanzavecchia(2003), é que existem evidências para um siner- gismo entre receptores de células B e receptores do tipo Toll. Alguns antígenos contendo ativadores policlonais podem atuar como uma ponte física entre es- ses receptores.

Esses resultados vêm ao encontro da observação apresentada em (VAZ et al., 2003) de que a imunopatologia surge mais a partir de desarranjos na conectividade dos linfócitos que de respostas imuno-específicas induzidas por antígenos. Mais à frente, nesse mesmo artigo, os autores comentam:

Portanto, um sistema imune precisa ser definido não apenas baseado na presença de linfócitos, mas também de acordo com a maneira que mu- danças ocorrem nas relações entre esses linfócitos e entre os linfócitos e o organismo enquanto o sistema opera.

(VAZ et al.,2003, p.14)

Tomando-se como referência, então, que o meio no qual o sistema imune opera é o organismo do qual ele é componente, a modelagem do comporta- mento do sistema imune implica em uma rede idiotípica não-trivial, com rela- ções entre elementos dos sistemas imunes adaptativo e inato. Além disso, a modelagem de outros componentes do organismo pode ser necessária, depen- dendo do estudo que se pretenda fazer.