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Redefinindo as estratégias de trabalho

A CONSTRUÇÃO DE UMA CONCEPÇÃO POLÍTICO-PEDAGÓGICO

apoio 57 , o qual viria a cumprir um papel muito importante no fortalecimento dos grupos de trabalhadores na luta pela terra.

2.2. Redefinindo as estratégias de trabalho

trabalhadoras rurais. Esse trabalho tinha uma articulação com a experiência de organização das mulheres da Diocese de Guarabira na Paraíba.

59 Serviço de Assistência Rural – Relatório de Atividades/1983 – Plano de Ação/1984. 60 Idem ibdem.

61 O Projeto Educação Sindical dos Trabalhadores Rurais Assalariados da Lavoura Canavieira do

Estado do Rio Grande do Norte (Educana) surgiu da necessidade de um trabalho educativo com vistas ao reforço a organização dos trabalhadores assalariados na luta pelo cumprimento de direitos trabalhistas vigentes e daqueles consagrados pelos dissídios coletivos de trabalho. Este foi apoiado pela CESE (Coordenadoria Ecumênica de Serviço) em 1985. O SAR participou da elaboração e acompanhamento deste projeto no final dos anos 80. Sobre esse assunto vê pesquisa sobre A FETARN e a formação político-sindical dos trabalhadores rurais

canavieiros, realizada pelo CEAHS (Centro de Educação e Assessoria Herbert de Souza) apoiada

financeiramente pela CESE. Essa pesquisa foi sistematizada pelo Prof. Dr. Severino José de Lima (Xangai) nos anos de 2001 e 2002.

Como vimos anteriormente, o SAR, num processo de rupturas e continuidades, vai construindo uma pedagogia própria, em diferentes contextos. Durante o Regime Militar, a sua atuação foi mudando, conforme intenso processo

de discussão em diferentes espaços, em níveis regional, estadual, e nas comunidades rurais. Esses espaços garantiram um processo de discussão permanente sobre as ações de vários sujeitos sociais que atuavam no campo e

tinham, como uma preocupação crucial, a construção de uma sociedade mais

justa e mais humana. Desde a sua criação, essa entidade procurou trabalhar com

metodologias participativas, elaboração de planejamentos de atividades seguidas de avaliações.

As metodologias participativas adotadas provocaram conflitos frente aos mandos e desmandos dos proprietários de terras, principalmente no que se refere aos sistemas de fidelidades políticas e relações de trabalho. Assumindo essa postura político-pedagógica de motivação de mudanças nas relações sociais no campo e capacitando prioritariamente grupos de trabalhadores rurais, o SAR entrou em conflito com vários proprietários de terra, desde a sua criação, embora a reforma agrária nunca tenha sido explicitada nos seus programas.

Vários autores, entre os quais Ferrari (1968), Cruz (1982), Camargo (1971) observaram, em seus estudos, que havia, dentro dos setores progressistas da Igreja, conflitos em relação à condução desse trabalho nas localidades. Segundo Ferrari, a equipe do MEB, da Arquidiocese de Natal, por exemplo, não deixou de sofrer certa influência ideológica de militantes ou ex- militantes católicos de posição mais extremada, mas não comunistas, filiados à Ação Popular (AP), ou ao “grupão” da JUC (Juventude Universitária Católica), ou pertencentes à equipe nacional do MEB.

questão agrária, palmilhou “caminhos tortuosos”. Esses caminhos vêm, desde 1930 até nossos dias, passando por uma Igreja aliada dos latifundiários, utilizando-se da classe trabalhadora rural para, através de uma prática religiosa (tradicional), reforçar a dominação cultural, ideológica, moral e política do latifúndio.62

Mesmo com as contradições dentro dos Movimentos e entidades da Igreja, havia uma riqueza muito grande nas discussões internas durante os encontros de avaliação e planejamento das atividades. Na realidade, os conflitos existiam internamente na Igreja e na ação das entidades como o SAR, MEB e ACR, junto às chamadas “comunidades rurais”.

A partir da década de 80, os grandes acontecimentos nacionais permearam as discussões na equipe do SAR, e esta, que já vinha perdendo a pujança na década anterior retoma a linha de trabalho no campo do sindicalismo e da questão agrária, conforme a ênfase e as mudanças ocorridas na realidade. A Entidade, desde a sua criação, sempre contou com uma grande capacidade de renovação e absorção de pessoas, para compor e recompor a equipe técnica. Várias dessas pessoas vinham de um trabalho junto às localidades ou de grupos da Pastoral de Juventude formados em trabalhos, nos municípios do Interior ou nos bairros populares de Natal. Em 1975, por exemplo, vários grupos de jovens estudavam em grupos o livro Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, para refletir o trabalho dos grupos de jovens, realizados nos bairros populares de Natal (Bairro Nordeste, Rocas, Potilândia, Cidade da Esperança etc). Uma boa parte desses sujeitos individuais vinham de um longo processo de discussão sobre a realidade a partir do método de Paulo Freire. Na realidade, muitas vezes o método de trabalho tinha ainda como referência o da Ação Católica (Ver, Julgar e Agir).

No plano mais geral, a segunda metade dos anos 70 vai revelar um ator político fundamental no processo de redemocratização da sociedade brasileira: a Igreja Católica. A Igreja assume a postura de oposição ao Regime Militar e, com isso, contribui para o fortalecimento de movimentos sociais novos de

62 Sobre essa questão, ver o importante trabalho de Abdias Vilar de Carvalho sobre “A Igreja e os

sindicalismo, as Pastorais da Terra (CPT, Pastoral Rural no Nordeste II), o MST entre outros. Essa nova conjuntura leva a arquidiocese de Natal e em particular o SAR, a assumir uma nova postura em relação à realidade social e a adotar novos caminhos de trabalho.

As mudanças que estavam ocorrendo apontam para uma maior politização das atividades, e o sinal emblemático dessa reorientação é a transformação do Programa de Educação Política em programa central da Instituição, ao qual todos os outros ficam subordinados.

Verifica-se que o discurso da Igreja muda, e o SAR passa a ter uma atuação mais efetiva em relação à luta pela terra e à organização sindical e política dos trabalhadores rurais. Assume, principalmente, o apoio à resistência dos trabalhadores contra os grileiros e a luta pela reforma agrária. Em 1979, lança o Boletim DISPARADA, veículo de divulgação de suas propostas, de discussão e denúncia dos problemas do campo. O primeiro número trazia a chamada: Para

onde vais se não tens terra? , registrando os debates ocorridos na Semana do

Animador Rural63, no período.

A Entidade passa a assumir as seguintes ações: organização dos trabalhadores na defesa de suas posses; mutirões para demarcação de terras e construção de cerca; requisição de títulos de posse; envolvimento nos sindicatos, para defendê-lo enquanto órgão de defesa dos trabalhadores rurais.

Nos primeiros anos da década de 80, são definidas como prioridades as questões terra e sindicato. O programa de Educação Política, que permeia todo o trabalho do SAR, tem como objetivos: contribuir para a formação de uma consciência crítica do trabalhador rural, a fim de que, consciente de seus

63 A Semana do Animador de Comunidade teve início em 1970, com um encontro de animadores

realizado em Mossoró. Participaram dessa Semana as comunidades trabalhadas pelo MEB de Natal, Caicó e Mossoró. Essa atividade foi se enraizando e aumentando sua abrangência. Em 1974, essa entidade se integrou a esta atividade. A Semana do Animador era um momento de discussão sobre os trabalhos desenvolvidos nas comunidades (DISPARADA No

transformação da sociedade; possibilitar a união e organização dos trabalhadores rurais para sua libertação através do processo de conscientização; incentivar e apoiar os trabalhadores rurais na sua luta pelo acesso e permanência na terra.64

Com base nesse programa, passa a dialogar com várias forças políticas tendo em vista uma articulação que possa efetivar um trabalho mais denso junto aos trabalhadores. Com isso, a palavra-chave passa a ser articulação.

(...) a articulação representa um fator chave no trabalho do SAR, envolvendo pessoas, grupos, comunidades, movimentos e entidades que lutam na busca da libertação dos oprimidos, numa perspectiva de Evangelização Libertadora, provocando o enriquecimento das práticas que conduzem a solidariedade e ao crescimento dos grupos e no próprio trabalho.65

De acordo com Andrade (2000), a característica marcante desse novo discurso é a mescla de uma análise marxista da realidade com a recorrência à interpretação do Evangelho da Teologia da Libertação. Mais do que nunca, assume-se um discurso religioso para justificar uma postura mais avançada do ponto de vista político. Nesse sentido, o SAR vai intensificando gradativamente a sua atuação política no meio rural. Isso porque o “movimento camponês” começa a se reorganizar, e a Igreja é chamada a exercer o importante papel de organizador ou mediador das lutas dos trabalhadores. Entre essas lutas, destacam-se: as greves dos canavieiros, os conflitos de terra e a questão sindical.

A luta sindical passa a receber uma atenção especial. Para Andrade (2000),

64 Relatório de Avaliação e Planejamento das Atividades do SAR - 1982. 65

uma postura mais radical em defesa da “terra para quem nela

trabalha” (a equipe) acaba se contrapondo ao sindicalismo rural

existente no período. Este, fruto do repressivo período de governo militar, não correspondia àquilo que se esperava, no momento, das organizações sindicais.

Assim, se no fim dos anos 70, no ABC paulista, a Igreja desenvolveu um importante papel junto aos metalúrgicos, que originou o aparecimento das chamadas oposições sindicais, no Rio Grande do Norte o SAR passa a ter um trabalho semelhante, em meados dos anos 80, quando passa a denunciar a ação da direção da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Rio Grande do Norte – FETARN – e a fazer um trabalho de formação de uma oposição sindical, quebrando a hegemonia da Federação em alguns municípios.

A Igreja trabalha a questão do sindicalismo, mas agora numa perspectiva totalmente inversa ao início dos anos 60. Ao invés de combater o sindicalismo do discurso e da prática política em defesa da reforma agrária, a Igreja agora combate o consevadorismo das lideranças sindicais e reclama uma ação mais incisiva e conseqüente em relação às questões do campo (ANDRADE, 2000).

A proposta de organização de uma oposição sindical, incentivada pela equipe dessa entidade, consistia no apoio à formação de pólos sindicais, como forma de conter o centralismo exacerbado da FETARN e propiciar um avanço real no avanço da luta pela terra e na organização dos trabalhadores assalariados, em busca de melhores salários e condições de trabalho.