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1. INTRODUÇÃO

1.9 Redes Extracelulares de Neutrófilos (NETs) e Tromboses

Os neutrófilos, células que atuam na primeira linha de defesa do organismo, apresentam funções essenciais na imunidade, relacionadas à geração de ROS, e à fagocitose de patógenos invasores. Além dessas propriedades clássicas, uma nova função foi descrita em 2004 (76). Neutrófilos estimulados por agentes pró-inflamatórios, ROS e patógenos ativam uma via específica de morte celular conhecida como “NETose”, que culmina com a liberação de fibras compostas por proteínas dos grânulos e por componentes nucleares (histonas e DNA). Estas

redes extracelulares aprisionam e destroem bactérias, fungos e vírus (77, 78). Além de seu papel benéfico na resposta a infecções, a liberação de NETs por neutrófilos também pode trazer prejuízos aos tecidos, como já demonstrado em condições como o câncer metastático (79), a aterosclerose (80), e as tromboses (81, 82). Acredita-se que a formação de NETs contribua com a fisiopatologia das tromboses venosas, ao facilitar a interação entre hemácias, leucócitos, plaquetas e endotélio, e ao inibir vias anticoagulantes naturais (83). Esta interação faz parte de um processo mais amplo cada vez mais citado em estudos sobre fisiopatologia da hipercoagulabilidade, conhecido como imunotrombose ou tromboinflamação (41, 84).

1.9.1 Evidências e Implicações da Formação de NETs na AF

Um estudo recente demonstrou a presença de marcadores associados à formação de NETs em pacientes com AF (Figura 6), assim como sua correlação com a gravidade das crises vaso-oclusivas (13). Outro estudo recente mostrou que o heme livre, presente em quantidades aumentadas no plasma de pacientes com AF, é também capaz de ativar a NETose via receptores TLR4 (85). As crises oclusivas recorrentes são uma das principais características da AF e são associadas a eventos pro-inflammatórios (Figura 6). Evidências recentes mostraram que este ambiente inflamatório induz a ativação dos neutrófilos e a liberação NETs em pacientes com crises oclusivas , ilustrando a possível contribuição da NETose nos eventos agudos na AF (86, 87). Se confirmada, esta participação abre caminho para o uso de inibidores da NETose como tratamento complementar na AF.

Figura 6: Implicação da formação de NETs na AF.

Essa figura resume o conhecimento atual da implicação da NETose na AF. Em modelo animal de AF foi demonstrado que heme em sinergia com TNF-α foi capaz de induzir a formação de NETs, um efeito revertido com a hemopexina. Em vários cenários foi demonstrado a inibição ou nocaute/silenciamento da proteína PADI4 é suficiente para inibir a formação de NETs, tonando relevante a inibição de PADI4 em doenças que envolvem a formação de NETs. Já em estudos em pacientes com AF, foi demonstrado que a formação de NETs e os níveis de nucleossomos são associados com a gravidade da AF e a indução da inflamação nos pacientes.

1.9.2 Vias de regulação da formação de NETs

A liberação de NETs é um mecanismo complexo cuja regulação é estritamente ligada ao tipo de indutor que está envolvido. Embora a regulação celular e molecular da formação de NETs ainda não esteja completamente elucidada, evidências apontam para um papel fundamental das vias das proteínas PADI4 e de Nox2 (NADPH oxidase) neste processo. Nos últimos anos anos, muitos

indutores da liberação de NETs foram identificados, incluindo moléculas fisiológicas e não fisiológicas, e microrganismos incluindo bactérias e fungos. Algumas moléculas são bem descritas na literatura com indutores das vias dependente ou independente de NOX2. O indutor não fisiológico mais potente e comumente usado

in vitro é o PMA (phorbol 12-myristate 13-acetato) (88–90) que é um ativador potente

de proteína quinase C (PKC) e está envolvido na via dependente de NOX2. Ao contrário do PMA, ionóforos do cálcio como a ionomicina e a molécula A23187 também induzem a liberação de NETs contendo, em particular, histonas citrulinadas pela proteína PADI4.

1.9.3 A via dependente de NOX2

Em muitos cenários, a ativação do NOX2 e a geração de espécies reativas de oxigênio (ROS) subsequente é necessária para a formação NETs (88). Estes ROS aumentam a permeabilidade da membrana, levando à liberação da elastase dos neutrófilos (NE) dos grânulos azurófilos e sua translocação para o núcleo. Dentro do núcleo, a NE degrada as histonas “linker” H1 facilitando a decondensação da cromatina (91), processo no qual também participa a enzima mieloperoxidase (MPO) (92). As ROS também promovem as alterações morfológicas que ocorrem durante a NETose (24), inibindo a apoptose e induzindo a autofagia (91), que dependendo do nível de ROS intracelular pode leva à liberação de NETs (93). Este mecanismo dependente de NOX2 é regulada pela via Raf-MEK-ERK (88). Há também evidências que mostram que a liberação de NETs pode ser indenpendente da ativação de NOX2.

1.9.4 A via independente de NOX2: o papel de PADI4

A liberação de NETs induzida por ionóforos de cálcio como A23187 e plaquetas ativadas ocorre de uma maneira diferente da via de NOX2, sendo referida como via independente de NOX2. Esta via é dependente do nível intracelular de cálcio que ativa a enzima PADI4 levando à hipercitrubilização de histonas (94, 95). O principal alvo de PADI4 é a cromatina, sobre a qual atua promovendo a citrulinação das argininas R2, 8 e 17 da histona H3 (H3R2,8,17), e R3 da histona H4 (H4R3) (96). Esta citrulinação inativa as cargas positivas das histonas e leva à delobulação do núcleo e descondensação da cromatina (97), etapas essenciais para a formação

de NETs (98–100). Animais knockout para PADI4 não apresentam NETose (82, 101) e são protegidos de algumas complicações trombóticas (102). Em um modelo proposto por Rohrbach e colaboradores, esta via pode em determinada condição envolver NOX2 que regula a liberação de ROS, aumentando assim a geração de Ca2+, essencial para a ativação de PADI4 (100). Apesar destas observações não há evidências claras que suportam este mecanismo. Estudos recentes sugerem que a ativação do PADI4 induz a citrulinação de p47phoxe p67phoxproteins, impedindo a montagem de NOX2 ativo e a produção de ROS dependente de NOX2 (103). Porém a NETose independente de NOX2 parece ser depende da produção de ROS mitocondrial (mtROS) (95). Outro elemento importante para a atuação de PADI4 é a elastase de neutrófilos (NE), que medeia a dissociação da histona H1, também contribuindo para a descondensação da cromatina dos neutrófilos. Esta dissociação permite o “desenrolar” do nucleossomo, facilitando assim a citrulinização das histonas H3 e H4 via PADI4 (91). A relevância clínica do papel de PADI4 na regulação da NETose é ainda sugerida pela associação de polimorfismos do gene

PADI4 com a gravidade da artrite reumatoide (104), uma condição na qual NETs

exercem um papel fisiopatológico importante (105). Mais recentemente, aumento da expressão de PADI4 foi implicado na NETose observada durante o processo de cicatrização de feridas no diabetes (106).

1.9.5 Perspectivas para o uso de inibidores de PADI4 na AF

A inibição de PADI4 vem sendo citada como uma estratégia terapêutica relevante para o tratamento de doenças que envolvam a formação de NETs. Resultados positivos com esta estratégia já foram demonstrados em modelos animais de Lupus (107) e aterosclerose (108). Recentemente, novos inibidores mais específicos para PADI4 foram descritos (109) e são potencialmente interessantes para uso na AF. Embora atrativa, esta possibilidade exige um conhecimento mais detalhado do papel de PADI4 e sua regulação em pacientes com AF tanto em estado estável quanto em crise.

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