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Investigação de novos mecanismos fisiopatológicos da hipercoagulabilidade na doença falciforme : Investigation of new pathophysiological mechanisms of hypercoagulability in sickle cell disease

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS

BIDOSSESSI WILFRIED HOUNKPE

INVESTIGAÇÃO DE NOVOS MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS DA HIPERCOAGULABILIDADE NA DOENÇA FALCIFORME

INVESTIGATION OF NEW PATHOPHYSIOLOGICAL MECHANISMS OF HYPERCOAGULABILITY IN SICKLE CELL DISEASE

CAMPINAS 2020

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BIDOSSESSI WILFRIED HOUNKPE

INVESTIGAÇÃO DE NOVOS MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS DA HIPERCOAGULABILIDADE NA DOENÇA FALCIFORME

INVESTIGATION OF NEW PATHOPHYSIOLOGICAL MECHANISMS OF HYPERCOAGULABILITY IN SICKLE CELL DISEASE

Tese apresentada à Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Ciências

Thesis presented to the Faculty of Medical Sciences of State University of Campinas in partial fulfillment of the requirements for obtaining the title Doctor in Sciences

ORIENTADOR: PROF. DR. ERICH VINICIUS DE PAULA

COORIENTADOR: PROF. DR. MAGNUN NUELDO NUNES DOS SANTOS

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO

BIDOSSESSI WILFRIED HOUNKPE, E ORIENTADA PELO PROF. DR. ERICH VINICIUS DE PAULA.

CAMPINAS 2020

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FICHA CATALOGRÁFICA

Agencias de formento e números de processo: FAPESP 2015/24666-3 e 2014/00984-3

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COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

BIDOSSESSI WILFRIED HOUNKPE

ORIENTADOR: PROF. DR. ERICH VINICIUS DE PAULA

COORIENTADOR: PROF. DR. MAGNUN NUELDO NUNES DOS SANTOS

MEMBROS TITULARES:

1. PROF. DR. ERICH VINICIUS DE PAULA

2. PROFA. DRA. NICOLA AMANDA CONRAN ZORZETTO

3. PROFA. DRA. JOYCE MARIA ANNICHINO BIZZACCHI

4. PROF. DR. MARCELO TORRES BOZZA

5. PROF. DR. MARCELO LARAMI SANTORO

Programa de Pós-Graduação em Fisiopatologia Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da FCM.

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DEDICATÓRIA

Eu dedico este trabalho, fruto da minha dedicação, a minha filha Donan Marie-Onélia.

Você é um presente precioso de Deus. Sempre lembre que a dignidade é o bem maior que jamais devemos perder nesse mundo.

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AGRADECIMENTOS A Deus pelo dom da vida;

Aos meus pais, Jean e Odile. Vocês dedicaram suas vidas para sempre me mostrar o caminho certo. Minha eterna gratidão por tudo que já vivemos juntos;

A minha esposa Francine pelo amor, pelas suas contribuções na realização deste projeto e pela força que me deu cada dia ao longo destes anos. Seul l’amour Suffit. Aos meus irmãos Constant, Fernandine, Rufin, Pelagie, Gilberte e Rodolphe, pela fraternidade e o apoio incondicional. Vocês são meus modelos;

A meu Orientador Prof. Dr Erich Vinicius de Paula, pelas orientações, a confiança e pelo apoio que vai além de uma simples orientação acadêmica. Você é um espelho que sempre reflete a imagem do bom mestre, aquele que mostra o caminho do sucesso. Minha gratidão pelos conselhos;

Ao meu coorientador, Prof. Dr Magnun Nueldo Nunes dos Santos pela co-orientação e sua colaboração neste projeto;

Aos membros da banca que aceitaram nosso convite, pelas sugestões para melhorar este trabalho;

Ao professor Fernando Ferreira Costa pela nossa inclusão no seu grupo de pesquisa e no projeto temático;

Aos nossos colaboradores (Igor de Farias Domingos, Evilazio Cunha Cardoso,

Marcondes José de Vasconcelos Costa Sobreira, Aderson da Silva Araujo, Antonio Roberto Lucena-Araújo, Pedro Vieira da Silva Neto, Adriana Malheiro, Nelson Abrahim Fraiji, Fernando Ferreira Costa, Marcos André Cavalcanti Bezerra) de

HEMOPE/UFPE (Recife) e de HEMOAM (Manaus) pela colaboração produtiva, pelo recrutamento dos pacientes e o pré-processamento das amostras. A todos que contribuiram de certa forma e cujos nomes não foram mencionados aqui, minha gratidão;

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A vocês, Vanessa, Franciele, Carla, Ivanio, Mayck, Loredana, Rafaela, Maiara, Fábio, Yzabela, meus colegas de laboratório com quem eu trilhei esse caminho tão difícil, minha eterna gratidão pela amizade;

A todos os outros alunos com quem eu compartilhei o espaço de trabalho e com quem eu tive a chance de colaborar em diversos projetos, minha eterna gratidão; A Ucha pelos votos e a amizade;

Aos meus amigos José, Ricardo, Marcio e Helder; pela amizade e a força que me deram ao longo destes anos que passei no Brasil;

Aos funcionarios da Hemostasia, pelo apoio de sempre;

Aos funcionarios do banco de sangue e do fracionamento do Hemocentro, pelo apoio;

A todas outras pessoas que contribuíram na realização deste trabalho, minha gratidão.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP); números de processo: FAPESP 2015/24666-3 e 2014/00984-3 e da Coordenação de Apefeicionamento de Pessoa de Nível Superior-Brasil (CAPES; Código de financiamento 001).

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RESUMO

Introdução: A anemia falciforme (AF) é uma hemoglobinopatia caracterizada por inflamação crônica e importante risco de eventos tromboembólicos venosos. Apesar dos avanços na caracterização das consequências da hipercoagulabilidade nestes pacientes, pouco se sabe sobre os mediadores críticos para ativação e perpetuação da coagulação nestes pacientes. No entanto, estudos realizados nos últimos anos sugeriram que o heme e a geração de redes extracelulares de neutrófilos (NETs) são dois elementos críticos da fisiopatologia da hipercoagulabilidade nesta doença. Embora já tenha sido demonstrado que o heme livre possa ter efeitos clinicamente relevante principalmente sobre a vasooclusão e síndrome toracica aguda via TLR4, seu efeito líquido sobre a coagulação é ainda assunto de muitas controversas. Além disso, evidências mostraram que a protéina PADI4 é um regulador crítico da formação de NETs e indicaram que sua inibição pode ser uma estratégia terapêutica no tratamento das doenças cuja fisiopatologia envolve a liberação de NETs como a AF. Embora atrativo, esta possibilidade exige um conhecimento mais detalhado do papel de PADI4 na AF. Objetivos: Na primeira parte deste estudo, nosso objetivo foi avaliar o efeito do heme sobre a ativação da coagulação no sangue total e explorar sua contribução na expressão, atividade e mecanismo de desencriptação do fator tecidual (FT) em células mononucleares. O segundo objetivo foi avaliar a expressão de genes envolvidos na formação de NETs (PADI4, MPO e Elane) em pacientes com AF e explorar suas correlações com marcadores de hipercoagulabilidade e com a gravidade da doença. Métodos: Na parte relativa aos efeitos do heme, a tromboelastometria foi usada para avaliar o efeito do heme sobre a ativação da hemostasia. Além disso a expressão do FT foi analisada por qPCR e sua atividade avaliada por um teste funcional de ativação do FX. A atividade de PDI foi avaliada usando um kit comercial. Por fim a contribuçao da via de TLR4 e o mecanismo de desencriptação mediado por PDI foram explorados usando inibidores específicos (Tak-242 e rutina para TLR4 e PDI respectivamente). Em relação à formação de NETs, duas coortes foram incluidas neste estudo. Na primeira coorte foi investigada a expressão gênica de PADI4, MPO e Elane por qPCR. Já na segunda coorte, a atividade de PADI4 foi analisada. Resultados: O heme foi capaz de induzir a ativação da hemostasia em amostras de sangue total. Este foi efeito foi amplificado pelo pré-tratamento com TNF-α e dependente da expressão e da ativação de FT, a

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qual foi posteriormente demonstrada em células mononucleares. A ativação do FT foi dependente da via TLR4 e ao menos parcialmente da via de desencriptação de FT mediada pela PDI. Já em pacientes com AF houve um aumento significativo da expressão dos genes PADI4, ELANE e MPO durante as crises vasoclusivas. A atividade de PADI4 aumentou no plasma de pacientes com AF durante as crises. Este resultados reforçaram o conceito de que heme e a regulação da formação de NETs pela PADI4 possam ser considerados como dois elementos relevantes da fisiopatologia da AF.

Palavras-chave: anemia falciforme, heme, PADI4, redes extracelulares de neutrófilos (NETs), hipercoagulabilidade, desencriptação, PDI, TLR4

(10)

ABSTRACT

Introduction: Sickle Cell Anemia (SCA) is a hereditary hemoglobinopathy characterized by chronic systemic inflammation and a propensity for venous thromboembolic events. Despite advances in the characterization of hypercoagulability, which is a well-characterized consequence of this disease, the relative contribution of discrete mediators of coagulation activation for the loss of hemostatic balance observed in these patients is still not clear. In this regard, recent studies have been suggested that heme and the generation of neutrophil extracellular traps (NETs) should be viewed as critical candidate elements of the pathophysiology of hypercoagulability in this disease. Although it has been shown that free heme can trigger vasoocclusion and acute chest syndrome via TLR4, its net effect on the activation of coagulation is still controversial. Furthermore, recent evidences have shown that PADI4 is a critical regulator of NETs formation, so that its inhibition has been considered a potential therapeutic strategy in the treatment of diseases whose pathophysiology involves the formation of NETs such as SCA. Although attractive, this possibility requires a more detailed knowledge of PADI4 contribution to the pathophysiology of SCA. Objectives: In the first part of the study, we evaluated the effect of heme on the activation of coagulation in whole blood and investigated whether this effect was dependent of tissue factor (TF) expression and/or activation through TF decryption in mononuclear cells. In relation to study that involves NETs regulation, we intended to characterize the expression PADI4, MPO and Elane in patients with SCA and to explore their correlations with biomarkers of hypercoagulability and disease severity. Methods: Thromboelastometry was used to evaluate the effect of heme on hemostasis activation in whole blood. In addition, the expression of TF was analyzed by qPCR and its activity was evaluated by a functional FX activity assay. PDI activity was evaluated using a commercial kit. Finally, the contribution of the TLR4 pathway and the PDI-mediated decryption mechanism were explored using specific inhibitors (Tak-242 and rutin for TLR4 and PDI respectively). Regarding the formation of NETs, two cohorts were included in this study. In the first one, gene expression of PADI4, MPO and Elane was investigated by qPCR. In the second cohort, PADI4 plasmatic activity was analyzed. Results: Heme was able to induce hemostasis activation in whole blood samples. This effect was further amplified by pre-treatment with TNF-α and was dependent on TF

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expression and activation, as demonstrated in mononuclear cells. TF activation was dependent on TLR4 pathway and at least partially dependent on PDI-induced TF decryption. Significant increase of PADI4, ELANE and MPO gene expression was observed during vaso-occlusive crisis. PADI4 activity also increased in plasma of patients with SCA during vaso-occlusive crisis. Together, these results reinforced the concept that heme and NETosis regulation, through PADI4 activity, should be regarded as two relevant elements for the pathophysiology of SCA.

Keywords: Sickle Cell Anemia, heme, PADI4, Neutrophil Extracellular Traps (NETs), hypercoagulability, decryption, PDI, TLR4.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: As alterações genéticas da subunidade ß da hemoglobina. ... 20 Figura 2: Estrutura do heme. ... 22 Figura 3: Sistema de detoxificação do heme ... 25 Figura 4: Interação complexa do heme com diferentes compartimentos da coagulação. ... 28 Figura 5: Mecanismo de desencriptação do FT. ... 33 Figura 6: Implicação da formação de NETs na AF. ... 35 Figura 7: Estudo dos efeitos do heme sobre a ativação da hemostasia por método global. ... 42 Figura 8: Avaliação da expressão gênica por qPCR. ... 45 Figura 9: Avaliação da atividade do FT com o teste funcional. ... 48

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Sequência e concentração dos primers usados na avaliação do FT. ... 45 Tabela 2: Sequência e concentração dos primers... 50 Tabela 3: Eficiência das concentrações padronizadas ... 50

(14)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACTB: Actin beta

ASH: Associação Americana de Hemostasia CFT: tempo da fase de amplificação

CT: tempo da iniciação da coagulação DTT: Ditiotreitol

EEF2: Eukaryotic Translation Elongation Factor 2 FN: fator de Normalização

FS: fosfatidilserina

FVII: fator FVII de coagulação

FVIIa: fator FVII de coagulação ativado FvW: fator de von Willebrand

FX: fator FX de coagulação

FXa: fator FX de coagulação ativado

GAPDH: Glyceraldehyde-3-Phosphate Dehydrogenase HBB: gene da cadeia b da globina

HClO: ácido hipocloroso

HFVIIa: fator FVII humano de coagulação ativado HFX: fator FX humano de coagulação

Hp: haptoglobin Hx: hemopexin

(15)

MYH9: Myosin Heavy Chain 9 NaOH: hidroxido de sòdio

NATEM: Non-activated thromeslastometry

NETose: formação de redes extracelulares de neutrófilos

NETs: Neutrophil extracellular Traps (redes extracelulares de neutrófilos) NE: elastase de neutrófilos

NO: óxido nítrico

NTC: no template controls

PADI4: Peptidyl Arginine Deiminase 4 PDI: Protein Disulfide Isomerase qPCR: PCR quantitativo

ROS: Reactive oxygen species (espécies reativas de oxigênio) Rotem: rotational thromboelastometry

sFXa: substrato de fator X de coagulação STA: síndrome torácica aguda

TEP: tromboembolismo pulmonar TNB: 2-nitrobenzoic acid

UA: unidades arbitrárias

(16)

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 18

1.1 Anemia falciforme: Definição e Relevância ... 18

1.2 Fisiopatologia da AF ... 18

1.3 Hipercoagulabilidade na Doença Falciforme ... 21

1.4 Heme e sua natureza ambigua ... 22

1.4.1 Bioquímica e papel fisiológico do heme ... 22

1.4.2 Toxicidade de heme livre e seu efeito pro-inflamatório ... 23

1.4.3 Mecanismos de proteção do organismo contra os efeitos do heme livre ... 24

1.5 O heme livre como mediador da hipercoagulabilidade na AF ... 26

1.5.1 O heme como mediador da hipercoagulabilidade na AF: questões abertas ... 26

1.5.2 Alvos celulares do heme com o potencial de modular o balanço hemostático... 27

1.5.3 Complexidade das interações do heme com os diferentes compartimentos da hemostasia. ... 27

1.6 Outros aspectos desafiadores do estudo do heme na hemostasia ... 29

1.7 Testes globais da hemostasia ... 30

1.8 Modulação da atividade do FT ... 31

1.8.1 Mecanismos que mantêm o FT inativo (“encryption”) ... 31

1.8.2 Mecanismos de desencriptação do FT ... 31

1.8.3 Papel de PDI no mecanismo de desencriptação e em tromboses. ... 32

1.9 Redes Extracelulares de Neutrófilos (NETs) e Tromboses ... 33

1.9.1 Evidências e Implicações da Formação de NETs na AF ... 34

1.9.2 Vias de regulação da formação de NETs ... 35

1.9.3 A via dependente de NOX2 ... 36

1.9.4 A via independente de NOX2: o papel de PADI4 ... 36

1.9.5 Perspectivas para o uso de inibidores de PADI4 na AF ... 37

2. OBJETIVOS... 38

2.1 Objetivo geral ... 38

2.2 Objetivos específicos ... 38

3. MATERIAIS E MÉTODOS ... 39

(17)

3.2 Desenho geral do estudo ... 39

3.3 Pacientes e amostras ... 40

3.4 Avaliação da ativação da coagulação induzida pelo heme: artigo 1 ... 41

3.4.1 Diluição do heme ... 41

3.4.2 Estudos in vitro com tromboelastometria ... 42

3.4.3 Avaliação da expressão gênica do fator tissular (F3) induzido pelo heme: artigo 2 . 43 3.4.4 Teste funcional avaliando a atividade do fator X ... 45

3.4.5 Avaliação da atividade de PDI ... 48

3.5 Avaliação da expressão de genes relacionados a NETs por qPCR: artigo 3 ... 49

3.6 Análise estatística ... 50 4. RESULTADOS ... 51 5. DISCUSSÃO ... 93 6. CONCLUSÕES ... 101 7. REFERÊNCIAS ... 102 8. APÊNDICES ... 118

Artigo publicado em Nucleid Acids Research: ... 118

Resumo meta-análise SCD-AMI ISTH ... 127

9. ANEXOS ... 128

Anexo 1: Permissão/autorização junto à editora para a inclusão dos artigos na tese (Plos One e Nucleic Acids Research) ... 128

Anexo 2: CEP Unicamp ... 130

Anexo 3: CEP HEMOAM ... 135

(18)

1.

INTRODUÇÃO

1.1 Anemia falciforme: Definição e Relevância

A anemia falciforme (AF) é uma desordem genética autossômica recessiva particularmente comum entre indivíduos da África subsaariana. Ela tem uma distribuição global decorrente principalmente da emigração de portadores para outras partes do mundo. A AF é uma das mais frequentes doenças genéticas no Brasil, com maior prevalência entre afrodescendentes. Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, nascem por ano no país cerca de 3.000 crianças com AF (1). Estima-se que a prevalência da AF deva crescer muito até 2050 no Brasil e no mundo (2), ilustrando a importância da adoção de medidas preventivas e terapêuticas para esta condição.

A AF pode ser caracterizada como uma doença inflamatória crônica multissistêmica, que resulta em disfunção orgânica lenta e progressiva, em decorrência de vasoclusão da microcirculação (3). Pacientes com AF apresentam ainda agudizações frequentes, que se expressam como crises de dor e disfunções orgânicas mais graves como a síndrome torácica aguda (STA). Uma das características clínicas mais marcantes da AF é a propensão a eventos trombóticos arteriais e venosos (4).

1.2 Fisiopatologia da AF

As mutações que afetam os genes das globinas levam às hemoglobinopatias, que incluem alterações de síntese (talassemias) e de estrutura da hemoglobina (5). Dentre as alterações estruturais, destaca-se a HbS (α2βS2), uma variante decorrente da substituição da base adenina (A) por timina (T) no gene da cadeia  da globina (HBB), que resulta na substituição do aminoácido ácido glutâmico por valina, na posição seis desta cadeia (β6Glu). Quando presente em apenas um dos alelos do gene HBB, esta anormalidade resulta em traço falciforme, uma condição benigna do ponto de vista hematológico. No entanto, pacientes homozigotos para esta alteração desenvolvem a AF. O termo doença falciforme (DF) refere-se ao grupo de hemoglobinopatias em que esta mutação se associa a outra alteração no gene HBB. Esse grupo inclui a AF, HbSC e HbSß-talassemia (Figura 1)

(19)

mas também outros casos menos frequentes como de HbS com HbD, HbE, HbOArab ou Hb Lepore (6).

Do ponto de vista fisiopatológica, a característica mais relevante da hemoglobina HbS é sua polimerização em condição de baixa oxigenação (Figura 1). Isto compromete a arquitetura das hemácias, sua flexibilidade e a função e a estrutura das suas membranas, levando assim à formação das "hemácias em foice (3). A vasoclusão e a hemólise intravascular crônica são dois fenômenos centrais da fisiopatologia da AF diretamente decorrentes destas alterações.

A vasoclusão é um dos mecanismos responsável pelas principais complicações da AF e tende a ocorrer preferencialmente nas vênulas pós-capilares (3). Embora a perda de flexibilidade dos eritrócitos falcizados faça parte deste processo, a oclusão não é causada pela justaposição destas células, mas sim pelas alterações de deformabilidade e de adesão das hemácias com o endotélio e outras células circulantes (7, 8). Ao atravessar regiões com diferentes concentrações de oxigênio, estas hemácias passam por repetidos ciclos de polimerização e despolimerização da HbS, que interferem na interação dinâmica com as células endoteliais (9). Como consequência, ocorrem ciclos repetidos de obstrução e reperfusão na microcirculação, que contribuem para um estado inflamatório crônico caracterizado por dano oxidativo, ativação endotelial, recrutamento de leucócitos, aumento da produção de citocinas, aumento da adesão ao endotélio e a hipercoagulabilidade (6). As moleculas de adesão das plaquetas ativadas têm também um papel relevante no mecanismo de oclusão, contribuindo para a formação de agregado de celulas (10).

(20)

Figura 1: As alterações genéticas da subunidade ß da hemoglobina.

A hemoglobina A é formada por duas subunidades α-globina e duas ß. A substitução de T por A no sexto codon da cadeia ß (alelo ßs ) resulta em troca de acidio glutamico por valina na position 6 dessa cadeia. A AF ocorre quando ambos os alelos ß sofrem mutações com pelo menos a presência de uma alelo ßs. Os mais frequentes são a AF, HbSC e HbSß-talassemia. Em condição de deoxigenação, quando a hemoglobina não está ligada ao oxigenio, pode ocore polimerização de tetrameros de hemoglobina nas AF. Fonte: Kato, G. J. et al (6). Usada com a

autorização de pringer Nature.

Por sua vez, a hemólise intravascular crônica causa não apenas a anemia destes pacientes, mas também contribui para a inflamação observada na AF. Estudos realizados na última década mostraram que a hemólise intravascular leva ao acúmulo de Hb livre no plasma, que condiciona a geração de espécies reativas

(21)

de oxigênio (11) e o sequestro de óxido nítrico (NO) (9). O NO possui importante papel na regulação do tônus vascular basal, na inibição da ativação plaquetária, inibição da coagulação e da adesão celular (12, 13). A hemólise também resulta na liberação da arginase eritrocitária, que reduz a biodisponibilidade de um importante substrato para a síntese de NO (a arginina), contribuindo também para a depleção crônica de NO. A consequência desta depleção é a ativação endotelial e a inibição de mecanismos antitrombóticos naturais importantes para a hemostasia (9).

1.3 Hipercoagulabilidade na Doença Falciforme

Eventos tromboembólicos venosos possuem incidência elevada na AF, com destaque para o tromboembolismo pulmonar (TEP) (14). Pacientes hospitalizados com AF apresentaram uma prevalência quatro vezes maior de TEP do que pacientes controles (15). Em um estudo mais recente, foi observado uma incidência de TEP de 50 a 100 vezes maior em indivíduos hospitalizados com AF do que o esperado na população geral. Além disso, o TEP parece contribuir de forma significativa para a gravidade da STA, especialmente em adultos (16). Estudos prospectivos bem desenhados mostraram o aumento da incidência de tromboembolismo venoso em pacientes com AF e até mesmo em pacientes com traço falciforme (17). Por este motivo, a fisiopatologia da hipercoagulabilidade em pacientes com AF tornou-se objeto de grande interesse nos últimos anos.

Praticamente todos os compartimentos funcionais da hemostasia estão alterados nestes pacientes, em direção ao pólo de hipercoagulabilidade, como já demonstrado em estudos que mediram marcadores da ativação da hemostasia em nestes pacientes (18). Contribuições de nosso grupo para estes estudos descritivos incluíram a demonstração de que os níveis de dímeros D e a expressão de fator tecidual (FT) encontra-se aumentada nestes pacientes (19, 20). No entanto, tão ou mais importante do que descrever este estado de hipercoagulabilidade é o estudo de suas causas, área em que há menos dados e na qual se insere nossa pergunta científica. Fatores específicos da AF como a exposição anômala da fosfatidilserina nas hemácias lesadas parecem contribuir para a hipercoagulabilidade nestes pacientes (21). Em relação ao heme, um dos objetos de nosso estudo, seu papel como ativador da hemostasia já foi bem caracterizado em modelos animais de AF (22), mas não em amostras de pacientes.

(22)

Uma informação interessante que mostra que o papel da hipercoagulabilidade pode ser ainda mais amplo na AF é o fato de a inibição da coagulação para níveis próximos aos observados em pacientes anticoagulados resultar em redução da lesão tecidual em um modelo animal de AF, neste caso de forma independente da ocorrência de fenômenos tromboembólicos venosos (23).

1.4 Heme e sua natureza ambigua

1.4.1 Bioquímica e papel fisiológico do heme

O heme é uma molecula anfifílica (que tem um lado hidrofílico e um hidrofóbico) composto de um atomo de ferro localizado no centro de um anel tetrapirrólico heterocíclico (24) (protoporfirina IX) (Figura 2). O atomo de ferro tem uma função preponderante e pode estar num estado de oxidação variando entre Fe2+ e Fe5+, em estrita relação com a função do heme que existe desse forma em diferentes estados de oxidação. As formas mais comuns são o heme ferroso (heme-Fe2+) e o férrico (heme-Fe3+). O heme existe principalmente nas formas a, b e c diferentes um dos outros pelas substituções de grupamento químico do heterociclo (Figura 2). O heme b é o mais encontrado nas proteínas dos mamíferos. Enquanto o heme c pode se ligar covalentemente a proteínas através de duas pontes tio-éter; a interação de hemes b e a comproteínas não envolve este tipo de ligação, permitindo a sua liberação de hemoproteínas em determinadas condições (24).

Figura 2: Estrutura do heme.

Todos os tipos têm em comun o anel de protoporfirina IX e o ferro no centro (vermelho). Ao contrário ao heme a e b, o tipo c é envolvido em ligação covalente

(23)

com as proteínas. Ele é geralmente encontrado nos citocromos. Fonte: https://microbiologyprelim.wordpress.com/2014/04/05/types-of-electron-carriers/.

O heme atua como grupamento prostético nas hemoproteínas (24). Ele é um cofator essencial para todas as formas de vida aeróbica e está involvido em varios processos biológicos tais como as reações do metabolismo oxidativo, a regulação da expressão gênica e a biosíntese de microRNAs, a síntese de proteína, o transporte e armazenamento de gases (O2, CO, NO), o metabolismo das drogas e a sinalização celular entre outros. Em condição fisiológica normal, o heme quando está livre, é sequestrado dentro da celula e regula diretamente algumas funções biológicas via sua ligação as proteínas alvos. Essas proteínas não são hemoproteínas mas são reguladas positivamente ou negativamente pelo heme. Esse fato faz do heme uma molécula bem complexa cujo efeito líquido num sistema complexo pode ser dificil de medir. Além de seu papel fisiológico, o heme quando livre pode ter um efeito citotóxico e pro-oxidante devido à presença do átomo de ferro no meio do anel heterocíclico (24). Assim o nível intracelular do heme é bem regulado para evitar esta citotoxicidade e assegurar sua disponibilidade para a incorporação em novas proteínas sintetizadas. Esse mecanismo de regulação é possível devido ao controle celular da síntese, do transporte e da degradação do heme (24, 25).

1.4.2 Toxicidade de heme livre e seu efeito pro-inflamatório

Há mais de cinco décadas é sabido que pacientes com AF e outras doença hemolíticas apresentam níveis elevados de heme livre, em decorrência da hemólise intravascular crônica (Muller-Eberhard, Javid, Liem, Hanstein, & Hanna, 1968). Depois da hemólise a hemoglobina extracelular é rapidamente oxidada. O heme ferroso é então transformado em heme férrico (Fe3+) e liberado da parte proteica (26). Nestas condições, os sistemas de remoção do heme ficam sobrecarregados, favorecendo sua toxicidade. O mecanismo clássico pelo qual o heme exerce seus efeitos tócicos depende da sua natureza anfifílica, que permite a sua intercalação nas membranas celulares ou dos organelas e seus efeitos prooxidantes via a reação de Fenton (27, 28). Ao se ligar a membranas, o heme promove a oxidação dos componentes da membrana tais como os lípidios aumentando a permeabilidade das membranas, a morte celular e a geração de

(24)

radicais reativos de oxigenio (ROS). O heme pode exercer este mesmo efeito oxidativo sobre as hemácias, promovendo inclusive a hemólise (29). Estudos mostraram também que o heme oxida proteínas, componentes lipídicos circulantes e o DNA (30).

Além destes efeitos pro-oxidantes, o heme é considerado um potente agente pró-inflamatório (28). Foi demonstrado que o heme induz a expressão de moleculas de adhesão, ICAM-1, VCAM-1, and E selectin, em celulas endoteliais. Este efeito foi comparado com o tratamento com a citocina pro-inflamatório TNF-β (31). Em 2001 o mesmo groupo demonstrou pela primeira vez que este efeito na expressão de moleculas de adesão culmina com o recrutamento de granulócitos, sugerindo a sua importante contribução na indução da inflamação (28). O heme foi ainda caraterizado com indutor da expressão de IL-8 em neutrófilos humanos (32). Do ponto de vista mecanístico, foi demonstrado que estes efeitos pro-inflamatórios ocorrem através da via TLR4 (33), o que abriu caminho para a caracterização dos efeitos do heme sobre diversos compartimentos da imunidade inata como o sistema complemento (34), a ativação de inflamassomas (35), a geração de NETs (13), entre outros.

1.4.3 Mecanismos de proteção do organismo contra os efeitos do heme livre

Em condição fisiológica normal o heme é sequestrado nas cavidades hidrofóbicas das hemoproteínas ou ligado a outras proteínas do sistema de remoção de heme. Em decorrência da hemólise intravascular grande quantidade de hemoglobina livre é liberada na circulação. A hemoglobina livre pode ser removida pela haptoglobina (Hp), uma proteína de fase aguda sintetizada no fígado e presente no plasma. Esta ligação da hemoglobina com a Hp impede sua oxidação e consequentemente a liberação do heme (24). O complexo hemoglobina:Hp se liga então ao receptor CD163 dos macrofagos e hepatócitos levando à endocitose e degradação desse complexo (Figura 3). Em condições patológicas tais como nas doenças hemolíticas crônicas, malária e sepse, a hemólise crônica pode levar à depleção da Hp que não é reciclavél (36). A partir daí a hemoglobina se acumula dentro do vaso, o que leva a sua oxidação e à liberação de heme na circulação.

(25)

Nesta condição, os mecanismos de remoção do heme tornam-se mais relevantes e são recrutados.

Várias proteínas circulantes podem se ligar ao heme livre, incluindo a hemopexina (Hx), albumina, α1-microglobulina e as lipoproteínas de baixo e alto peso molecular (LDL e HDL) (24, 30). A Hx é uma outra proteína de fase aguda que se liga com alta afinidade com heme livre e impede sua reatividade, sendo considerada a mais importante para remoção do heme. O complexo heme:Hx é reconhecido pelo receptor CD91 dos macrófagos do sistema reticuloendotelial. O heme é então degradado pela hemeoxigenase e parte da Hx é reciclada (Figura 3). Como consequência a Hx tem menor propensão a ser esgotada completamente na circulação em comparação com Hp (24, 36). Além desse sistema, a albumina, LDL, HDL e α1-microglobulina atuam como um “sistema tampão de sequestro” que removem transitoriamente o heme livre (24). Esse sistema não é tão eficaz quanto a remoção com Hx pois estas proteínas têm menor afinidade ao heme que pode então se desligar rapidamente (Firura 3).

Figura 3: Sistema de detoxificação do heme

Varios mecanismos extracelulares conferem a proteção contra Hb e heme livres. Em condições hemóliticas, a Hb é liberada das hemácias na circulação onde ela é

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removida em complexos Hb:Hp através do receptor CD163, impedindo assim sua oxidação. Uma vez que a capacidade de remoção de Hp está esgotada, a Hb se oxida, liberando o heme que pode se ligar a albumina, HDL e LDL, α1-microglobulina, e finalmente, por Hx, que tem a maior afinidade por heme livre. Os complexos hx:heme são internalizados através do receptor CD91. Fonte: (24).

1.5 O heme livre como mediador da hipercoagulabilidade na AF

O conceito de que o heme possa ser um mediador da ativação da hemostasia na AF deriva de observações de que ele é capaz de ativar tanto a imunidade inata quanto a expressão de FT via receptores TLR4 (33, 37), e de dados de estudos sobre regulação gênica, que mostram que a resposta ao heme envolve a ativação da hemostasia (9). Além disso, embora não diretamente relacionado a hipercoagulabilidade, o fato de o heme ser capaz de ativar fenômenos vasoclusivos em modelos animais (38, 39) e de níveis de heme livre na circulação terem sido associados a maior risco de STA (40) também dão força para esta hipótese. Por fim, como já citado, foi recentemente demonstrado que o heme é capaz de promover a liberação de NETs por neutrófilos (13), o que também representa um mecanismo cada vez mais reconhecido de ativação da hemostasia (41). A seguir discutiremos alguns aspectos relevantes deste conceito, que justificaram nosso estudo.

1.5.1 O heme como mediador da hipercoagulabilidade na AF: questões abertas

Embora o conjunto de dados apresentado até aqui aponte para uma associação entre o heme e a hipercoagulabilidade, várias incertezas e paradoxos existem em relação a seu efeito sobre os diferentes componentes da hemostasia. Consideramos a importância de uma melhor compreensão destas incertezas, não apenas pela importância epidemiológica da AF, mas também por ser razoável supor que a circulação de heme livre poderia também explicar estados de hipercoagulabilidade em outras doenças como malária, sepse e outras anemias hemolíticas.

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1.5.2 Alvos celulares do heme com o potencial de modular o balanço hemostático

As alterações do endotélio são consideradas elementos centrais da fisiopatologia da AF. O efeito do heme sobre a expressão gênica global de células endoteliais foi avaliado em um estudo que evidenciou a ativação de vias anti-inflamatórias e anti-oxidativas por este mediador (42). Mais recentemente, o perfil de expressão gênica global observado em pacientes com AF também foi estudado (43, 44). A fim de explorar os genes e vias celulares induzidas pelo heme, que também seriam potencialmente relevantes para a fisiopatologia da AF, nosso grupo realizou nos últimos anos uma meta-análise transcriptômica destes dois grupos de estudos de expressão genica, a partir de bases de dados públicas (45). Nesta análise, a ativação da resposta imune inata via TLR4 e a ativação da coagulação emergiram como elementos importantes tanto nos estudos com o heme, quanto nos estudos com pacientes com AF, reforçando o papel do heme na fisiopatologia da inflamação e da hipercoagulabilidade na AF.

No entanto, já foi demonstrado que em outra condição inflamatória sistêmica que é a sepse (e também no modelo de endotoxemia), o compartimento celular efetivamente envolvido na ativação da hemostasia via produção de FT é representado por células mononucleares de origem hematopoiética, tendo o endotélio uma menor importância (46). Desta forma, identificamos na literatura uma limitação nos dados disponíveis sobre o efeito do heme sobre a ativação da hemostasia em células hematopoiéticas.

1.5.3 Complexidade das interações do heme com os diferentes compartimentos da hemostasia.

Estudos in vitro sugeriram que o heme pode atuar sobre diversos componentes da hemostasia com efeitos ora procoagulantes, ora anticoagulantes. A toxicidade do heme pode causar dano ao endotélio e induzir a expressão de moléculas de adesão e a liberação do fator de von Willebrand (FvW) de alto peso molecular (UL-VWF), favorecendo a adesão das plaquetas ao UL-VWF e de leucócitos ao endotélio (47). Um estudo recente mostrou também que a bilirrubina, um metabólito da degradação do heme, pode se ligar ao UL-VWF (48) impedindo

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assim sua clivagem em FvW pela proteína ADAMST13 (Figura 4). Esta inibição da formação de FvW resulta em aumento da atividade protrombótica. Como já citado, o heme também já foi descrito como indutor da expressão de FT, o principal indutor da ativação da coagulação em células endoteliais in vitro (37) e em células mononucleares em modelo animal de AF (22). Esse conjunto de estudos sugerem um papel protrombótico do heme.

Porém, devido as suas propriedades físicas e químicas, o heme pode interagir com fatores específicos das vias intrínseca e final comum da coagulação, assumindo um papel antitrombótico. Estudos relataram que o heme pode se ligar a fibrinogênio e reduzir sua clivagem pela trombina (49). Ele reduz também a atividade da trombina afetando a formação de fibrina (50). A incubação dos fatores FVII e FV com heme modula negativamente a geração de fibrina (47, 51).

Figura 4: Interação complexa do heme com diferentes compartimentos da coagulação.

Depois da hemólise, o heme livre é liberado na circulação. A exposição de células endoteliais ao heme livre induz a ativação endotelial que é associada com a liberação de UL-VWF e P-selectina. A P-selectina induz o recrutamento de leucócitos através da interação P-selectin–PSGL1 (P-selectin glicoprotein ligand-1). O heme induz também a ativação e agregação das plaquetas através de diferentes caminhos: (1) a liberação do UL-VWF promove ativação e agregação plaquetárias,

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interagindo com gpib (glicoproteína Ib), (2) o heme inibe a degradação de UL-VWF em VWF pela sua ação sobre ADAMTS13; em excesso o UL-VWF, um pro-tropombótico, pode se ligar espontaneamente ás plaquetas e induzir a ativação e agregação de plaquetária, e finalmente (3) o heme induz diretamente ativação plaqueta e sua agregação. Paralelamente à liberação do UL-VWF, o heme livre regula o FT nas células endoteliais, desencadeando a via extrínseca da coagulação. (4) Paradoxalmente, o heme também pode inibir a propagação da cascata de coagulação inibindo os cofatores FVIII e FV. Fonte: Roumenina e colaboradores (47). Usada com autorização de Elsevier.

Uma interpretação possível para estes dados seria que o heme poderia induzir a ativação da coagulação, ao mesmo tempo em que reduziria sua propagação. No entanto, a caracterização da hemostasia nos parece mais complexa e exige mais estudos, de modo que o papel do heme sobre a hipercoagulabildiade observada em condições hemolíticas permanece a nosso ver pouco explorado.

1.6 Outros aspectos desafiadores do estudo do heme na hemostasia Outros aspectos desafiadores do estudo dos efeitos do heme sobre a hemostasia incluem os dados obtidos na década de 1980 sobre os efeitos da infusão de hematina em pacientes com porfiria. Nestes pacientes, mesmo o uso de grandes concentrações deste produto, que consiste em preparações de heme, induzia alterações modestas na hemostasia, e não foi associado a fenômenos tromboembólicos, exceto tromboflebites locais, atribuídas a efeitos tóxicos do heme (52). A conciliação deste fato com resultados obtidos em modelos celulares e animais é importante, e pode envolver o contexto inflamatório em que o contato com o heme ocorre.

Neste sentido, chama também atenção que uma das condições pró-trombóticas mais dramáticas da medicina é a hemoglobinúria paroxística noturna, uma doença em que níveis elevados de heme extracelular livre ocorrem em um contexto de intensa desregulação do sistema complemento. Assim, o crosstalk cada vez melhor caracterizado entre heme e sistema complemento (34, 53, 54) pode se mostrar crítico para a explicação da hipercoagulabilidade na AF e em outras doenças.

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Por fim, uma outra camada de complexidade consiste nos efeitos do heme sobre a ativação da via citoprotetora e anti-inflamatória dependente da heme-oxigenase, cuja deficiência em humanos está associado a quadro que em alguns aspectos se assemelha a uma coagulação intravascular disseminada grave, embora o mecanismo de lesão pareça ser essencialmente dano endotelial (55). É sabido que a indução desta via pelo heme pode modular negativamente a ativação da inflamação, e esta possibilidade já foi descrita no contexto das doenças tromboembólicas. Como exemplo, o uso crônico de heme foi capaz de reduzir a gravidade da trombose arterial em um modelo de trombose de carótida, e este efeito foi dependente da ativação da heme-oxigenase (56). Fenômeno semelhante foi observado no modelo animal de AF, que apresentou menor gravidade de trombose arterial de carótida experimental, a qual foi revertida quando se associou um inibidor da heme-oxigenase (57). Também em modelos de trombose venosa murina, a deficiência de heme-oxigenase resultou em maiores trombos (58). Por fim, em humanos, tanto a ocorrência quanto a recorrência de tromboses venosas já foram associadas à presença de polimorfismos no gene da HO-1 caracterizados a menor resposta a estímulos (e em tese, menor função desta via) (59, 60).

Entendemos que todas estas informações tornam o estudo do heme sobre a hemostasia mais desafiador, mas também mais interessante.

1.7 Testes globais da hemostasia

O termo “testes globais da hemostasia” pretende delimitar ensaios que apresentariam em tese uma maior capacidade de caracterizar os efeitos da complexa rede de fatores e células que atuam no indivíduo. Na literatura ele geralmente se refere ao teste de geração de trombina e à tromboelastometria. Apesar de serem de fato mais globais do que testes que abordam fatores individualmente, sua interpretação deve levar em conta que nenhum destes ensaios envolve fluxo ou componentes endoteliais. Ainda assim, eles já se mostraram capazes de gerar informações relevantes sobre a ativação da hemostasia em condições complexas como a sepse, o trauma, a cirurgia cardíaca, o transplante de fígado, entre outras (61). A tromboelastometria é o método global mais validado na arena clínica, como citado acima. Tem ainda como vantagem o fato de poder ser realizada em sangue total (permitindo a análise das interações entre células

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hematopoiéticas e fatores solúveis), e de permitir a adição ex vivo de inibidores ou anticorpos neutralizantes, como já foi descrito com o uso de anticorpo anti-FT (62, 63).

1.8 Modulação da atividade do FT

O FT é uma glicoproteína transmembrana considerado como o principal iniciador da coagulação (64). Em condição fisiológica normal, independentemente da sua origem celular, a maior parte do FT presente no ambiente extravascular (i.e. na superfície das células quiescentes) existe em um estado inativado ou "criptografado", que na literatura inglesa é referido como “encrypted” (65).

1.8.1 Mecanismos que mantêm o FT inativo (“encryption”)

O FT deve estar disponível para atuar na hemostasia normal em situações de risco imediato, sem ao mesmo tempo induzir a trombose quando ocorre um dano vascular (66). Quatro principais mecanismos contribuem para manter o FT em estado não funcional: (i) seu sequestro em microdomínios ricos em colesterol inibe a ativação de FX; (ii) a sua dimerização em algumas células impede a interação com FVII; (iii) a localização da FS na membrana interna das células; (iv) e por fim a presença de membrana neutra (67). Porém a contribuição do ambiente de fosfolípidios para a inativação do FT tem sido questionada nos últimos anos por evidências de que ele está sujeito a modificação pós-translacional envolvendo uma da suas duas ligação dissulfeto (67).

1.8.2 Mecanismos de desencriptação do FT

Os mecanismos da sua ativação (desencriptação) envolvem principalmente a exposição de fosfatidilserina (FS), a ativação da proteína disulfeto isomesare (PDI), e a ativação do complemento (68). A exposição da FS na membrana externa das células é considerado o mecanismo canônico de modulação da atividade de FT (67). Embora as membranas celulares sejam compostas em proporção quase igual de fosfolipidios de tipo colina (fosfatidilcolina e esfingomielina) e de aminofospepitidios (fosfatidilserina e fosfatidiletanolamina), a distribuição destes

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lipídios da membrana é assimétrica (69), com os aminofospepitidios (carrregados negativamente) sempre localizados na parte citoplasmática em células quiescentes. Esta disposição regulada pelas proteínas transportadores flippase e scramblase é compatível com a inativação do FT (68). A ativação das células circulantes por vários estímulos inativa as flippases e ativa a scramblase promovendo a exposição do FS na membrana externa seguida da desencriptação do FT (69). Estima-se que esta exposição de FS pode promover um aumento de até 80% da afinidade do FX com o complexo FVIIa:FT (70). Estudos sugeriram que o mecanismo de decriptação exige uma sequência bem orquestrada de reações moleculares envolvendo a ativação do complemento, a desorganização dos microdominios lipídicos e a reação de conversão tiol-dissulfeto (68) pelas proteínas PDI, principalmente PDI (Figura 5).

1.8.3 Papel de PDI no mecanismo de desencriptação e em tromboses. PDI ou Erp57 faz parte de uma familia de proteína disulfeto isomesare que tem por função a modulação enzimática da oxidação, a redução e a isomerização de pontes dissulfeto durante a síntese de proteína no retículo endoplásmático (71). Alguns membros desta família, incluindo o PDI, podem também ter uma localização extracelular onde eles atuam em diversas funções celulares (71). Em conformidade com sua importância biológica, o knockout de PDI revelou-se incompatível com a vida (72).

O mecanismo de desencriptação do FT induzida pela PDI envolve a modulação da atividade redox das cisteínas Cys186 e Cys209 do FT, das quais depende sua atividade. Foi sugerido que PDI não somente modula a formação de ponte dissulfeto Cys186 -Cys209 do FT, mudando sua conformação e sua atividade, mas também auxilia na exposição de FS (68). Vale destacar que PDI pode ligar ou desligar as pontes dissulfeto, sugerindo a necessidade de um mecanismo de modulação da sua atividade. Em condição pró-oxidante, a forma oxidada de PDI predomina promovendo a desencriptação do FT (68). Neste contexto, é atrativo supor que o heme, através de sua atividade pró-oxidante, possa modular a atividade de PDI. Em um estudo recente foi demonstrado que plaquetas ativadas por agonistas liberam PDI em circulação, o que culimina com a agregação plaquetária e

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a ativação da hemostasia (73). Estes efeitos foram revertidos com uso de anticorpo neutralizante de PDI. A partir do papel da PDI na desencriptação do FT e em vários cenários trombóticos (74), esta proteína passou a ser citada como alvo terapêutico em tromboses (75).

Figura 5: Mecanismo de desencriptação do FT.

Em condição fisiológica normal o FT é mantido no estado inativo na membrana pela presença de lipídios neutros, mas também devido a sua interação com treoredoxina (Trx), a integrina, NO e glutationa (GSH). Em condição patologica PDI, P2X7, FS e o complemento agem em conjunto para ativar o FT. Essa ativação envolve a formação de ponte disulfeto. Uma adaptação de Langer & Ruf (68).

1.9 Redes Extracelulares de Neutrófilos (NETs) e Tromboses

Os neutrófilos, células que atuam na primeira linha de defesa do organismo, apresentam funções essenciais na imunidade, relacionadas à geração de ROS, e à fagocitose de patógenos invasores. Além dessas propriedades clássicas, uma nova função foi descrita em 2004 (76). Neutrófilos estimulados por agentes pró-inflamatórios, ROS e patógenos ativam uma via específica de morte celular conhecida como “NETose”, que culmina com a liberação de fibras compostas por proteínas dos grânulos e por componentes nucleares (histonas e DNA). Estas

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redes extracelulares aprisionam e destroem bactérias, fungos e vírus (77, 78). Além de seu papel benéfico na resposta a infecções, a liberação de NETs por neutrófilos também pode trazer prejuízos aos tecidos, como já demonstrado em condições como o câncer metastático (79), a aterosclerose (80), e as tromboses (81, 82). Acredita-se que a formação de NETs contribua com a fisiopatologia das tromboses venosas, ao facilitar a interação entre hemácias, leucócitos, plaquetas e endotélio, e ao inibir vias anticoagulantes naturais (83). Esta interação faz parte de um processo mais amplo cada vez mais citado em estudos sobre fisiopatologia da hipercoagulabilidade, conhecido como imunotrombose ou tromboinflamação (41, 84).

1.9.1 Evidências e Implicações da Formação de NETs na AF

Um estudo recente demonstrou a presença de marcadores associados à formação de NETs em pacientes com AF (Figura 6), assim como sua correlação com a gravidade das crises vaso-oclusivas (13). Outro estudo recente mostrou que o heme livre, presente em quantidades aumentadas no plasma de pacientes com AF, é também capaz de ativar a NETose via receptores TLR4 (85). As crises oclusivas recorrentes são uma das principais características da AF e são associadas a eventos pro-inflammatórios (Figura 6). Evidências recentes mostraram que este ambiente inflamatório induz a ativação dos neutrófilos e a liberação NETs em pacientes com crises oclusivas , ilustrando a possível contribuição da NETose nos eventos agudos na AF (86, 87). Se confirmada, esta participação abre caminho para o uso de inibidores da NETose como tratamento complementar na AF.

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Figura 6: Implicação da formação de NETs na AF.

Essa figura resume o conhecimento atual da implicação da NETose na AF. Em modelo animal de AF foi demonstrado que heme em sinergia com TNF-α foi capaz de induzir a formação de NETs, um efeito revertido com a hemopexina. Em vários cenários foi demonstrado a inibição ou nocaute/silenciamento da proteína PADI4 é suficiente para inibir a formação de NETs, tonando relevante a inibição de PADI4 em doenças que envolvem a formação de NETs. Já em estudos em pacientes com AF, foi demonstrado que a formação de NETs e os níveis de nucleossomos são associados com a gravidade da AF e a indução da inflamação nos pacientes.

1.9.2 Vias de regulação da formação de NETs

A liberação de NETs é um mecanismo complexo cuja regulação é estritamente ligada ao tipo de indutor que está envolvido. Embora a regulação celular e molecular da formação de NETs ainda não esteja completamente elucidada, evidências apontam para um papel fundamental das vias das proteínas PADI4 e de Nox2 (NADPH oxidase) neste processo. Nos últimos anos anos, muitos

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indutores da liberação de NETs foram identificados, incluindo moléculas fisiológicas e não fisiológicas, e microrganismos incluindo bactérias e fungos. Algumas moléculas são bem descritas na literatura com indutores das vias dependente ou independente de NOX2. O indutor não fisiológico mais potente e comumente usado

in vitro é o PMA (phorbol 12-myristate 13-acetato) (88–90) que é um ativador potente

de proteína quinase C (PKC) e está envolvido na via dependente de NOX2. Ao contrário do PMA, ionóforos do cálcio como a ionomicina e a molécula A23187 também induzem a liberação de NETs contendo, em particular, histonas citrulinadas pela proteína PADI4.

1.9.3 A via dependente de NOX2

Em muitos cenários, a ativação do NOX2 e a geração de espécies reativas de oxigênio (ROS) subsequente é necessária para a formação NETs (88). Estes ROS aumentam a permeabilidade da membrana, levando à liberação da elastase dos neutrófilos (NE) dos grânulos azurófilos e sua translocação para o núcleo. Dentro do núcleo, a NE degrada as histonas “linker” H1 facilitando a decondensação da cromatina (91), processo no qual também participa a enzima mieloperoxidase (MPO) (92). As ROS também promovem as alterações morfológicas que ocorrem durante a NETose (24), inibindo a apoptose e induzindo a autofagia (91), que dependendo do nível de ROS intracelular pode leva à liberação de NETs (93). Este mecanismo dependente de NOX2 é regulada pela via Raf-MEK-ERK (88). Há também evidências que mostram que a liberação de NETs pode ser indenpendente da ativação de NOX2.

1.9.4 A via independente de NOX2: o papel de PADI4

A liberação de NETs induzida por ionóforos de cálcio como A23187 e plaquetas ativadas ocorre de uma maneira diferente da via de NOX2, sendo referida como via independente de NOX2. Esta via é dependente do nível intracelular de cálcio que ativa a enzima PADI4 levando à hipercitrubilização de histonas (94, 95). O principal alvo de PADI4 é a cromatina, sobre a qual atua promovendo a citrulinação das argininas R2, 8 e 17 da histona H3 (H3R2,8,17), e R3 da histona H4 (H4R3) (96). Esta citrulinação inativa as cargas positivas das histonas e leva à delobulação do núcleo e descondensação da cromatina (97), etapas essenciais para a formação

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de NETs (98–100). Animais knockout para PADI4 não apresentam NETose (82, 101) e são protegidos de algumas complicações trombóticas (102). Em um modelo proposto por Rohrbach e colaboradores, esta via pode em determinada condição envolver NOX2 que regula a liberação de ROS, aumentando assim a geração de Ca2+, essencial para a ativação de PADI4 (100). Apesar destas observações não há evidências claras que suportam este mecanismo. Estudos recentes sugerem que a ativação do PADI4 induz a citrulinação de p47phoxe p67phoxproteins, impedindo a montagem de NOX2 ativo e a produção de ROS dependente de NOX2 (103). Porém a NETose independente de NOX2 parece ser depende da produção de ROS mitocondrial (mtROS) (95). Outro elemento importante para a atuação de PADI4 é a elastase de neutrófilos (NE), que medeia a dissociação da histona H1, também contribuindo para a descondensação da cromatina dos neutrófilos. Esta dissociação permite o “desenrolar” do nucleossomo, facilitando assim a citrulinização das histonas H3 e H4 via PADI4 (91). A relevância clínica do papel de PADI4 na regulação da NETose é ainda sugerida pela associação de polimorfismos do gene

PADI4 com a gravidade da artrite reumatoide (104), uma condição na qual NETs

exercem um papel fisiopatológico importante (105). Mais recentemente, aumento da expressão de PADI4 foi implicado na NETose observada durante o processo de cicatrização de feridas no diabetes (106).

1.9.5 Perspectivas para o uso de inibidores de PADI4 na AF

A inibição de PADI4 vem sendo citada como uma estratégia terapêutica relevante para o tratamento de doenças que envolvam a formação de NETs. Resultados positivos com esta estratégia já foram demonstrados em modelos animais de Lupus (107) e aterosclerose (108). Recentemente, novos inibidores mais específicos para PADI4 foram descritos (109) e são potencialmente interessantes para uso na AF. Embora atrativa, esta possibilidade exige um conhecimento mais detalhado do papel de PADI4 e sua regulação em pacientes com AF tanto em estado estável quanto em crise.

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2. OBJETIVOS

2.1 Objetivo geral

Identificar novos mediadores e/ou vias de regulação da hipercoagulabilidade relacionados ao efeito do heme livre e à regulação da formação de NETs na doença falciforme

2.2 Objetivos específicos

 Avaliar o efeito do heme sobre a ativação da coagulação no sangue total por tromboelastometria

 Avaliar o efeito do heme sobre a indução da expressão de FT por qPCR em células mononucleares

 Avaliar o efeito do heme sobre a ativação do FT por ensaio de ativação do FX

 Investigar os mecanismos de ativação do FT mediado pelo heme

 Avaliar a expressão gênica de PADI4 e de outros genes relacionados à formação de NETs (ELANE e MPO) em pacientes com AF

 Avaliar a correlação entre a expressão de PADI4, ELANE e MPO com marcadores de ativação da coagulação (dímeros D) em pacientes com AF  Avaliar a atividade de PADI4

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3. MATERIAIS E MÉTODOS 3.1 Aspectos éticos

A parte deste projeto que envolve amostras humanas encontra-se aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, com o título “Avaliação do papel do heme na fisiopatologia da doença falciforme”, sob o número 1.208.181 em 31/08/2015. Parte das amostras dos estudos de expressão gênica foram provenientes de pacientes do Hemocentro da Pernambuco, já coletadas mediante aprovação no comitê de ética em pesquisa daquela instituição (parecer número 001/2009). As amostras de HEMOAM foram também coletadas mediante aprovação no comitê de ética em um projeto em que somos colaboradores (CAAE 71147817.3.0000.0009). O estudo foi realizado em conformidade com a Declaração de Helsinque.

3.2 Desenho geral do estudo

Este estudo pode ser subdividido em termos de desenho em três subprojetos. O primeiro envolve a avaliação da atividade procoagulante do heme baseada na tromboelastometria (um teste global da hemostasia) em amostras de voluntários saudáveis. Após a coleta de sangue total em tubos com anti-coagulante citrato, alíquotas das amostras foram incubadas com heme e o veículo. Em seguida as amostras foram submetidas a tromboelastometria, e um anticorpo anti-FT foi usado para explorar a participação do FT.

Se por um lado este teste permite de explorar o papel do heme e da participação do FT na ativação da hemostasia em uma condição mais próxima do fisiológico, ele fornece pouca informação sobre os mecanismos da sua ativação. Então o segundo subprojeto consistiu no estudo do efeito do heme sobre a expressão e função do FT em células mononucleares e seus mecanismos de ativação, a chamado desencriptação do FT. A expressão gênica do FT foi avaliada usando o PCR quantitativo (qPCR) em células mononucleares. A avaliação da atividade procoagulante do FT foi baseada num teste funcional do FT que investiga a atividade do fator FX usando um substrato cromogênico. O mecanismo de desencriptação foi avaliado pela investigação da atividade da proteína PDI induzida pelo heme em células mononucleares. Além disso um inibidor específico do PDI, a

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rutina, foi usado para explorar o seu papel na desencriptação do FT mediado pelo heme. Esta avaliação foi baseada no teste one-stage em plasma após a incubação de sangue de voluntários saudáveiscom heme, veículo e rutina.

Por fim, o terceiro subprojeto envolveu o estudo de mediadores de NETose em pacientes com AF. Nesta parte, lançamos mão de duas coortes independentes de pacientes. A primeira foi destinada à avaliação da expressão gênica dos mediadores da NETose que são PADI4, MPO e ELANE. As comparações foram feitas entre os controles e dois subgrupos de pacientes acompanhados no HEMOPE (um em estado estável e ou outro recrutado em crise durante as 24 horas da admissão). Já a segunda coorte foi constituída por pacientes com AF acompanhados no HEMOAM. As amostras de plasma dos pacientes foram coletadas tanto na admissão quanto depois da remissão da crise (convalescença). O ensaio de atividade de PADI4 foi realizados com as amostras de plasma usando um kit comercial.

3.3 Pacientes e amostras

Dois coortes de pacientes foram incluídos no estudo que envolve a regulação da formação de NETs (Recife/HEMOPE e Manaus/HEMOAM). Amostras de cDNA de granulócitos de 54 pacientes com diagnóstico de AF do HEMOPE foram usadas. Esses pacientes já haviam sido recrutados em outro estudo (tese de doutorado do co-orientador deste projeto) em estado estável e foram introduzidos em nosso estudo com os dados clínicos e laboratoriais. Voluntários saudáveis (n=40) foram também recrutados entre os doadores de sangue do HEMOPE, no início de nosso projeto, e foram submetidos ao mesmo protocolo de coleta, após assinatura do TCLE. Em tempo, a coleta de controles saudáveis foi feita especificamente para nosso projeto, para garantir que os dados de expressão gênica derivassem de controles adequados. A separação dos neutrófilos foi feita no local por grandiente de Ficoll. A extração do RNA foi feita usando o método de trizol e em seguida a transcrição reversa foi realizada com 1µg de RNA .

Os pacientes de Manaus foram recrutados durante crises vasoclusivas (n=15), em até 24 horas da admissão. Os critérios para definição de crise vasoclusiva foram semelhantes nos dois estudos, e incluíram: (i) crise álgica com necessidade de admissão hospitalar para analgesia parenteral; ou (ii) síndrome

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torácica aguda. Os critérios para definição de estado estável foram a ausência de crises ou transfusões no intervalo de 3 meses anteriores à crise. Nos dois estudos, as amostras foram inicalmente processadas nos centros colaboradores, e encaminhadas para a Unicamp em gelo seco por transporte aéreo para a realização dos experimentos. Dados clínicos das duas coortes foram obtidos das bases de dados de nossos colaboradores.

As amostras de sangue ou buffy coat usadas nos estudos de avaliação do efeito do heme sobre a ativação da hemostasia foram coletadas no banco de sangue do Hemocentro, conforme autorização de nosso comitê de ética em pesquisa (CAAE: 46853115.4.0000.5404).

3.4 Avaliação da ativação da coagulação induzida pelo heme: artigo 1 3.4.1 Diluição do heme

Um fato desafiador desta parte de nosso projeto foi a diluição, o controle rigoroso da esterilidade e da estabilidade do heme. O heme (obtido da Frontier, Ref H651-9; Frontier Scientific, USA) foi sempre preparado em condição de assepsia e filtrado depois da diluição para reduzir a contaminação com LPS (lipopolisacáridos). O heme é um composto bastante hidrofóbico, o que dificulta sua solubilização em soluções aquosas com pH neutro. Além disso, quando inadequadamente diluído, a molécula forma dímeros ou mesmo agregados que modificam suas propriedades biológicas. Por isso, o heme foi sempre preparado em NaOH 0.1M pH > 11 na hora do ensaio e usado fresco para evitar sua desnaturação da seguinte forma:

 Diluir 0,0033 g de heme com 100ul de NaOH e homogeneizar no vórtex por cerca de 5min;

 Completar o volume até 1ml com água deionizada e homogeneizar de novo por 5min;

 Filtrar e usar fresco. Guardar a solução protegida da luz.

Essa diluição equivale a 5000µM de solução de trabalho que foi usada nos ensaios. Usamos no máximo 6µl (30µM) dessa solução em 1ml de meio de cultura, um volume muito pequeno que não é suficiente para alterar o pH do meio de cultura, conforme padronizado no início dos experimentos.

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3.4.2 Estudos in vitro com tromboelastometria

Todos os experimentos foram realizados usando amostras de sangue total de controles sadios, sem antecedente de doença tromboembólica, e que não estivessem usando no momento drogas que possam interferir com a hemostasia. O sangue foi coletado em tubo com anticoagulante citrato de sódio 3,2%. Em seguida, as amostras foram incubadas por 4h em 37°C com heme fresco na concentração final de 30 µM, diluída em NaOH 0,1M, pH 7,4. Imediatamente depois da incubação, as amostras foram submetidas ao ensaio de tromboelastometria no equipamento ROTEM (Pentapharm) (Figura 7). Quando necessário, introduzimos um passo no ensaio baseado no uso de anticorpo anti-FT, que permite de avaliar se o mecanismo de ativação da coagulação é dependente ou não de FT. O anticorpo anti-FT (Ref 4509, Sekisui Diagnostics, USA) foi usado na concentração 10µg/ml e o IgG controle negativo (Control IgG mouse, SC-2025, Santa Cruz Biotechnology) na mesma concentração.

Figura 7: Estudo dos efeitos do heme sobre a ativação da hemostasia por método global.

Esquema da técnica e do desenho experimental nos experimentos que utilizaram a tromboelastometria.

A tromboelastometria está fundamentada na avaliação das propriedades viscoelásticas do sangue e gera parâmetros associados com a iniciação da coagulação, com sua cinética, e com a estabilidade do coágulo formado. Os ensaios foram iniciados usando o protocolo conhecido como NATEM (Non-activated

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thromeslastometry), que não utiliza ativadores específicos da coagulação (exceto o cálcio 0.2M, pH = 7,4). Depois da recalcificação, a reação é iniciada num intervalo de tempo de 17 segundos e ocorre por 1h30, tempo suficiente para a medida de todos os parâmetros de interesse, que são fornecidos pelo software do equipamento, discutidos na seção de resultados.

Os próximos experimentos tiveram com objetivo avaliar o efeito do heme sobre a indução da expressão de FT por qPCR em células mononucleares além de investigar seu efeito sobre a ativação do FT por ensaio de ativação do FX. Em seguida os mecanismos de ativação do FT mediados pelo heme foram também avaliados. Os resultados destes experimentos foram apresentados no segundo artigo.

3.4.3 Avaliação da expressão gênica do fator tissular (F3) induzido pelo heme: artigo 2

A PCR quantitativa (qPCR) é fundamental nesse etapa para avaliar o real papel do heme na indução da expressão gênica do FT. Células mononucleares foram obtidas de buffy coat de voluntários depois da separação com Ficoll Histoque (Ficoll-paque Plus, GE Healthcare). Em seguida a lise das hemácias foi feita e as células recuperadas depois da lavagem com PBS 1X. O número de células foi padronizado para 5*106 células, uma quantidade suficiente para uma quantidade adequada de RNA. As células foram tratadas com heme (5 µM, 10 µM, 20 µM, 30uM) e o veículo (NaOH 0,1M). Para minimizar o efeito do veículo sobre as células em cultura usamos em cada experimento uma solução de trabalho concentrada de heme (5mM). Desta forma reduzimos drasticamente o volume aplicado por condição (de 43ul reduzimos para 6ul em cada 1000ul de meio de cultura para o heme 30µM). Esta estratégia decorreu de observações anteriores (início do projeto) de uma tendência de aumento da ativação da coagulação em sangue tratado com o veículo em relação ao basal (sem tratamento) no Rotem (110).

As células foram recuperadas depois de 4h e o RNA foi extraído usando um kit comercial (RNeasy mini kit, Qiagen). Depois da extração do RNA fizemos a transcrição com o kit “High-capacity cDNA Reverse Transcription Kit” que otimiza a qualidade do cDNA obtido (Figura 8). As reações foram realizadas em placas de 96 poços em duplicata, com um volume total de 12μL, sendo: 6μl SYBR Green, 3μl para

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