• Nenhum resultado encontrado

AQUI COMEÇA o segundo Livro da História do Rei Arthur, chamado de O livro de três homens notáveis, porque trata de três homens excelentes e muito honrados da Corte do Rei Arthur.

O primeiro dos três é Merlin, o Sábio, o segundo é Sir Pellias, apelidado de o Cavaleiro Gentil, e o terceiro é Sir Gawaine, filho do Rei Lot de Orkney e das Ilhas.

Segue agora então a história de como morreu Merlin, o Sábio. Nela vocês poderão ver como a própria sabedoria ilimitada de Merlin acabou sendo a causa de sua ruína. Espero, portanto, que essa história lhes toque no fundo do coração para que não deixem que os dons que Deus deu a vocês – sejam eles dons da mente ou pessoais – sejam mal aproveitados por vocês ou por outros e acabem causando a sua própria desgraça.

E não é justificativa que, à medida que sigam pela vida, vocês encontrem muitos homens que, como Merlin, sejam dotados por Deus de grandes dons que poderiam facilmente usar para o bem da humanidade, mas que, em vez disso, usam-nos de forma tão errada que causam grande ruína para si mesmos e ainda maior mal aos outros. Pois, se vocês demonstrarem ser tão fracos ou maus, e desperdiçarem seus talentos dessa forma, causando mal aos outros e a si mesmos, o fato de que outros causaram mais mal do que vocês não diminuirá o seu erro.

Portanto, peço que esta história de Merlin lhes sirva de aviso. Pois, embora não acredite que Merlin tivesse tido a intenção de que seus dons mágicos prejudicassem os outros, por causa de sua loucura eles causaram um mal tão grande quanto se ele próprio tivesse desejado causar o mal com eles. Sim, é difícil dizer o que causa maior mal no mundo, se a maldade ou a loucura dos homens. Portanto, fiquem bem atentos não só contra o pecado, mas também contra a loucura e a fraqueza.

N

P

RÓLOGO

UM CERTO DIA O Rei Arthur estava sentado com a Rainha e toda a sua Corte e a Corte dela no Salão Real de Camelot, e o local estava tomado de alegria e júbilo.

Enquanto lá estavam, de repente entrou um cavaleiro armado com a armadura toda coberta de sangue e poeira e o corpo todo machucado. Todos que ali estavam ficaram atônitos e horrorizados com o aspecto desse cavaleiro, pois não parecia trazer boas notícias para o Rei Arthur. E o cavaleiro-mensageiro foi até onde estava o Rei Arthur, quase desmaiando de fraqueza dos tantos ferimentos recebidos, e avisou a todos que lá estavam que cinco reis, inimigos do Rei Arthur, tinham vindo de repente e estavam queimando e saqueando toda a região.

E o cavaleiro-mensageiro disse que esses cinco reis eram o Rei da Dinamarca, o Rei da Irlanda, o Rei de Soleyse, o Rei do Vale e o Rei de Longtinaise. Eles tinham trazido consigo um exército enorme e estavam arrasando toda a terra em volta, de modo que todo o reino estava em apuros e desespero por causa daquela devastação.

Ao ouvir essas notícias, o Rei Arthur bateu as palmas das mãos com veemência e

Então o Rei Arthur imediatamente mandou mensageiros para dois reis amigos que moravam mais perto dali – o Rei Pellinore e o Rei Urien de Gore –, pedindo-lhes que viessem ajudá-lo sem perda de tempo. Enquanto isso, ele próprio reuniu um enorme exército com o propósito de ir de encontro aos inimigos.

Então ele partiu, e no terceiro dia chegou com seu exército na floresta de Tintagalon e lá permaneceu com a intenção de descansar um pouco até que o Rei Pellinore e o Rei Urien se juntassem a ele. Mas os cinco reis, seus inimigos, souberam que o Rei Arthur estava ali e por isso fizeram uma marcha forçada por Gales do Norte com o intuito de atacá-lo antes que os outros dois reis viessem em seu auxílio. Chegaram então durante a noite ao lugar onde estava o Rei Arthur e lançaram-se sobre ele de forma tão inesperada que havia grande risco de seu exército ser derrotado antes mesmo do ataque.

Mas o Rei Arthur manteve seu exército unido graças à sua coragem e generosidade, e com isso eles se defenderam com grande ímpeto até o Rei Pellinore chegar com seu exército e se juntar a eles naquela batalha.

Portanto, no final, o Rei Arthur obteve uma esmagadora vitória sobre seus inimigos, que saíram em debandada e dispersaram-se em todas as direções. Com essa guerra, e a consequente rendição desses cinco reis, o Rei Arthur recuperou todo o reino que no passado tinha sido de seu pai, e muito mais ainda.

Pois bem, naquela batalha oito dos cavaleiros da Távola Redonda perderam as vidas, e o Rei Arthur lamentou a sua perda com grande dor, pois eram os primeiros cavaleiros da Távola Redonda a morrerem lutando para defendê-lo.

Enquanto o Rei Arthur ainda lamentava profundamente a perda desses oito cavaleiros,

Merlin foi até ele e disse:

– Não fique desanimado, senhor, pois veja! O senhor tem ainda muitos excelentes cavaleiros à sua volta e certamente não lhe será difícil preencher os oito lugares que a morte esvaziou. Se seguir a minha sugestão, deve escolher um conselheiro muito valoroso dentre seus companheiros da Távola Redonda, a quem poderá consultar sobre isto, pois o discernimento de dois é melhor do que o discernimento de um só, e assim poderá preencher os lugares que ficaram vazios com a guerra.

O Rei Arthur achou esse conselho muito bom, então fez como Merlin havia sugerido.

Naquela manhã convocou o Rei Pellinore aos seus aposentos, expôs a ele o assunto e os dois deliberaram juntos. Ao ser consultado, o Rei Pellinore aconselhou o Rei Arthur da seguinte forma: quatro cavaleiros velhos e valorosos deveriam ocupar quatro dos lugares, e quatro cavaleiros jovens e viçosos deveriam ocupar os outros quatro lugares, e assim todos os oito lugares seriam ocupados.

Pois bem, o Rei Arthur achou esse conselho bom, então disse:

– Que assim seja.

Assim escolheram primeiro os quatro cavaleiros velhos: o Rei Urien de Gore, o Rei Lac, Sir Hervise de Reuel e Sir Galliar de Rouge. E dos jovens cavaleiros da Corte eles escolheram Sir Marvaise de Leisle, Sir Lionel, filho do Rei Ban de Benwick, e Sir Cadar da Cornualha. No entanto, faltava ainda um lugar a ser ocupado.

Mas era muito difícil escolher quem ocuparia aquele lugar, pois havia nessa época dois jovens cavaleiros igualmente muito honrados na Corte. Um deles era Sir Baudemagus, um jovem cavaleiro irmão de Sir Ewaine e filho do Rei Urien de Gore e da Rainha Morgana (que vinha a ser meia-irmã do Rei Arthur, como já foi dito). E o outro jovem cavaleiro era Sir Tor, que, embora tivesse chegado à Corte há pouco, tinha já realizado várias famosas proezas. Sir Tor era um dos filhos do Rei Pellinore (embora não de sua Rainha), e o Rei Pellinore o amava bastante.

Então o Rei Pellinore disse ao Rei Arthur:

– Senhor, há decerto somente dois cavaleiros em toda a sua Corte entre os quais escolher o que irá ocupar o oitavo lugar na Távola Redonda: um deles é o filho da sua irmã, Sir Baudemagus, e o outro é meu filho, Sir Tor. Não posso, portanto, aconselhá-lo nesse assunto, de modo que deve o senhor mesmo escolher um dos dois jovens cavaleiros para ocupar o lugar. Posso somente dizer que me agradaria imensamente se a sua escolha recaísse sobre Sir Baudemagus, pois assim o mundo todo vai saber que estou acima de qualquer suspeita na maneira de conduzir esse assunto, enquanto se Sir Tor for escolhido, todos dirão que favoreci meu próprio filho.

Então o Rei Arthur meditou sobre o assunto por muito tempo, e só depois disse:

– Senhor, meditei sobre tudo isso e creio que Sir Tor é o melhor cavaleiro dos dois, pois realizou várias proezas excelentes, enquanto Sir Baudemagus, embora seja um cavaleiro notável, ainda não demonstrou nenhuma grande realização no campo da cavalaria. Por isso, em nome de Deus, que Sir Tor se sente como companheiro da Távola Redonda.

Então Sir Pellinore disse:

– Que assim seja – e os dois se levantaram e saíram.

Então – ora vejam! – naquele exato momento os nomes dos oito cavaleiros notáveis que

tinham sido escolhidos apareceram nas costas dos assentos que lhes cabiam na Távola Redonda, de modo que a decisão sobre os dois cavaleiros acabou se confirmando às vistas de todos.

Acontece que, quando essas notícias chegaram aos seus ouvidos, a Rainha Morgana ficou muito ofendida que o seu filho, Sir Baudemagus, tivesse sido preterido e que outro tivesse sido escolhido em seu lugar. Portanto vociferou contra o Rei Arthur na presença de várias pessoas, dizendo:

– Ah! Como pode ser? Será que laços de sangue e parentesco contam tão pouco aos olhos desse Rei que ele despreza um cavaleiro tão digno quanto o seu próprio sobrinho para escolher em seu lugar alguém que não é nem filho legítimo? Pois bem, a família de meu marido já sofreu muitos terríveis prejuízos nas mãos do Rei Arthur pois, vejam só!, ele nos tirou nosso poder real e nos transformou quase em prisioneiros de sua própria Corte. Só isso já é uma afronta tão grande como se nós fôssemos seus piores inimigos, em vez de sua família mais próxima. Mas isso que agora fez com meu filho, preterindo-o, é uma afronta ainda maior do que a outra.

E a Rainha Morgana falou deste jeito não só ao Rei Urien, que era seu marido, mas também a Sir Ewaine e a Sir Baudemagus, que eram seus filhos. Só que o Rei Urien de Gore repreendeu suas palavras, pois tinha passado a adorar o Rei Arthur devido ao seu caráter tão nobre. E Sir Ewaine também a repreendeu dizendo que não queria ouvir falar mal do Rei Arthur, pois não só o amava mais que qualquer um no mundo, mas que o Rei era ao mesmo tempo o modelo de toda a cavalaria e a própria fonte de toda honra.

Assim falaram os dois, mas Sir Baudemagus seguiu o que sua mãe, a Rainha Morgana, havia dito, pois ele estava zangado com o Rei Arthur porque o tinha preterido. Então partiu da Corte sem nem pedir permissão ao Rei Arthur, e saiu em busca de aventuras, o que o Rei Arthur lamentou muito.

Pois bem, como já foi dito, a Rainha Morgana expressou sua indignação a várias pessoas na Corte, o que acabou chegando aos ouvidos do Rei Arthur e chateou-o bastante. Assim, quando a Rainha Morgana procurou-o num certo dia pedindo-lhe permissão para ausentar-se da Corte, ele falou-lhe com grande tristeza, dizendo:

– Minha irmã, lamento profundamente que não esteja satisfeita com minha conduta nesse assunto, pois Deus sabe que busquei fazer o melhor dentro do que estava em meu poder. E embora eu verdadeiramente quisesse que Sir Baudemagus fizesse parte da Távola Redonda, por várias razões tive completa certeza de que Sir Tor fazia maior jus àquele lugar. Se minha decisão não fosse movida pelo que julgo certo, e tivesse favorecido alguém somente por ser meu parente, qual seria o valor da Távola Redonda?

Então a Rainha Morgana falou, muito exaltada:

– Senhor, tudo o que diz só faz aumentar a ofensa que causou à minha família. Pois agora não só nega o lugar a meu filho, mas também o diminui ao menosprezá-lo frente ao cavaleiro de origem inferior que escolheu. Portanto, meu único desejo em falar com o senhor é para pedir sua permissão para que eu possa partir.

Com isso, o Rei Arthur, falando com grande dignidade, disse:

– Senhora, será como deseja, e pode ir aonde bem quiser, pois Deus me livre querer contrariá-la nos seus desejos. Além do mais, providenciarei para que não parta sem um

séquito digno de alguém que é ao mesmo tempo esposa de um rei e irmã de outro.

E fez como tinha prometido, pois providenciou para que a Rainha Morgana partisse da Corte com grande pompa e circunstância. Mas quanto mais paciente era o Rei Arthur com a Rainha Morgana e quanto mais a favorecia, mais zangada ela ficava e mais o odiava.

Então ela foi até um braço de mar e lá dispensou todos os que o Rei tinha mandado para acompanhá-la e embarcou com seu próprio séquito em vários barcos, partindo em direção à ilha encantada chamada Avalon, que era onde morava.

A ilha de Avalon era um lugar muito estranho e encantador, como nenhum outro no mundo.

Parecia um Paraíso de beleza, toda coberta de vários jardins de flores, entremeados de lindas árvores, algumas cheias de frutos e outras carregadas de flores. Além disso, ao redor da ilha estendiam-se muros de puro mármore branco sobre os quais havia platôs cobertos de grama e ladeiras de relva macia, debruçando-se sobre o mar. No meio desses jardins, hortas, pomares e gramados havia uma enorme quantidade de castelos e torres, construídos uns sobre os outros – alguns brancos como a neve, e outros enfeitados de várias cores.

E a maior maravilha dessa ilha incrível era a seguinte: entre todos aqueles castelos e torres havia uma torre solitária feita inteiramente de pedra-ímã. Lá ficava o maior mistério daquele lugar.

Acontecia que a ilha flutuava na água, e a torre de pedra-ímã era tão magnética, que Avalon flutuava de um lugar para outro de acordo com a vontade da Rainha Morgana. Assim, estava às vezes aqui, outras ali, bastava que a dama real assim o quisesse.

Além disso, não eram muitos os que já tinham avistado a ilha, pois às vezes ficava coberta por uma névoa prateada, como por encantamento, e só olhos de fada podiam ver onde estava.

Porém, algumas vezes tinha sido vista, e era como uma visão do Paraíso, pois aquele que olhava escutava vozes alegres vindas dos seus gramados e pomares, muito fracas por causa da enorme distância (pois ninguém jamais se aproximou de Avalon sem que fosse convidado pela Rainha Morgana). O observador então escutava uma música tão suave que sua alma quase desfalecia com a melodia. Até que Avalon de repente desaparecia como por encantamento, e aquele que a tinha visto se dava conta de que provavelmente nunca a veria de novo.

Assim era a ilha de Avalon, e se quiserem ler mais detalhes poderão encontrá-los num certo livro escrito em francês e chamado Ogier le Danois.50

A Rainha Morgana amava demais essa ilha, e muitos dizem que o Rei Arthur ainda vive lá, descansando em paz e tranquilidade enquanto espera o tempo em que retornará a este mundo para consertar o que está errado. Foi por isso que lhes contei aqui sobre as particularidades desta ilha.

PARTE I