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Canção do destino

Dança de Niobe

Pode-se dizer que a dança é um artifício, uma fabricação de artífices, que causa ou não prazer naquele que assiste. Na família ou em eventos comunitários, cria comunhão entre os participantes, celebrando e reverenciando uma data. Mas tal magia nem sempre implica em sensações agradáveis; ou seja, nem sempre a dança deve apresentar imagens bonitas e plásticas. Antes de tudo, ela capta o movimento da vida na sua multiplicidade. Wigman, por exemplo, buscou nas suas coreografias os mais diferentes matizes, provocando ora alegria e jovialidade (como em Dança de verão), ora circunspeção e gravidade (como em Face da

noite) (WIGMAN, 1986). Sobre Dança de verão diz Wigman (acima: 68): “A dança era um

tango, cujo caráter foi tão reduzido até seu efeito ser só uma vibração sutil, ritmicamente organizada - e ganhou uma transparência em tudo o que é físico, trazida pela suave brisa do verão e na qual o erotismo se revolvia como uma borboleta mágica”. Já sobre Face da noite diz que “a mensagem da dança era uma acusação, de onde falava o horror fantasmagórico da última solidão” (id.: 64).

O livro A linguagem da dança foi escrito em 1963, quando Wigman já tinha encerrado sua carreira como dançarina, continuando a coreografar e dar aulas na sua escola. Ele é testemunho dos seus longos anos de dedicação à dança e contém reflexões sobre a arte de dançar, descrição dos principais solos, trajetória artística e ensino da técnica. O primeiro capítulo traz uma introdução, onde ela define sua intenção com o livro e para quem está dirigido (WIGMAN, 1986). Ela foi uma das maiores dançarinas de sua época e também uma das mais produtivas, com uma extensa obra, sobretudo de solos e coreografias para sua companhia.

Além de dançarina, ela foi coreógrafa, diretora de sua companhia e espetáculos, professora, proprietária de escola e produtora. Como veremos, sua importância foi tanto para a expressão da dança como o ensino. Da mesma forma, Laban estabeleceu uma metodologia que foi incorporada por muitos artistas. Ele reconhece uma cinesfera, o espaço em volta do corpo no qual nos movemos. Ali determina três planos principais: da porta, da mesa e da roda. Também a partir dos fatores de movimento tempo, espaço, peso e fluência, Laban estabelece as 8 ações básicas de esforço: torcer, pressionar, chicotear, socar, flutuar, deslizar, pontuar e sacudir. Além dessas ferramentas, que aprendi quando fiz um workshop sobre Laban conforme já mencionado, outra contribuição para a técnica coreográfica é a notação Laban, usada para registrar graficamente o movimento.19

Assim, Wigman faz parte do grupo que revolucionou a linguagem da dança na 19

Hoje esse trabalho é feito sobretudo pela função vídeo dos celulares ou filmadoras. De qualquer modo, o que Laban propôs foi uma partitura de movimento à maneira da notação musical.

primeira metade do século passado, colocando-a ao lado das demais artes, que vinham sendo redelineadas pelas vanguardas. Do mesmo modo, o livro é pioneiro no estudo da composição coreográfica, em especial pela interseção com o teatro. E indiretamente, ao apresentar um retrato claro do artista no período (seu pensamento, motivações, acontecimentos vividos e posições), interessa não só a profissionais da área mas ao leitor leigo. Como é rico notar a evolução da sua trajetória, das primeiras investigações e arrojo das formas até as marcas da experiência e segurança depois de uma vida de dificuldades ou sucessos artísticos! Nesse sentido, Wigman serve de modelo a gerações futuras, sendo homenageada por grandes artistas posteriores. Ela influenciou Kreutzberg, Palucca, Gelewski e Forsythe, entre muitos outros.

Para Wigman, a dança é uma arte do tempo e espaço.20 Esses elementos se interrelacionam, dando a dimensão do evento artístico. O tempo na dança não é o mesmo do cotidiano, da vida no seu suceder cronológico. E o espaço também é outro. Muitas coreografias foram criadas a partir de temas espirituais, que pediam um tempo ritualizado. Essa noção alterada ou relativizada do tempo pode ser notada, por exemplo, quando um segundo se torna para a dançarina uma eternidade. Concomitantemente, não se utilizou só do caráter solene do ritual, mas também o festivo (WIGMAN, 1986). E aí encontramos o prazer em se movimentar, que cria um jogo de formas no espaço. Se, por um lado, se aproxima de uma dança primitiva, o que buscou foi sobretudo valorizar o movimento próprio do corpo. Em termos históricos, se via no balé, a grande expressão da época, sinais de decadência. Pois, ainda que contasse com coreógrafos extraordinários, caía muitas vezes em gestos estereotipados ao buscar uma forma perfeita. Se tornou então urgente encontrar alternativas, que recuperassem o sentido original da dança. E nisso Wigman segue Isadora Duncan, que já se inspirara em antigas danças gregas (GARAUDY, 1980).

A escolha por temas espirituais, porém, não significa que vivesse num espaço restrito, voltada só para si mesma.21 Ela não buscou com isso um falso exotismo. Sua preocupação estava em comunicar, evitando o hermetismo. Ao negar a tradição, muitos artistas se fecham em formas cerebrais, que não têm qualquer interesse para o público. Mas em vários trechos do livro, se vê seu esforço em inserir na dança a realidade da qual participava.22 Além disso, suas danças cobriram vários outros temas e formas. Se a natureza 20

Aqui, importa sobretudo o sentido da dança para Wigman, mas já em Laban tempo e espaço são elementos básicos (PRESTON-DUNLOP, 1990: xviii).

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Quanto aos temas orientalizados, a profa. dra. Marília Soares (IA/UNICAMP) me chamou a atenção para o interesse crescente na época pela cultura oriental, consequência do estreitamento das fronteiras desde o período das colônias. Assim, existiram já na virada do século XIX feiras na Europa com artesanatos, artigos alimentícios e apresentações artísticas vindas do oriente.

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foi sem dúvida uma de suas maiores fontes de inspiração, também criou a partir de materiais absolutamente ínfimos e delicados, como uma sensação corporal ou experiência pessoal. O que ressalta exatamente a cada capítulo é a sutileza quase misteriosa de seus processos de criação (WIGMAN, 1986).

Por exemplo, a criação de Dança da bruxa, que foi um dos seus primeiros grandes sucessos. Nessa coreografia, ela usou uma máscara, que tinha na verdade sido confeccionada muito antes para outro solo. E um tecido, que comprou sem muita razão numa viagem ao exterior. Sua origem, porém, foi um experimento sensorial, que levou a posições do corpo no plano baixo do espaço. A partir daí desenvolveu um personagem, que foi complementado pelos objetos de cena e novas imagens. Cabe destacar que não impôs o tecido e a máscara; estes atendiam como a uma solicitação do personagem. Além disso, o grande esforço nessa coreografia foi, como ela mesma diz, recuperar a cada apresentação a sensação muito particular obtida naquele experimento inicial (id., id.; 1998). O que se vê aí para além do espetáculo é o interesse que surgia então pelo processo criativo. É verdade que criou certas coreografias em poucas semanas. Mas a descoberta de novas ferramentas de pesquisa resultou naturalmente em processos mais longos. De qualquer jeito, independente da duração dos ensaios ou mesmo de quanto sua riqueza pode definir o produto, se tem sempre a consciência, como o pintor que dá a última pincelada, de que num certo momento o trabalho está pronto e deve ser apresentado ao público. E então é a este que cabe julgar se o objetivo foi atingido.

Pois o que é o final de um espetáculo? Se termina de forma reflexiva ou ao contrário festiva, o que o espectador leva é um conjunto de impressões, sensações e opiniões que forma durante a apresentação. Enquanto ele pode depois discutir ou não esse material, relacionando-o à sua própria experiência, ao intérprete é dado tempo para se esvaziar daquilo que é próprio do espetáculo e não faz parte da sua vida diária. Apresentar-se num certo sentido é um mergulho no escuro; uma viagem onde se busca trazer à tona tudo que foi conquistado durante os ensaios. Mas independentemente se resolve por si as questões que coloca ou se as deixa em aberto para serem ressignificadas em novos contextos, o espetáculo deve causar reflexão e mudança.

Além dessas sutilezas da criação, a descrição das coreografias revela sua visão da cena: o desenho no espaço, a concepção do movimento, o uso de diferentes formas para comunicar um determinado tema ou ideia. Por exemplo no primeiro parágrafo do capítulo Também manteve contato pessoalmente e por carta com vários artistas e teóricos da dança da época, escrevendo ainda artigos e dando palestras em eventos ou entrevistas na imprensa. Finalmente, buscou ampliar o espaço de atuação da dança, com inserção de elementos populares e diálogo com outras linguagens, como poesia, teatro e ópera.

Canto da tempestade, Wigman (acima: 68-9) diz:

Os pés correm sobre o chão. Em grandes curvas pelo espaço, vão ao encalço do corpo, incitado pelo vento, levado pela tempestade. Às cegas, este se lança em ritmos que martelam sem dó. Buscando proteção, ele se encolhe, se deixa lançar e curvar (para cá e para lá, para cá e para lá), se empinando e caindo como uma árvore derrubada por um raio. Fica esbaforido nas pausas curtas de calmaria – para se entregar de novo ao violento temporal, que o apanha e sacode, o empurra para frente e faz girar em volta do próprio eixo. Até a força acabar e um último golpe de vento o esparramar no chão numa apatia embotada.

Aí temos a evolução de uma sequência de movimentos que possibilita reconhecer a fluência e uso dos diferentes planos do corpo e espaço, conforme procedimentos da dança moderna. No balé, o chão é sempre só uma passagem.23 Essa linguagem se desenvolveu num esforço muscular para vencer a gravidade, com estiramento total da coluna. Daí o rigor no domínio técnico. Já na dança moderna, o dançarino se alterna entre os três planos (alto, médio e baixo), preservando certa liberdade de movimento. Enquanto o balé usa sobretudo posições bidimensionais, valorizando a periferia do corpo com movimento dos membros (braços e pernas), aqui se começou a explorar a tridimensionalidade, concentrando o esforço no centro do corpo e grande uso do torso. Como consequência, a dança ganhou novas dinâmicas e maior vocabulário corporal. Além disso, ao fazer amplo uso da respiração e imaginação, trouxe padrões de movimento mais naturais e meios para exprimir conteúdos mais próximos da realidade que se vivia na época.24

Como exemplo, tomemos sua descrição de um salto no subcapítulo que dá título ao livro. Ali, a dançarina mostra como a respiração altera o desempenho do dançarino, contribuindo para o efeito do movimento (acima: 45-6). Em termos físicos, é o mesmo procedimento do balão de ar: se os pulmões estão cheios de ar quente, o corpo fica mais leve. E com isso se vê como a dança moderna diminui o esforço muscular. Por fim, voltando ao parágrafo sobre Canto da tempestade, vemos a importância dada à imaginação. De um lado, ela estabelece uma linha de condução e justifica os movimentos dentro do tema, de modo que

23Garaudy (1980: 36) caracteriza o balé como “negação da terra”. Essa é uma diferença básica em relação à dança

moderna. Lembro que nas minhas primeiras aulas de dança moderna na escola de Magaly Bueno fazia muitos exercícios no chão. Já a técnica Graham tem várias sequências no chão, que preparam muitas vezes para o centro e diagonal. Por exemplo, os pliés, que são feitos no centro e não na barra como no balé, são antes preparados no chão junto com trabalhos de braço. Assim, pelo menos, a técnica me foi passada na escola de Penha de Souza.

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Quando fui aluno de Renée Gumiel, fazíamos improvisações a partir de um tema ou música, com uso da imaginação. As improvisações eram sobretudo individuais e Gumiel explorava a movimentação a partir da articulação coxofemoral, recolhimento e expansão do movimento, espiral da coluna e força abdominal, num desdobramento da sua formação em dança moderna. Ela conduzia pontualmente as improvisações a partir de um estímulo inicial, mostrando depois o que lhe parecia mais interessante.

o próprio corpo vira a tempestade. Mas também ela aprimora o movimento do dançarino, na medida em que a técnica se torna instrumento para se chegar a uma imagem. Imaginar não só ajuda a concretizar ideias ou percepções muitas vezes abstratas. Também dá vida e autenticidade ao movimento, pois o dançarino encontra um motivo que insere sua ação numa situação: aqui a queda abrupta provocada por uma força externa descomunal; ou simplesmente o raio que derruba uma árvore. E nesse momento teatro e dança se entrecruzam. Observando o percurso de outras de suas criações coreográficas, se vê como também a experiência vira fonte de inspiração. Em Dança de Niobe, por exemplo, o mito da rainha grega é apenas um pretexto para falar do horror vivido num búnquer durante a Segunda Guerra. Essa experiência de viagem, impregnada no corpo, é retrabalhada nos ensaios para se tornar um hino de indignação às mulheres que perderam seus filhos na guerra. À certa altura do capítulo sobre essa dança, ela descreve o medo de uma mãe diante da possível morte do filho como olhos que arregalam e um grito preso na garganta. Essa situação, que atinge um climax no corpo sendo lançado no chão e o desejo de se extravasar em lágrimas, dá a representação precisa de um sentimento até então vago: o “desespero mudo” no búnquer das mulheres, tal como teria sido a dor de Niobe diante da morte dos filhos.25 É desse modo que o estado do corpo leva a formas que comovem o público. Pois a experiência é transformada artisticamente para que a dor da perda não resulte em patética comiseração. No último parágrafo desse capítulo, ela reflete sobre o esforço para transformar essa experiência tão dura naquele búnquer em expressão artística:

Toda vez que a dança acabava, parecia que tinha envelhecido muito, muito nos poucos minutos da sua duração e nunca mais acharia meu caminho de volta para a vida. E frequentemente antes de começar a dançar, me vinha uma timidez que até então não conhecia: não era audácia em me arriscar nesse tema? E sua criação simbólica era suficientemente pura e minha força espiritual suficientemente forte para aplacar a dor; ou ao invés disso não teria reaberto violentamente feridas quase fechadas? Quis clamar para aquelas mulheres dilaceradas de dor: “Me perdoem se dançando canto sua dor e acreditem que o sangue do meu próprio coração jorra nessa dança. Pois seu pesar é o pesar de todos nós e para mim ele é sagrado” (acima: 76-7).

Já em Face da noite, do ciclo Paisagem oscilante, a guerra aparece de forma inconsciente.26 Depois de uma viagem de férias à França, decide transformar essa experiência num ciclo de danças. Ao terminar a terceira coreografia, Face da noite, percebe a recorrência

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No mito grego, os deuses matam os filhos da rainha, como punição pelo orgulho desmedido da própria prole.

26Sobre esse ciclo ela diz: “Paisagem oscilante: assim chamei o ciclo de solos que surgiu como resultado imediato

à forma de uma cruz em pé. Então, se dá conta de que a dança remetia à visita a um cemitério de soldados mortos na Primeira Guerra, nos Vosges. Essa experiência ficou tão marcada no corpo que até mesmo o público pôde perceber no tema da noite a solidão e morte provocadas pela guerra (id.: 64).

Se a guerra era então um tema esperado, dado o período em que viveu, em outras coreografias encontramos temas muito variados, que por sua vez pedem outros procedimentos. Ao abordar por exemplo manifestações populares, não reproduziu meramente suas formas, inserindo-as como um adendo na narrativa do espetáculo. Antes, buscou sua essência, recriando-a para seu estilo e o que pretendia expressar. Outras coreografias desenvolveu a partir de elementos opostos e complementares, estímulos musicais ou mesmo obras de outros artistas. Para alguns temas foi preciso estabelecer primeiro uma base; enquanto outros se revelaram inicialmente irrealizáveis, mas levando a desdobramentos absolutamente originais. O que vale observar é como cada mote fundamental evolui no processo criativo até ganhar sua forma final.

Com isso se confirma sua intenção ao escrever a obra. Não transformá-la num “livro de receitas”, um manual de como criar uma boa coreografia ou ser um grande dançarino. Se por um lado não é o mero registro das danças, também não pretende a análise estética da sua produção. Muito antes se trata da transmissão de uma sabedoria, adquirida em anos de trabalho. Mas mesmo que recorra a imagens que rapidamente esclarecem suas ideias ou conceitos que explicam com precisão um procedimento de composição, sua leitura infelizmente não pode compensar a falta de não tê-la visto no palco. Pois a dança como arte do tempo e espaço não se reduz à expressão escrita. Wigman tinha plena consciência dessa limitação. Se nunca cai na elocubração vazia, busca em outros trechos o caráter mesmo anedótico. E, deste modo, mostra com esse livro não o mérito das suas realizações, mas a riqueza de camadas da linguagem da dança.

Por fim, gostaria de chamar atenção para seu comportamento enquanto artista. Para ela, não existe vaidade. O dançarino é um instrumento a serviço da dança.27 Ao ensinar a técnica, buscou transmitir todos os aspectos da profissão. Se o dançarino não é um mero executante de uma sequência de passos na música, também o material de aula não se restringe a exercícios motores para um desempenho excepcional. Além da técnica, ele desenvolve uma inteligência própria de cena, com qualidades rítmicas, expressivas e espaciais. Ou seja, mais do que domínio da técnica, o dançarino aprende a como usar o corpo com consciência e 27Wigman diz que “nossa função é servir: servir a dança, servir o trabalho, servir o homem e servir a vida”

autonomia para atingir seu objetivo. Se exigia disciplina e concentração, ela também esperava entrega ao que estava sendo proposto. Para isso, considerou cada dançarino individualmente, nas suas necessidades, interesses, modo de pensar e lidar com os obstáculos. Em Monumento

aos mortos por exemplo, embora se tratasse de uma dança coral com 50 dançarinos, pôs todas

dançarinas, uma a uma, diante do espelho com seu personagem e máscara para que elas próprias percebessem o que não se ajustava e deveria ser modificado. Ali, os sofisticados recursos cênicos foram combinados com o compromisso com o coletivo para se chegar ao efeito esperado (acima: por ex. 81-2). Em poucas palavras, Wigman buscou explorar, “com uma mão carinhosa” como diz, o potencial expressivo próprio de cada um.

Não se esgota aqui a análise do livro. A dançarina discute ainda muitos outros aspectos: como a solução de problemas que surgem durante os ensaios, o uso de recursos para se atingir determinado efeito cênico, o calor e entrosamento que se cria entre os dançarinos no palco, a escolha da música (já composta ou criada a partir da movimentação dos próprios dançarinos) e até o uso da dança na ópera. Se não esconde circunstâncias inesperadas que interferem na criação (de uma simples máscara que não se adequa ao personagem, colaboradores que vão embora e até o efeito da guerra na escolha por objetos de cena mais leves), o que se sobressai é o entendimento da dança como linguagem, dotada de pensamento e procedimentos próprios (id.: por ex. 53).

Wigman se desafiou constantemente e nunca parou de se questionar. Buscou novos personagens, formas, temas e meios para exprimir suas necessidades em cada fase da carreira. Se se manteve coerente ao seu modo de ver a dança, também enfrentou críticas, nem sempre abertas às suas coreografias às vezes pouco digestiva ou a temas quase esotéricos. Num certo sentido, o que parece ter buscado foi trazer beleza para o mundo conturbado em que viveu. Se não teve receio de se debruçar durante a vida sobre assuntos muitas vezes espinhosos (desde a guerra até a situação da mulher na sociedade, a profissionalização do dançarino ou os dilemas entre balé e dança moderna), sua maior preocupação, do que pode-se aferir da leitura do livro, estava na investigação das possibilidades do corpo e da construção da cena (WIGMAN, 1986; 1998). Talvez não atribuísse à arte o poder transformador que via, por exemplo, Brecht. Mas Wigman era uma artista menos cerebral. Como lidar com um mundo assolado pela guerra e injustiça? Se por um lado manteve sua decisão de não deixar a

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