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REFLEXÕES ANALÍTICAS NA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA EFETIVAÇÃO

4. A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E AS ESCOLHAS TRÁGICAS: ENFRENTAMENTOS NECESSÁRIOS

4.1. REFLEXÕES ANALÍTICAS NA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA EFETIVAÇÃO

Quando do enfrentamento do tema da judicialização das políticas públicas, imperioso se faz dedicar parte do trabalho ao estudo da Teoria dos Direitos Fundamentais, por ser objeto intrínseco à matéria.

Falar em dever estatal para provimento desses ou daqueles direitos implica, necessariamente, analisar o grau de vinculação ao qual o administrador está submetido, a gravidade de eventual lesão praticada omissiva ou comissivamente (inclusive na eventual restrição) e a validade/legitimidade de institutos e instituições na solução das falhas práticas existentes.

Sobre as falhas, essas, em sua grande maioria, decorrem, em parte, pela falibilidade do homem e dos seus desvios de condutas, e em outra parte pela utilização de modelo teórico que avaliado analítica e filosoficamente apresenta contradições e incongruências que permitem questionamentos acerca da sua veracidade.

Nesse diapasão, a dedicação ao estudo do modelo teórico doutrinário das estruturas analíticas dos direitos fundamentais é importante instrumento para obtenção de elementos que contribuam para conhecimento e aprofundamento do objeto, servindo de alcance para novas ponderações e enfrentamentos necessários na busca por validação ou denegação de argumentos habitualmente utilizados pelas correntes diversas.

186 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, Direitos Fundamentais e Controle das

Políticas Públicas, em Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, abr. – jun., 2005, p. 90.

Enfrentar o modelo tradicional de classificação dos direitos fundamentais (negativos versus positivos; de liberdade versus sociais; objetivos versus subjetivos; mínimo existencial versus reserva do possível) constitui forma gloriosa de sua compreensão, permitindo maior extração do conteúdo a ser apresentado.

É de bom alvitre destacar que toda e qualquer classificação tem como escopo facilitar o conhecimento de determinado tema ou item, separando em grupos aqueles objetos que possuam elementos que os conecte ou os diferencie. Eventual crítica ou refutação ao modelo não implica, necessariamente, em inviabilidade ou descrença da classificação, mas na relevância dessas aos estudos, por sua capacidade contributiva reflexiva pretérita, e ante a possibilidade próxima e futura de eventual falseabilidade, contribuindo no aperfeiçoamento do saber.

Especificamente no caso dos direitos sociais e na efetivação de políticas públicas, parte da solução do problema passa pelo estudo analítico da natureza desses direitos e no grau de vinculação do Estado na sua concreção, o que permite aferir o nível de comprometimento no qual o administrador público encontra-se adstrito.

Ao tema que toca questões de políticas públicas, acirram-se os ânimos na doutrina constitucionalista através de duas grandes vertentes jurídicas: a primeira, substancialista, defende a existência de um núcleo duro de direitos fundamentais, possuindo conteúdo essencial absoluto, cujos limites externos acabam por constituir barreira intransponível, impossibilitando restrições nesse conteúdo187, o que restou

denominado de “mínimo existencial”; já a segunda vertente, relativista, consequencialista, defende que além de não haver qualquer direito considerado absoluto, há de se falar em restrições legítimas ao conteúdo dos direitos fundamentais, desde que pautados dentro da regra da proporcionalidade quando da existência de colisão de princípios188.

Grande parte do ímpeto judicial na intervenção das políticas públicas está no uso indiscriminado da defesa do mínimo existencial e da necessidade de promoção de uma vida digna ao cidadão (o argumento do princípio da dignidade humana).

187 SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos Fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2 ed.

São Paulo: Malheiros, 2014, p. 187.

Ocorre que o próprio conceito (e por consequência, a teoria) sobre esse mínimo existencial impõe dubiedade, podendo o mínimo existencial ser utilizado para referenciar “aquilo que é garantido pelos direitos sociais” 189 ou o mínimo

existencial diz respeito apenas ao âmbito judicial capaz de intervenção, a sindicabilidade do direito social, sendo a restante área discricionária da política legislativa190. Por fim, há ainda a ideia de mínimo existencial como conteúdo

essencial indissociável de determinado direito191. Essas distinções não ficam claras

quando da fundamentação jurídica para provimento de alguma pretensão judicial. Em relação aos chamados direitos de liberdade, há uma crença doutrinária acerca da necessidade de abstenção estatal na intervenção acerca desses direitos. Razão disso, para seu exercício bastaria apenas ao Estado não intervir na liberdade e individualidade do cidadão para que a fruição/eficácia desse direito possa operar livremente.

Restou esclarecido alhures que Teoria dos Custos dos Direitos questiona as bases fundantes dessa dicotomia entre direitos de liberdade e direitos sociais, tendo sido demonstrada a positividade dos direitos, pela necessidade de injeção de recursos públicos para a garantia de qualquer pretensão jurídica, independentemente da parte contra a qual se planeja seu exercício. Os direitos são levados a sério pelo fato de existir uma obrigação correlata derivantes desses direitos, que somente se fazem efetivados quando seu descumprimento é condenado pelo poder público, que necessita de verbas para realizar a coerção192.

Aspecto diverso que também merece atenção ao tema dos direitos fundamentais diz respeito ao surgimento de conflitos de direitos ocasionados pela convivência (nada harmoniosa) de diferentes pretensões positivadas no texto constitucional, sendo esse fruto de uma sociedade plural como é a contemporânea193.

O processo de expansão do conteúdo desses direitos ocasiona sua colisão com diversos outros que também se encontram em processo expansivo. A consequência disso é a existência de choques entre esses direitos, impondo ao operador técnica capaz de satisfatoriamente moldar essas colisões.

189 SILVA, op. cit., p. 204. 190 Ibidem, p. 205. 191 Ibidem, p. 205.

192 HOLMES; SUNSTEIN, op. cit., p. 43. 193 BARCELLOS, op. cit., pp. 86-87.

Mesmo com os avanços e desenvolvimento de estudos analíticos no tema dos direitos fundamentais, na busca de estabelecimento de critérios e parâmetros cada vez mais seguros, haja vista a relevância dos bens tutelados no objeto estudado, ainda é comum sua desconsideração no âmbito processual de debate.