• Nenhum resultado encontrado

3. O PODER JUDICIÁRIO E AS ESCOLHAS TRÁGICAS

3.4. A TEORIA DOS CUSTOS DOS DIREITOS NO PROCESSO DECISÓRIO

Após inúmeras passagens anunciativas sobre o tema, é dado o momento de este estudo sedimentar uma das teorias de maior relevância à pesquisa elaborada, sendo sua adoção um divisor de águas no estabelecimento de premissas e paradigmas para realização da análise do presente objeto científico.

Tomando por base o trabalho de Cass Sunstein e Stephen Holmes denominado The Cost of Rights, o tema dos direitos subjetivos, enfaticamente os direitos fundamentais, sofre profunda revisitação filosófica e jurídica, além de ser conferida ampla roupagem econômica a esses direitos, o que implica em reformulações inovadoras.

O cerne da tese desenvolvida está na imbricada relação entre o custo de determinado direito e a sua significação social173, sendo defendido que todo direito é

positivo, pois necessita de provimento estatal para sua efetivação. Dessa maneira, “os direitos não podem ser protegidos ou aplicados sem financiamento e apoio público.” 174.

Focado na ideia da positividade dos direitos e na escassez de recursos para sua concretização, a teoria envereda no reconhecimento de que os direitos efetivados são oriundos de opções sociais, portanto negociáveis e passíveis de barganha, sendo natural a existência de grupos de pressão que defendam burocraticamente a proteção e/ou estipulação de determinado direito, tornando latente a aproximação deste pensamento com a Teoria das Escolhas Públicas.

Sendo os recursos estatais obtidos mediante o povo, o que se faz com a estipulação e pagamento dos impostos, nada mais natural do próprio povo decidir de que modo os recursos obtidos serão gastos175. Importante ressalva diz respeito ao

fato deste posicionamento levar em consideração modelo hipotético ideal, já que, na prática, resta claro a existência, pelos representantes políticos, de interesses escusos e particulares, conforme ampla abordagem constante no item 2.3.1 deste trabalho.

173 GALDINO, Flávio. Introdução à Teoria dos Custos dos Direitos – direitos não nascem em árvores.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 199.

174 HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The Cost of Rights – why liberties depends on taxes. New

York: Norron & Company, 1999, p. 15. Texto original: “Rights cannot be protected or enforced without

public funding and support.”. 175 BARROSO, op. cit., p 44.

A utilização da Teoria dos Custos dos Direitos traz maior qualidade no tema das escolhas trágicas, na medida em que permite melhor escolher onde e como gastar os limitados recursos públicos na efetivação dos direitos estabelecidos176.

Em relação ao Poder Judiciário, a jurisprudência brasileira ainda tende a rechaçar o tema tocante à escassez de recursos, presumindo, em sua grande maioria, pela existência de verbas, bem como tomando por imoral qualquer consideração orçamentária apresentada177.

Da postura refratária do Judiciário acerca dos custos dos direitos podem ser extraídas duas consequências, sendo uma intimamente ligada à outra. A primeira delas está no alargamento das discussões políticas perante os tribunais, expandindo indevidamente o campo de intervenção deste sobre o planejamento público, sempre ao argumento da justiça. Dessa atuação interventiva e, em sua grande maioria, assistencialista, resulta na criação de novos incentivos aos cidadãos para pleitearem judicialmente seus interesses, pela crença de que judicialmente obterão tal provimento. Como resultado prático, há uma desarmonia entre os poderes do estado, esses desprestigiados em detrimento de uma valoração do poder judicial, além da expansão do sentimento de obrigação estatal no provimento e execução de todo e qualquer interesse privado supostamente tutelado juridicamente.

A Teoria dos Custos dos Direitos visa coibir essa postura extremamente expansionista e individualista, pois com a demonstração da positividade dos direitos, da escassez de recursos e da necessária movimentação (custosa) da máquina pública para concretização desses direitos, tenta conscientizar os indivíduos para a responsabilidade no exercício dos seus direitos178.

No caso particular da saúde, por exemplo, tomando por base o artigo 196 da Constituição Federal, resta definido um comando sentencial que visa o acesso universal e igualitário nas políticas sociais e econômicas de acesso à saúde, não havendo distinção no normativo constitucional acerca do gênero, classe, idade ou demais aspectos que eventualmente diferencie os cidadãos. Muito menos ainda há diferenciação na igualdade do acesso à saúde pela forma de sua promoção,

176 GALDINO, op. cit., p. 205. 177 AMARAL, op. cit., 173. 178 GALDINO, op. cit., p. 212.

diferenciação essa que notadamente ocorre quando do ajuizamento individual de ações.

Dessa maneira, é preciso ter em mente que inexistindo uma razão justificada para a diferenciação ou para a igualação, deixa de haver a possibilidade de realização da igualdade em seu plano real ou concreto179. A juridicidade

dissociada da economicidade para sua concretização permite violações à igualde e, por consequência, a justiça.

Outra importante reflexão é extraída quando há o questionamento se existem interesses públicos no tema dos “direitos a algo”, ou se só há interesses meramente individuais180.

Diferentemente da visão tradicionalista, na Teoria dos Custos dos Direitos há forte valoração e defesa dos direitos coletivos, pois há consciência de que ante a necessidade de prover eficientemente as políticas públicas e diante da escassez de recursos para atendimento integral dos direitos e interesses individuais, é necessário o estabelecimento de propostas e projetos que possam atender satisfatoriamente a coletividade, não havendo priorização de poucos em detrimentos de todos.

Consciente de que a “demanda individual é o pior e mais injusto caminho para a implementação de um direito social” 181, pela inquestionável quebra da

igualdade, é preciso refletir sobre os limites e parâmetros na execução individual dos direitos tidos como positivos, proposta essa que não é descartada por essa vertente. Com o alerta de que direitos e deveres são correlatos, e que a visão dos custos dos direitos permite a revisitação do tema, Holmes e Sunstein apontam que a reformulação entre direitos e deveres ocorre diuturnamente, sendo reflexo da dinâmica social e da frequente valoração que os indivíduos e o Estado aplicam sobre determinados direitos182.

Em verdade, a implantação dos custos dos direitos ao debate jurídico, e a adoção dos elementos econômicos que a compõe, traço comum da Análise Econômica do Direito, robustece o campo de discussão doutrinária/filosófica e

179 BAHIA, Saulo José Casali. Igualdade Como Direito Fundamental, em Direitos Humanos e Fundamentais: estudos sobre o art. 5º da Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 100. 180 BAHIA, Saulo José Casali. O Poder Judiciário e a Efetivação dos Direitos Fundamentais, em Desafios do Constitucionalismo Brasileiro. Salvador: JusPodivm, 2009.

181 TIMM, Qual a Maneira Mais Eficiente de Prover Direitos Fundamentais: uma perspectiva de direito e economia? p. 61.

permite revisitação a temas e institutos, especialmente no âmbito judicial, esse cada vez mais inserido na dinâmica política.

4. A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO E AS ESCOLHAS TRÁGICAS: