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5. ANÁLISE DA SENTENÇA DO CASO ARAGUAIA

5.4. Reformas Institucionais

A Corte não inclui dentre as suas deliberações qualquer decreto relativo ao tema das Reformas Institucionais. A característica brasileira é especial, pois como demonstrado no Item 3, houve uma pretensa legalidade durante o regime, que fez com que as instituições democráticas fossem mantidas, ainda que sob a forte influência das arbitrariedades militares. Outro fator que contribui para manutenção desta realidade foi a distensão negociada, que fez com que não houvesse rupturas com o antigo regime e marcasse a abertura pela manutenção de antigas forças políticas que tentavam garantir a continuação de seus interesses. Prova disso é que alguns órgãos de repressão não foram extintos logo após a transição, como o caso do SNI, que só teve suas atividades encerradas no ano de 1988. Dessa maneira a sentença da Corte deixa de observar um

importante critério, e permite que o Estado brasileiro siga sem atender as expectativas da sociedade em relação a idoneidade de suas instituições.

5.5. Comparação

Ao se traçar um paralelo entre a sentença da Corte frente aos critérios da Justiça de Transição, se percebe que este tribunal não observa os princípios elencados como fundamentais para a transição a um Estado democrático de direito. Ainda que o trabalho na observância dos direitos humanos, previstos na Convenção, faça com que a sentença aborde temas e direitos previstos nos princípios transicionais, estes não são completamente atendidos. Este trabalho se dedica a observação destes princípios em relação às disposições da decisão da Corte, assim como a avaliar se o Brasil, adotando estas medidas, quitará o débito com as vítimas violadas e com a sociedade de um modo geral.

Pode-se dizer que os direitos à memória e à verdade foram considerados pela Corte e se encontrem adequados aos princípios da justiça de transição. Também se pode afirmar que os âmbitos individuais e coletivos foram alcançados uma vez que o país deverá reconhecer internacionalmente sua responsabilidade nos crimes, tornar publica a sentença, além de qualquer informação relacionada a guerrilha do Araguaia.

O empenho do Estado na busca aos restos mortais das vitimas é outro ponto fundamental na decisão da Corte. Com essas medidas, o esclarecimento das circunstâncias do desaparecimento dos opositores vira juntamente com o sentimento de reconhecimento do sofrimento dos familiares pelo Estado. Sendo assim, cabe tanto à Corte quanto à sociedade o monitoramento do cumprimento real das disposições da sentença. Para tal se faz necessário que representantes da sociedade civil tenham autonomia para regular estas questões e dirigir os trabalhos, tendo em vista que os projetos sob a responsabilidade do governo não obtiveram sucesso.

A realização do ato público também é positiva em vários níveis. Além de ganhar o reconhecimento da população como protetor dos direitos humanos, o Estado ao aceitar sua responsabilidade e manter a sociedade informada a respeito dos avanços nas buscas do Araguaia, atrairá maior atenção da sociedade ao tema, o que servira á estimular o debate sobre o período, contribuindo dessa forma para que o povo conheça seu passado e valorize o seu presente democrático.

Em relação ao critério da reparação, a Corte considerou positivas as atitudes do Estado, previstas na Lei 9.140/95. Porém, ao não propor medidas de sentido coletivo,

como se espera segundo os critérios da Justiça de Transição, o Estado fica obrigado a assumir o reconhecimento internacional, mas não se vê obrigado a estabelecer internamente medidas de cunho educativo para as futuras gerações.

Quanto ao princípio do igual tratamento legal, as expectativas da Justiça de Transição vão ao encontro das decisões da sentença. Afinal a Corte é muito precisa quando afirma que a Lei de Anistia não deve seguir sendo empecilho para a investigação dos fatos relacionados ao caso.

Esta decisão terá reflexos não somente nos casos relativos à Guerrilha do Araguaia, mas a todos aqueles que foram praticados no contexto da ditadura militar. Portanto, segundo estabelecido na Corte o Estado deverá proceder a investigação, julgamento e punição dos crimes contra os direitos humanos cometidos por agentes estatais a época da ditadura, bem como seguir o estabelecido no ordenamento interno quanto a qualquer demanda feita em relação a violações cometidas por estes agentes estatais no período em questão. Outra disposição satisfatória neste sentido se refere a adequação do ordenamento interno ao se declarar que o Estado deve tipificar o crime de desaparecimento forçado dentro de seu ordenamento.

Quanto às reformas políticas, estas não foram observadas pela sentença da Corte. A única atenção que houve ocorreu quanto à instrução dos membros das Forças Armadas na área dos direitos humanos, através de cursos de capacitação. Porém, segundo os critérios analisados da Justiça de Transição, o Estado deveria fazer o expurgo de qualquer uma das normas que provém do regime autoritário. Um grande passo será dado ao se declarar a falta de efeito jurídico da Lei de Anistia, porém ainda hoje leis estabelecidas naquele período seguem sendo utilizadas para a regulação das atividades da sociedade civil, sendo utilizadas por alguns membros do judiciário como cláusulas legais e aceitáveis.

Portanto se conclui ao analisar a sentença do Caso Araguaia proferida pela Corte Interamericana, se observa que não foram cumpridas todas as normas dispostas nos princípios considerados fundamentais para o estabelecimento de uma justiça transicional completa. Porém se reconhece nesta uma grande oportunidade para o país avançar em rumos democráticos e reconhecer a todos os seus cidadãos os direitos fundamentais estabelecidos nos tratados internacionais firmados pelo país.

Cabe ressaltar que os critérios da Justiça de Transição são meios utilizados para que uma sociedade que tenha passado por um período de exceção, onde houve uma

reiterada prática de desrespeito aos direitos humanos, passem a ser Estados respeitadores e garantidores dos Direitos fundamentais. A observância e cumprimento de seus critérios servem a um propósito de garantia democrática à medida que a população possa a reconhecer em seu Estado um garantidor e provedor de direitos fundamentais. Dessa maneira, ao proporcionar a população o conhecimento de seu passado, e reconhecer seus direitos civis, políticos e fundamentais se aprofunda a democracia, e se garante a não repetição destas atrocidades contra o povo brasileiro. Ao cumprir o estabelecido na sentença da Corte, o Brasil avançará muito no que diz respeito à construção de um Estado democrático e defensor dos direitos humanos e sairá da incomoda condição de único país da região a não ter lidado com seu passado ditatorial em defesa dos princípios universais dos direitos humanos.

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