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2 ANTECEDENTES: A GUERRA DE 1991 E O INÍCIO DA

2.2 IRAQUE PÓS-1991

2.2.3 Regime de Sanções Comerciais

Em 6 de agosto de 1991, quatro dias após a invasão do Kuwait, o Conselho de Segurança da ONU emitiu a Resolução 661, que tratava, em termos práticos, do embargo econômico ao Iraque. Estava inaugurado um regime de sanções severas que só seriam eliminadas após a invasão do Iraque, em 2003. Este regime traria diversos prejuízos à capacidade de reconstrução iraquiana, a sua economia e, principalmente, sua população.

A Resolução 661 determinava que todos os Estados vinculados à ONU deveriam barrar quaisquer importações advindas do Iraque (ou Kuwait após a data da invasão, em 02 de agosto de 1990) e quaisquer exportações com destino ao Iraque (com a possível exceção de medicamentos e, sob avaliação de Comitê específico em casos de admitida calamidade humanitária, alimentos); também estavam proibidas transferências de quaisquer recursos econômicos ou financeiros ao Iraque ou a seus nacionais (ONU, 1990, n.p.). Mais tarde, com a Resolução 670, de 25 de setembro do mesmo ano, foi

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Do original em inglês: “almost eighty-eight percent of Iraq’s installed generation capacity was sufficiently damaged or destroyed by direct attack, or else isolated from the national grid through strikes on associated transformers and switching facilities, to render it unavailable”.

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Do original em inglês: “The CIA eventually concluded that Coalition air strikes had rendered more than 90 percent of Iraq's petroleum refining capacity inoperative”.

estabelecido um efetivo bloqueio naval ao Iraque. Além disso, a Resolução 670 também continha um elemento de ameaça: seriam tomadas “medidas” para impedir que países que buscassem descumprir a Resolução 661 continuassem a desobedecê-la.

Com o fim da Guerra do Golfo, o Conselho de Segurança aprovou, em 3 de abril de 1991, a Resolução 687, com os termos do cessar-fogo entre o Kuwait (e as nações que o apoiavam) e o Iraque. A resolução mantinha as sanções econômicas ao Iraque até que se considerasse que o Iraque havia cumprido um conjunto de condições estabelecidas – a renúncia completa à posse ou desenvolvimento de armas biológicas, químicas ou nucleares; o desmantelamento e renuncia ao desenvolvimento de mísseis de alcance superior a 150 quilômetros; o aceite a um regime de supervisões pela Comissão Especial das Nações Unidas53(UNSCOM) e pela Agência Internacional de Energia Atômica54 (IAEA); o comprometimento do Iraque em não apoiar ou abrigar grupos terroristas em seu território. Nas palavras do presidente George H. W. Bush (Bush Pai), “até que o Iraque convença o mundo de suas intenções pacíficas – de que seus líderes não utilizarão novas rendas para rearmar e reconstruir sua máquina de guerra – o Iraque não deve ter acesso aos instrumentos de guerra”55

(USA, 1991, n.p., tradução nossa). Desse modo, a Resolução 687 também reforçou o embargo à venda de armas e à transferência de tecnologias de uso dual ao Iraque. Os termos utilizados foram vagos o suficiente para, mesmo com o cumprimento das exigências propostas, o embargo não ter sido removido. Além disso, o parágrafo 16 da Resolução – reforçando o já publicado na Resolução 674 (aprovada em 29 de outubro de 1990) – indicava o Iraque como responsável legal por quaisquer perdas, danos ou prejuízos sofridos pelo Kuwait ou Estados terceiros (ou seus nacionais ou corporações) resultantes da invasão e ocupação ilegais do Kuwait.

Em abril de 1995, a Resolução 986 do Conselho de Segurança autorizou trocas limitadas de petróleo por recursos humanitários, mas tal arranjo só foi aprovado pelo governo do Iraque em novembro 1996. O programa ficou conhecido com Oil-for-Food (em português: Petróleo por Comida), e as primeiras entregas iniciaram em 1997.

53 UNSCOM – Comissão Especial das Nações Unidas (do inglês: United NationsSpecialCommission). Responsável por garantir o cumprimento, pelo Iraque, das exigências relacionadas ao desmantelamento dos programas de armas químicas e biológicas e de mísseis.

54 IAEA – Agência Internacional de Energia Atômica (do inglês:InternationalAtomic Energy Agency). 55 Do original em inglês: “Until Iraq convinces the world of its peaceful intentions – that its leaders will

not use new revenues to rearm and rebuild its menacing war machine – Iraq must not have access to te instruments of war”.

Entretanto, a iniciativa não era suficiente para cobrir as necessidades humanitárias e, principalmente, infraestruturais do Iraque.

As sanções econômicas ao Iraque tiveram efeitos macroeconômicos e sociais graves. No âmbito macroeconômico, estima-se que a renda per capita tenha declinado em cerca de 75% entre 1990 e 1993, aumentando a desigualdade entre classes. Além disso, os primeiros oito anos do embargo provocaram uma perda estimada em 120 bilhões de dólares, ligada à exportação de petróleo:

Em 1990, antes das sanções e da Guerra do Golfo, o Iraque produzia cerca de 3 milhões de barris de petróleo por dia, dos quais exportava 2,5 milhões. Isto gerava ganhos de exportação na monta de 19 bilhões de dólares por ano, fornecendo 95% dos fundos do orçamento nacional e 64% do PIB do país. Entretanto, este comércio internacional foi cortado em cerca de 90% pelas sanções (GARFIELD, 1999, p. 12, tradução nossa)56.

Além disso, importa destacar que, mesmo com o programa Petróleo por Comida, as necessidades humanitárias do país não eram completamente satisfeitas. Dos 7,7 bilhões de dólares gerados pelo programa, apenas cerca de 55% ficavam destinados de fato à compra de recursos, enquanto o restante era direcionado à Administração da ONU e ao pagamento do fundo para reparações relativas à guerra – também criado pela Resolução 687 (GARFIELD, 1999, p. 12).

No âmbito social, os danos também foram graves. Garfield (1999, p. 29) destaca a relevância das condições específicas do Iraque ao contribuírem para sua vulnerabilidade às sanções. Segundo o autor, o Iraque sofreu sanções multilaterais e que abrangiam uma larga variedade de produtos e que foram implementadas de forma imediata (não deixando tempo para a acumulação de estoques que poderiam mitigar a situação) e simultânea a outras situações de risco econômico e social; além de ser um país altamente dependente de importações.

Antes das sanções, o Iraque era ainda mais dependente de importações de comida, com 70% de todas as proteínas e calorias importadas. Entre 1991 e 1996, a desnutrição aguda entre crianças de menos de 5 anos aumentou de 3 para 11%. A desnutrição crônica aumentou de 19 para 31%. Já a porcentagem de crianças nascidas em hospitais com menos de 2,5 quilogramas aumentou de 5 para 22% (GARFIELD, 1999, p. 17, tradução nossa)57.

56 Do original em inglês: “In 1990, prior to sanctions and the Gulf War, Iraq produced about 3 million barrels of oil a day, of which it exported 2.5 million. This generated export earnings of US$19bn a year providing 95 per cent of the funds for the national budget and 6 per cent of the country’s GDP. However, this foreign trade was cut by an estimated 90 per cent by sanctions”.

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Do original em inglês: “Iraq was even more dependent on imported foods with about 70 per cent of all proteins and calories imported prior to sanctions. From 1991 to 1996, acute malnutrition among under

Ademais, Garfield (1999, p. 13-15) argumenta que as sanções econômicas não afetam apenas os estoques de medicamentos. Os serviços de saúde são, também, altamente dependente dos equipamentos que garantem seu funcionamento, de infraestrutura funcionante (desde energia e água potável à refrigeração de medicamentos e aparelhos de raios-X), de condições adequadas de alimentação e disponibilidade de ambulâncias – a título de exemplo, em Bagdá em 1996, apenas 5 das 100 ambulâncias públicas estavam funcionando, uma vez que a importação de pneus reserva estava proibida devido a seu potencial uso militar (GARFIELD, 1999, p. 16).

Infraestruturas físicas e médicas enfraquecidas – devido à falta de importações vitais, mas também devido à redução de fundos para investimento em capital, manutenção e custos de funcionamento (por sua vez resultados da perda de receitas como consequências de um embargo) – tencionam a capacidade do sistema de saúde de oferecer serviços e responder a emergências médicas (GARFIELD, 1999, p. 1, tradução nossa)58.

Finalmente, em novembro de 2001 – após intenso debate –, foi aprovada a Resolução 1382 do Conselho de Segurança da ONU, que modificava o regime de sanções. A resolução estabelecia uma lista de produtos que poderiam ter uso dual – civil e militar – e que, portanto, necessitariam de aprovação da Organização para serem importados pelo Iraque. Nesse caso, a UNMOVIC59e a Agência Internacional de Energia Nuclear revisariam todos os contratos propostos para importações do Iraque e aprovariam item a item. Produtos que não estivessem no catálogo seriam aprovados automaticamente, enquanto os que estivessem citados seriam fiscalizados pelo comitê de sanções, sendo negada a compra de objetos que possivelmente fossem ter uso militar. Esta foi a última modificação no regime de sanções antes da guerra de 2003.