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De acordo com as fontes de informações escolhidas assim como a maneira como os dados são avaliados, pode haver perda de informações importantes. As fontes de dados mais comumente utilizadas são provenientes de dois grupos, os relatórios policiais e de trânsito e os registros hospitalares. Em geral as fontes do primeiro grupo apresentam falta de informações sobre os ferimentos, enquanto que as fontes do segundo grupo em geral apresentam falta de informações a respeito das características do acidente. É importante lembrar que os

registros hospitalares, em geral, representam apenas os incidentes que necessitaram de atendimento imediato. As características de cada uma das fontes devem ser consideradas atentamente no momento da avaliação dos dados. A integração entre as diferentes fontes de dados pode resultar em informações mais precisas e conseqüentemente em avaliações mais adequadas a respeito das causas e resultados dos acidentes.

Andrade e Mello-Jorge (2001) estudaram 3.643 vítimas de acidentes de transporte terrestre ocorridos no período entre 1º de janeiro a 30 de junho de 1996, no Município de Londrina, no estado do Paraná. Utilizaram as seguintes fontes de dados: Declarações de Óbito (DO), Boletins de Ocorrência (BOs) elaborados pela Polícia Militar sobre os acidentes, fichas do Sistema Único de Saúde (SUS) de atendimento em prontos-socorros e fichas de Autorização de Internação Hospitalar (AIH) de todos os 6 hospitais gerais e do hospital ortopédico da cidade. Como fontes complementares de informação utilizaram a imprensa escrita, as Comunicações de Acidentes de Trabalho (CATs) e entrevistas com familiares ou vítimas, nos casos em que as fichas disponíveis não permitiram um detalhamento quanto às circunstâncias do acidente.

Esses autores analisaram a cobertura dos BOs, ou seja, baseando-se nos registros de vítimas das demais fontes, observou-se a presença ou ausência do respectivo Boletim de Ocorrência referente ao acidente. A cobertura dos ciclistas foi de 8,1%, ou seja, segundo estes autores, baseados nas demais fontes, 91,9% dos registros de acidentes envolvendo condutores de bicicleta não foram registrados em BOs da polícia.

“As maiores coberturas foram observadas para ocupantes de carro (71,6%) e de caminhonete (55,6%)” (ANDRADE e MELLO-JORGE, 2001, p.1452).

“Entre os distintos tipos de vítima, a maior cobertura foi atingida quando houve envolvimento de carro/caminhonete ou veículo de transporte pesado/ônibus” (ANDRADE e MELLO-JORGE, 2001, p.1452).

No caso dos ciclistas, a cobertura variou de 12,5%, (quando o acidente envolveu pedestre ou animal) até 50,0% (envolvimento com veículo de transporte pesado ou ônibus).

Segundo Andrade e Mello-Jorge (2001), nas fichas médicas de cinqüenta ciclistas atendidos em pronto-socorro, constava na descrição do acidente apenas a palavra “atropelamento” - sendo então classificados como pedestres.

Estes autores informam que as declarações de óbitos deixaram de informar como acidentes de transporte cerca de 35% das mortes. Caso nenhuma investigação fosse realizada, os ciclistas não seriam representados entre os óbitos, apesar destes autores terem encontrado que 9,2% dos óbitos foram de condutores de bicicleta.

O trabalho de Barros et al. (2003), realizou estudo dos registros de acidentes de trânsito do município de Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul. Atestam que não foram registrados em boletim de ocorrência da autoridade policial 39% dos acidentes avaliados, que só puderam ser identificados por meio de busca nos registros de atendimento do pronto-socorro municipal. Além de reforçar que os registros policiais não abrangem uma quantidade significativa dos acidentes de trânsito, o trabalho de Barros et al. (2003) alega que o sub-registro foi diferencial por tipo de acidente - apenas 47% dos atropelamentos de pedestre foram registrados, comparado com 67% dos atropelamentos de ciclista e 77% das colisões entre automotores. Afirmam também que a cobertura de registro variou de acordo com o horário do acidente - aqueles ocorridos durante o dia, das 6 às 17 horas, tiveram mais chance de serem registrados (72-78%) do que os ocorridos à noite (62-64%).

Dhillon et al. (2001) estudaram acidentes envolvendo veículos motorizados e pedestres e ciclistas entre 0 e 14 anos, na cidade de Long Beach, nos Estados Unidos da América. Afirmaram que foram encontrados 1015 relatórios policiais e 474 registros médicos, sendo 379 casos comuns aos dois tipos de fontes – 80% dos casos registrados em hospitais constavam do banco de dados da polícia, enquanto que apenas 37% dos casos registrados pela polícia constavam nos registros hospitalares.

Langley et al. (2003) estudaram os acidentes envolvendo ciclistas que necessitaram de internação hospitalar na Nova Zelândia, de 1995 a 1999, através da comparação entre os registros nacionais de hospitalizações e os relatórios de acidentes do órgão nacional responsável pelo trânsito. Verificaram que dos 2925 registros de hospitalizações provenientes de acidentes envolvendo ciclistas apenas 22% puderam ser relacionados a um relatório de acidente de trânsito. Entre os casos

de maiores riscos às vidas dos acidentados, apenas 40% constavam em relatórios de acidentes de trânsito e dentre os que necessitaram internação por mais de sete dias apenas 43%.

De acordo com Dhillon et al. (2001), nenhuma fonte individual consegue identificar todos os incidentes de interesse ou mesmo incluir todas as informações a respeito do evento. Estes autores aconselham que sejam utilizadas fontes múltiplas de identificação de eventos de modo a obter informações mais completas. Segundo estes autores, a utilização do método matemático denominado de método de captura e recaptura permite estimar o número de casos que nenhuma das fontes foi capaz de identificar, possibilitando uma estimativa de incidência provavelmente mais próxima da real que a simples combinação das fontes. Esta dissertação não avaliou a fundo o método matemático utilizado, mas o intuito de apresentar essas informações foi discutir a possibilidade da existência de métodos que estimem incidências de acidentes através da inclusão de dados que não foram capturados pelas fontes utilizadas.

Segundo Langley et al. (2003) vários acidentes envolvendo apenas ciclistas também não apresentaram relatórios de acidentes de trânsito, apesar de terem representado 39% das internações de mais de sete dias. Estes autores lembram que é vital que se coletem dados sobre os acidentes envolvendo apenas ciclistas visto que as circunstâncias são diferentes das dos acidentes envolvendo ciclistas e motoristas ou apenas motoristas, assim como as medidas de prevenção a serem adotadas.

Além dos acidentes envolvendo apenas ciclistas, acidentes ocorridos em determinados locais também podem carecer de registro, como mostra o trabalho de Stutts e Hunter (1999). Os autores utilizaram dados de 8 hospitais de algumas regiões dos Estados Unidos da América, de 1995 a 1996, para avaliar os acidentes com condutores de bicicletas, que ocorreram sem envolvimento de veículos motorizados ou que não ocorreram na pista2 (em calçadas, estacionamentos, etc).

Os funcionários desses hospitais foram solicitados a realizar os registros desses acidentes de forma específica, ou seja, normalmente os procedimentos não exigem

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De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro corresponde a “parte da via normalmente utilizada para a circulação de veículos, identificada por elementos separadores ou por diferença de nível em relação às calçadas, ilhas ou aos canteiros centrais” (BRASIL, 1997).

que sejam incluídos detalhes sobre as condições dos acidentes envolvendo ciclistas. De acordo com estes autores, 43% dos condutores de bicicleta que tiveram que ser internados sofreram ferimentos em eventos que não envolveram um veículo motorizado ou que não ocorreram na pista. Para estes autores, é pouco provável que esses eventos foram contabilizados nos registros de acidentes de trânsito. Dentre os que foram atendidos e liberados (sem internação), estimam que 74% dos casos provavelmente não foram registrados como acidente de trânsito.

Segundo Stutts e Hunter (1999) 70% dos eventos registrados que resultaram em ciclistas feridos não envolveram um veículo motorizado.

Entre os acidentes envolvendo apenas condutores de bicicleta existe uma grande possibilidade de vários deles não constarem de registros policiais ou mesmo de registros médicos, pelo fato de não terem causado ferimentos ou por terem causado ferimentos leves e, portanto não necessitando de atendimento médico- hospitalar. Além disso, como é muito raro que as bicicletas estejam vinculadas a algum tipo de seguro material, os condutores destas simplesmente não se sentem impelidos a solicitar registro policial, diferente do que ocorre com os proprietários de veículos motorizados.