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Regra de jogo

No documento Casa/Dispositivo Malévolo/Movimento (páginas 169-175)

Fig. 121

Uma “caz az cors, uma caza nu jaredi”

Uma "caz az cors, uma caza nu jaredi" não é simplesmente uma casa que, como as

outras, existe na impossibilidade de se habitar; ela é uma casa que ainda não encon- trou distância para se manifestar. Portanto, esta é uma casa que se manifesta na sua ausência formal, mas muito carregada de pistas sobre a sua interioridade. Dela não há experiência ou conhecimentos prévios e é uma casa “camaleónica”, encontrada em sítios imprevistos. Esta proposta de jogo chama-nos a relacionar o sujeito com todas as

suas casas que ainda não existem.

Desafio

Esta é a casa que é incapaz de materializar as suas expressões de interioridade, apesar de constantemente tentar comunicar-se por outros meios e, quem sabe, por outras casas. Podemos até dizer que é uma casa esquiva, comprometida com a sua não-formulação e, como tal, reinventando-se rapidamente numa acumulação de pistas – demasiadas para alguma vez alguma casa as conseguir conter a todas. Por causa disto, esta casa irá fazer-se de inúmeras outras (talvez até casas de propostas de jogo anteriores), cada uma, na sua vez, capaz de formular um pedacinho dessa casa em

fuga: ‹‹Nous sommes tous en effet l’élève d’une certaine maison. Masure ou château, tente ou roulotte, pavillon ou appartement — et qu’elle fût ancienne ou moderne, traditionnelle ou différente — c’est le creux originel où notre moi se vit façonner, dont les odeurs et les bruits ont formé notre sensibilité, nos préférences et le réseau des pièces dicté nos premiers cheminements.›› 18

É uma casa de jogo entre um sujeito e ele mesmo que, na impossibilidade de identificar essa casa específica, se poderá apenas limitar a persegui-la, representando-a como pode, reconhecendo-a noutras casas.

17 O título Uma “caz az cors, uma caza nu jare-

di" foi inspirado por dois desenhos da nossa infância [ver página 171] onde apareciam estas palavras escritas. Elas pareceram-nos apropriadas para "baptizar" a sexta proposta de jogo, na medida em que sugerem um retorno à ingenuidade inicial, ao mesmo tempo que alimentam uma ideia do onirismo desta casa, sem expor imediatamente o que ela possa ser.

18 PEZEU-MASSABUAU, Op. cit., p. 54.

Estratégias

A "caz az cors" é construída no campo subjectivo do sonho, e recorre, para que se torne comunicável, a inúmeras formas de representação, como já foi referido. É, pois, difícil falar de uma casa que não se vê e que, afinal, pode ser tudo o que o sujeito queira: é a casa do desejo projectada no espaço da imaginação. A manifestação da inte- rioridade desta casa confunde-se com o interior do sujeito, e começa a parecer-se com a casa de referência de que falávamos no início a propósito de “Habitar em Trânsito”. Isto significa que, em boa verdade, a exteriorização apenas precisa de se dar a respeito do sujeito mesmo que a sonha, pois apenas ele por ela se pode interessar. Exteriorizar a interioridade desta casa é percorrer toda a distância que afasta o objecto-casa do sujeito: é, afinal, erguer a casa que lhe foge. A estratégia é apenas uma:

170

1) tornar a casa presente.

Mas a existência de uma estratégia não resulta necessariamente na efectivação desta casa. A estratégia é uma promessa. E, tal como casa longe desaparece uma vez que lá se regresse, "uma caz az cors" nunca poderá existir erguida. Ou melhor, se a julgamos erguida é porque, efectivamente, não está. A estratégia de tornar a casa pre- sente não faz mais que incentivar inúmeros tipos de representação desta casa esquiva, dos quais daremos conta a seguir.

Fig. 122

Estratégia de “uma caz az cors, uma caza nu jaredi”

1) tornar presente

1

Fig. 123

Pensar numa “caz az cors, numa caza nu jaredi”

19 BACHELARD, Op. cit., p. 68.

‹‹Parfois, la maison de l’avenir est plus solide, plus claire, plus vaste que toutes les maisons du passé. A l’opposé de la maison natale travaille l’image de la “maison révée”. Tard dans la vie, en un courage invincible, on dit encore: ce qu’on n’a pas fait, on le fera. On bâtira la maison. Cette maison révée peut être un simple rêve de propriétaire, un concentré de tout ce qui est jugé commode, con- fortable, sain, solide, voire désirable aux autres. Elle doit satisfaire alors l’orgueil

171 UMA “CAZ AZ CORS, UMA CAZA NU JAREDI”

A representação destas casas pode ser materializada de várias maneiras: elencá-las todas seria impossível. Sirvamo-nos, pois, de um exemplo que, para nós, ajuda a escla- recer de que outros modos se pode manifestar ou reconhecer esta casa: o desenho.

Primeiro, temos aqueles desenhos da infância que se repetem em inúmeras variações dos mesmos elementos: uma porta, uma janela, um telhado, uma chaminé, um jardim. São os desenhos que encerram uma ideia de casa, essa que foi ensinada, aprendida, recordada, sonhada... Variam as dimensões, os formatos, as cores, as posi- ções, mas a casa permanece sensivelmente a mesma: é uma ideia com várias formas.

Depois, temos aqueles rabiscos que surgem por força da necessidade, quando resulta necessário delinear uma estratégia num dado espaço: planear uma prateleira, decidir onde colocar o sofá... Aqui, o desenho é mais certeiro, tem medidas, tem cores exactas, tem nomes próprios. Não se lhe permite que meandre tanto como os dese- nhos precedentes mas é um desenho que, igualmente, inclui o sonho.

Depois temos outros desenhos – às vezes nem precisam de ser desenhados – que querem inaugurar uma outra casa: “Quando for grande quero uma casa assim”; “Quan-

do tiver dinheiro vou comprar uma casa”; “Quando tiver tempo mudo-me para uma casa no campo”... Estes desenhos encobrem narrativas complexas, fantasiosas, locali-

zando estas casas em mundos que as salvaguardam das preocupações mundanas dos electrodomésticos que avariam, das infiltrações nas paredes, dos bichos que comem a madeira... Estas casas guardam sempre semelhanças com outras: “Era um lago como

aquele que eu queria na minha casa”; “Um dia também mando fazer um jardim de inverno lá atrás”.

Estas “cazas az cors” surgem sob várias matérias, nestes rabiscos ingénuos, noutros mais certeiros (como sejam os de projecto). Pode ser uma casa imaginada enquanto se escuta um conto, pode ser uma tentativa de representação de uma casa de infância. Mas tenhamos sempre a certeza que é também esta casa que nos orienta os caminhos que tomamos a respeito das outras, mais mundanas e finitas.

Algumas casas

Fig. 124

Uma caz az cors, Sara Camponez, sem data. Fig. 125

175 DESAFIO

No documento Casa/Dispositivo Malévolo/Movimento (páginas 169-175)