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3.1 O ALCANCE DOS CORPOS NAS RELAÇÕES

3.1.3 Regras de coexistências entre casais

“Não admira que os „relacionamentos‟ estejam entre os principais motores do atual „boom de aconselhamento‟. A complexidade é densa, persistente e difícil demais de ser desfeita ou destrinchada sem auxílio‟” (BAUMAN, 2004, p. 9). O autor diagnóstica a velocidade, fragilidade e efemeridade dos laços humanos, como sintomas de uma sociedade de indivíduos consumistas, afeitos às novidades, e, da mesma forma, inseguros diante do apertar e afrouxar dos laços. O que Matarazzo (2001, p. 23), escreve, ao se mencionar as sensações do primeiro encontro, corrobora com o argumento:

Nesse momento, as pessoas estão tão vulneráveis, divididas entre a vontade de seduzir e a necessidade de se defender, que não percebem essa luta interna. E deixam vir à tona frases totalmente desastradas, muitas vezes baseadas em experiências anteriores, clichês que ouvem na televisão.

Nos limites deste tópico serão analisados os posicionamentos relativos à vida íntima, especificamente, dentro das relações de namoro e conjugalidade. Dentro de um difuso universo de rápidas mudanças – inclusive de casais – o que tem a dizer a nova etiqueta íntima. Praticamente, todas as fontes pesquisadas reservam um capítulo ou uma sessão para normas acerca da vida a dois. Talvez a rapidez das transformações ocorridas nessa esfera, nas últimas décadas, não há regras prontas, inflexíveis. É o que Anthony Giddens (1993, p. 215) chama de momento de “descuido da tradição”.

Os temas eleitos para a análise dos discursos sobre regras de convivências entre os casais levaram em consideração a quantidade de discussões contidas nas fontes e a

relevância desses assuntos na atualidade. São eles, respectivamente: privacidade e relações homoafetivas.

Com relação ao comportamento masculino, é tudo quase óbvio: ele sempre deve levantar a tampa do vaso antes de urinar e baixar logo depois sem deixar uma única gotinha como rastro. Ele nunca deve usar toalhas para retirar o restinho da espuma da barba que ficou no rosto. E, finalmente, ele jamais deve deixar seu xampu aberto dentro do box, certo? Mas será que nós mulheres, já paramos para ver os deslizes que cometemos nesse inevitável em espaço comum? [...]. Então, vamos enfrentar o problema com classe e sair dele com tanta elegância quanto for possível (LEÃO, 2007, p. 171).

A partir daí, ele passa e enumerar os “deslizes” mais comuns entre as brasileiras do espaço urbano. Mostra o problema e oferece soluções práticas para, por exemplo: lotar a bancada do banheiro de recipientes de cremes e potinhos, quando o ideal seria conservar no lugar os necessários e guardar o restante; ter cuidado para não deixar fios de cabelos na pia nem na escova; ter cuidado com a exposição dos conteúdos de papel higiênico e absorventes; não ligar o secador quando o parceiro não despertou completamente; não “esquecer” calcinhas molhadas no ambiente; não dividir sabonetes e barbeadores; lixar unhas e necessidades fisiológicas são censuradas.

Pelo que se pode perceber, levantar bandeira a favor da manutenção da privacidade também significa proteger o olhar do outro de situações que possam causar desconforto simultâneo. Leão (2007), no ponto “Morando juntos”, enumera suas “regras fundamentais” de convívio:

Nunca, perto do outro: corte unhas (principalmente as dos pés); tire as sobrancelhas, passe creme no rosto; faça depilação ou raspe as pernas (com barbeador dele jamais); limpe os ouvidos ou o umbigo com cotonetes; faça uma massagem a de óleo no cabelo; pinte os cabelos; esprema espinhas ou afins; escove os dentes ou passe fio dental; fique horas pendurada no telefone. É bem verdade que existem pessoas que acham essas intimidades parte integrante do relacionamento (tem de tudo nesse mundo) [...]. Tire um dia na semana para os cuidados relacionados acima (estou evitando a palavra certa: faxina). Seu marido não vai ao futebol? Se não vai, obrigue-o a ir. E você não vai ao supermercado? Então, aproveitem as respectivas ausências de maneira útil [...]. Se você vai fazer uma plástica, é aconselhável que na volta do hospital, um dos dois vá passar uma temporada em casa de amigos ou num hotel. Só apareça quando a derradeira mancha roxa tiver desparecido e você estiver uma deusa [...]. Jamais converse sobre doenças femininas com seu namorado, marido, o que for. Médicos e amigas existem para isso [...]. Não sai do quarto ou do banheiro sem um leve toque de escova nos cabelos. Se for até a sala, esteja decente; por decente compreende-se qualquer coisa, até está nu, desde que em excelente forma (p. 178-180).

A tônica é não descuidar da aparência, mas isso dever aparecer algo construído sem muito labor. É como um segredo que, a um só tempo, eufemiza os

sacrifícios do artifício e hiperboliza a imagem. Constroem-se personagens treinadas para o jogo social, mesmo nas relações mais íntimas. Não mesma sessão, Leão contribui com dicas gerais de privacidade:

O.k., vocês estão morando juntos. Façam o possível para que cada um mantenha um canto seu, mesmo que esse canto seja mínimo. Procure cada conservar seus amigos, prazeres e atividades, sem aquela de ter que compartilhar tudo com o parceiro. Não abra de ter sua vida própria: passeios, almoços, amigos, cinema, cooper, o que for. Isso não deve ser classificado como vida secreta; são apenas prazeres pessoais que qualquer tem o direito de ter. Mesmo em casa, tenha atividades só suas: armar um puzzle, limpar o som, costurar, ouvir música, por exemplo. Está provado que aquela coisa antiga de “somos um só coração” ou “só vou se você for” não tem nada a ver. E, na hipótese realista de o romance acabar, agindo assim você não se sentirá tão desesperadamente só (LEÃO, 2007, p. 1982).

É interessante notar que Danuza Leão reproduz uma consciência relativamente alargada na contemporaneidade: a de que o respeito à diversidade, os altos investimentos na superfície corpórea – com a otimização da imagem -, não consistem no puro e simples projeto de perpetuação da relação. No final de sua defesa, ela admite que inexiste nítidas garantias, algo que entra em consonância com o discurso de Bauman (2004), quanto argui sobre a obsolescência da noção romântica de amor entendido na perspectiva do “até que a morte nos separe”.

Ao propor às leitoras “acender a chama a apagar os incêndios” como uma espécie de malabarista de relacionamento, Vanessa Barone (2010, p. 87) é taxativa: “diz a sabedoria popular que casamento é como submarino: foi feito para afundar, mas, às vezes, bóia. E se o seu está boiando, significa que ele passou, ou ainda vai passar, por alguns dos desafios listas abaixo”. Entre eles, o que ela discorre no primeiro e segundo itens: “não virar paiê e maiê” e “não virar casal-ostra”. Ambos discutem o tema da privacidade. No primeiro, a preservação da intimidade do casal, inclusive em termos de espaço. No segundo, o excesso de proximidade em tempo praticamente integral.

Este toque é para casais recentes e muitos apaixonados, que passam a formar um universo paralelo sem comunicação com o resto do mundo. É compreensível que no auge da paixão seja necessário o isolamento, para entender, viver e aproveitar esse momento tão mágico da vida [...]. Tudo bem. Só não vale esquecer completamente os amigos e a família. Até porque, se a relação não for adiante, é com o ombro deles que você terá que contar (BARONE, 2010, p. 88).

Cláudia Matarazzo dedicou uma publicação exclusivamente para esse tema.

Amante elegante: um guia de etiqueta a dois (2001), foi inscrito com o intento de

conhecimentos obtidos em palestras. De certo modo, isso ratifica a urgência do tema e, notadamente, dos aconselhamentos nesta conjuntura, inclusive no Brasil. A defesa da privacidade é recorrente nas sessões como, por exemplo, na designada “Primeira vez na casa do novo amor” – à vontade, mas sem invadir”:

Se você é visita: evite grandes manifestações de espanto, aprovação ou desaprovação com o lugar. Lembre-se: por mais estranho, feio ou luxuoso que lhe parece, aquele local é uma parte fundamental e verdadeira da vida de quem mora ali. Por mais que se considere experiente no assunto, nem pense em sugeri alterações na decoração [...]. Abrir gavetas e armários à procura de outras pistas do estilo de vida da pessoa está completamente fora de questão [...]. Se chegar a usar o chuveiro, tente deixar tudo razoavelmente seco e em ordem, como encontrou. A transa rolou lindamente no melhor estilo “não deu para segura‟? Ótimo. Assim que der, recolha as roupas espalhadas pelo chão. Passada a paixão, calcinhas enroladas no pé da cadeira ou cuecas no sofá dificilmente constituem uma visão romântica ou elegante (MATARAZZO, 2001, p. 32-32).

Igualmente, no tópico “Primeiro fim de semana juntos: vestibular do amor”, a primeira advertência: “não faça pesar a proximidade – o maior cuidado é para não invadir a privacidade do seu amor” (2001, p. 36). Já a segunda explicita que, no hotel, “até por conta de uma maior comodidade, a convivência é mais fácil e ninguém invade demais a privacidade do outro. A terceira sentença, de tema “banheiro”, explica às leitoras que não entrem sem bater, ou melhor, nem tentem. É proibido pendurar peças de roupas. Nada casa de amigos, seria um bom início não criticar anfitriões. Na casa dele ou dela, como apenas visita mais chegada, não reclamar nem tentar mudar decoração e não demarcar espaço com objetos espalhados: “marque presença de uma forma mais elegante” (2001, p. 39).

A defesa à privacidade é, de fato, imperativa, nos dias de hoje. Por mais que se viva a exacerbação da exibição e da tenuidade fronteiriça entre o público e o privado, que se entrelaçam, trocam de papeis, mas terminam voltando aos seus respectivos leitos, essa decisão é puramente individual. O respeito ao outro e ao seu espaço é onipresente nesses discursos e bem sintomático a essa realidade aqui descrita.

Alguns assuntos são poucos abordados e, quando contemplados, costumam vir em sumárias explanações. O fato é que eles aparecem, ainda que de modo tímido. São experiências com ou enquanto o casal (is) homoafetivo (s), as relações e a questão da solidão. O mais intrigante é que são relações ou estado que são vivenciados frequente e expansivamente neste século, mas ainda são comedidamente citados nas fontes primárias.