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Capítulo I O Direito Convencional

5. Convenção para a regulamentação do Transporte Internacional Multimodal de

5.1. O Transporte Multimodal e as diversas Regras

5.1.1. Regras de Haia

As regras que regulam o transporte multimodal, obrigam-nos, em primeiro lugar, a considerar as convenções internacionais vigentes em cada tipo de transporte (modal) e também as leis nacionais aplicáveis nos países relacionados com o percurso da mercadoria desde o embarque até à sua entrega ao destinatário final.

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No caso do modal marítimo, as convenções internacionais estão representadas pelas Regras de Haia de 192472, pelas suas posteriores alterações (Regras de Haia Visby de 196873 e Protocolo dos Direitos Especiais de Saque – DES de 1979) e pelas Regras de Hamburgo de 1978.

Ora, sabemos que o transporte marítimo de linha regular é contratado através de um documento chamado Conhecimento de Embarque (em inglês Bill of Lading ou simplesmente B/L) que tem as funções básicas de servir como um recibo de entrega da carga a ser embarcada; evidenciar um contrato de transporte entre a companhia marítima e o usuário e representar um título de propriedade da mercadoria (transferível e negociável), prova da propriedade da mercadoria perante as Alfândegas.

Igualmente reconhecemos que, no seu verso, o B/L contém uma série de cláusulas que especificam e limitam a responsabilidade do transportador marítimo durante o transporte. Entretanto, pelo facto do Conhecimento de Embarque se considerar um contrato de adesão, no qual o usuário simplesmente adere às condições estabelecidas pela companhia marítima, muitos embarcadores não se detêm numa análise mais apurada das cláusulas estabelecidas no verso do documento e um número ainda maior simplesmente desconhece a legislação aplicável ao contrato de transporte marítimo formalizado através do B/L, o que pode ser algo extremamente penalizador.

5.1.1.1. A cláusula “Paramount”

Devemos ter em conta que todos os Conhecimentos de Embarque apresentam no verso uma cláusula denominada “Paramount” ou principal, que é a cláusula que incorpora a legislação aplicável ao contrato.

As demais cláusulas servem apenas para detalhar as regras incorporadas, não podendo nunca contrapor-se à principal.

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Regras de Haia de 1924. Os transportadores marítimos estavam sujeitos a embargos e reclamações que podiam variar devido às diferentes legislações aplicáveis em cada país, pelo que se formou um consenso sobre a necessidade de uniformizar a regulamentação do transporte marítimo, objectivando uma maior transparência e segurança na sua contratação.

Nesse sentido, o primeiro avanço significativo referente à tentativa de uniformizar a legislação aplicável no transporte marítimo corresponde às Regras de Haia, que teve algum êxito, devido ao grande número de países signatários (setenta e três Estados contratantes até 1968, incluindo os países de maior importância no transporte marítimo).

73 Regras de Haia Visby de 1968

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Pelo facto de nem todos os países signatários terem aderido às posteriores

alterações nas referidas Regras (representadas pelo Protocolo de 1968 que configurou as Regras de Haia Visby e pelo Protocolo DES de 1979 o qual incorporou os Direitos Especiais de Saque do FMI no cálculo dos limites das indemnizações a serem efectuadas pelo transportador marítimo), isso iniciou um rompimento da uniformidade até então alcançada.

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Nos contratos de transporte, conhecidos como referimos por conhecimentos de embarque, a definição da regra a ser obedecida pelas partes, ou seja, na hipótese de litígio deve seguir-se o que consta na cláusula denominada Cláusula “Paramount”. Esta cláusula tem por objectivo determinar qual a legislação aplicável ao contrato de transporte, sendo geralmente a primeira cláusula dos conhecimentos de embarque.

Os conhecimentos de embarque são minuciosamente elaborados pelos armadores, sem haver discussão das cláusulas entre as partes, sendo por muitos vistos como um contrato de adesão. Desta forma, cabe ao armador definir qual será a legislação aplicável, prática que por si só demonstra desequilíbrio contratual, em desfavor do embarcador.

Como refere Karl Larenz74, relativamente à interpretação das leis, na prática a interpretação da lei e a sua aplicação a dada situação de facto não são dois processos mentais completamente separados um do outro, antes se condicionam e interpenetram mutuamente. Se a formação da situação de facto juridicamente relevante é, em parte determinada pela pré- compreensão jurídica do julgador, pelo seu entendimento provisório das normas, a interpretação da norma, por sua vez, a extensão e precisão do seu conteúdo significativo, efectua-se em vista da sua aplicabilidade (ou não aplicabilidade) a um caso determinado ou um caso “de certa espécie”. Nesta medida, a “aplicação”, a aplicabilidade a um caso real ou pensado, é um aspecto imanente da própria interpretação jurídica.

Compreender, como diz Gadamer75 sempre foi aqui aplicar.

Isto não exclui, contudo, que o processo de interpretação da norma, a formação da situação de facto juridicamente relevante e a “aplicação”, que reúne as duas coisas, se possam distinguir logicamente.

As combinações entre os diferentes países que ratificaram uma ou outra convenção e aqueles que aplicam as leis nacionais já representam uma significativa dispersão e complexidade legal, pelo que, conforme aponta Lima Pinheiro76, importa considerar a ratificação das correspondentes convenções, no caso a de Bruxelas/Protocolo de 1968, de que Portugal é parte, podendo afirmar-se que os países que têm as maiores frotas mercantes, foram aqueles que, por razões óbvias, ratificaram as Regras de Haia Visby. Daí que estas Regras estejam fundamentadas em 17 causas de isenção de responsabilidade do transportador marítimo, entre elas: falta náutica; incêndio; perigos do mar; actos de guerra; culpa do embarcador;

74 LARENZ Karl – Metodologia da Ciência do Direito. 1969. p. 354-355. 75 GADAMER, Hans-Georg – Wahrheit und Methode.1965. p. 292. 76

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greves; desvios de rota para salvamento; vício próprio da mercadoria; embalagem inadequada e outras que não decorram de culpa do transportador ou seus agentes. Acresce que as Regras não incluem o transporte de animais vivos e de cargas no convés.

5.1.1.2. As cláusulas das Seguradoras

Quanto à contratação de seguro por conta de outrem, como refere Alves de Brito77 mostra-se muito intensa no âmbito dos contratos de compra e venda internacional, sendo usual que as partes regulem expressamente, como igualmente se dirá no tópico dos Incoterms, e por vezes exaustivamente, todos os aspectos relativos à transferência de propriedade da carga/mercadoria, do preço, da resolução de litígios, do transporte e do correspondente seguro.

O interesse do embarcador em transformar os armadores em verdadeiros seguradores da carga, aumentando sua responsabilidade, significaria aumento do custo do frete, sem, no entanto, representar redução significativa no prémio habitualmente pago às seguradoras.