• Nenhum resultado encontrado

A regulação da flora da nasofaringe merece especial atenção pois revela diferentes mecanismos de competição dos microrganismos que habitam esse nicho. O potencial competitivo dos microrganismos vai determinar qual ou quais os microrganismos que prevalecem na nasofaringe. Particular atenção incidirá no potencial competitivo de S. pneumoniae.

Auto regulação da população pneumocócica

Um dos factores a considerar na regulação da população pneumocócica na nasofaringe é o fenómeno da competência e da alólise que promovem a libertação de material genético em concomitância com a morte das células que o libertam.

A transformação é um mecanismo de troca genética entre os pneumococos que implica a capacidade de adquirir ADN livre no meio, denominado competência, e a sua incorporação no genoma por recombinação. Foi pela primeira vez demostrada in vivo em 1998 (Nesin et al., 1998).

A competência não é uma propriedade essencial de todos os pneumococos. Naqueles que são competentes o fenómeno é induzido por uma feromona peptídica (“competence stimulating peptide“, CSP) através de um mecanismo sensor do quorum que permite à bactéria comunicar ao nível intercelular para monitorizar a sua densidade populacional (Havarstein et al., 1995; 1997).

Steinmoen et al. (2002) verificaram que numa população pneumocócica o ADN deve ser libertado por apenas uma pequena fracção de 5 a 20% de células, enquanto que a maior parte actua como recipiente desse ADN.

Mais tarde, em 2003, sugeriu-se que numa população competente o mecanismo usado para a libertação do ADN é sobretudo a heterólise em vez da autólise. Ou seja, a libertação de ADN é feita por células não competentes sendo promovida pelo contacto com as enzimas líticas produzidas por células competentes. As lisinas ficam provavelmente ancoradas à superfície das células competentes, mediando o contacto entre a célula competente e a não competente. É possível que a competência por heterólise possa ocorra em simultâneo com a autólise (Steinmoen et al., 2003).

Guiral et al. (2005), propuseram que em S. pneumoniae haveria um mecanismo de competência programada, a alólise, que consistia na libertação de factores de virulência por células não competentes induzida por células competentes, favorecendo a troca genética (Steinmoen et al., 2002; 2003).

Os mesmos autores descreveram que a alólise é um mecanismo complexo que envolve um sistema de bacteriocinas (cibABC) e três hidrolases da parede celular (cbpD, lytA e lytC) e requer a produção de 6 genes que pertencem, à excepção do gene lytC, ao regulão da competência com (Guiral et al., 2005).

Competição inter-específica na nasofaringe

Os pneumococos competem com outros habitantes da nasofaringe através da expressão da enzima neuraminidase A e o peróxido de hidrogénio. Outra forma de competição é a concorrência pelos mesmos receptores no hospedeiro.

De acordo com Shakhnovich et al. (2002) a neuraminidase A pneumocócica remove o ácido siálico terminal nas glicoproteínas de superfície de outros habitantes da nasofaringe, nomeadamente a N. meningitidis e o H. influenzae, que pode ser um importante mecanismo de competição pelo mesmo nicho ecológico. A bactéria N. meningitidis e algumas estirpes de H. influenzae expressam a enzima sialiltransferase que adiciona ácido siálico α-2,3 à galactose terminal no lipopolissacárido. As proteínas da superfície celular destas e de outras bactérias são sialiladas imitando os receptores do hospedeiro, o que pode ser vantajoso pois permite escapar à resposta imunitária.

Diferentes trabalhos sugerem que o pneumococo tem um efeito inibitório sobre o H. influenzae na nasofaringe que pode ser explicado pela acção da neuraminidase. Num destes estudos, realizado em 1954 por May, verificou-se que durante as fases de intensificação de bronquite crónica, quando o pneumococo estava presente, o H. influenzae era menos frequente. Quando o pneumococo estava ausente, o H. influenzae era mais frequente (Pericone et al., 2000). Noutro verificou-se que a diminuição de casos de colonização e de otite média, causados por serótipos presentes na vacina 7-valente, estava associado a um aumento de cerca de 11% de casos de infecção causados por H. influenzae (Eskola et al., 2001).

Os pneumococos produzem elevadas concentrações de peróxido de hidrogénio, pelo metabolismo aeróbio, que pode ser bactericida in vitro para outras espécies que habitam a nasofaringe. Num estudo de Pericone et al. (2000), de entre várias espécies Gram+ e Gram– testadas verificou-se que o pneumococos é o único que produz in vitro mais de 0.1mM de H2O2

O meio rico em H2O2 gerado pelo pneumococo permite a sua sobrevivência mas inibe o crescimento de outras espécies que competem pelo mesmo nicho ecológico como o H. influenzae e a N. meningitidis. O efeito bactericida do H2O2 é observável com apenas 106 unidades formadoras de colónias (ufc)/ml de cultura pneumocócica. Contudo, esta concentração não é suficiente para contribuir para o efeito citotóxico observado sobre a barreira epitelial do hospedeiro (Duane et al., 1993; Hirst et al., 2000) que requer ≥ 108 ufc/ml, uma densidade que não deve ser atingida pelos pneumococos no estado comensal na nasofaringe (Pericone et al., 2000).

A bactéria mais sensível in vitro ao H2O2 pneumocócico é o H. influenzae, depois a N. meningitidis e por fim a M. catarrhalis. Isto pode ser explicado pelo facto de haver uma produção diferencial de catalase nestas espécies. O H. influenzae exibe a menor actividade de catalase e o M. catarrhalis a maior, de entre as três espécies. Se um efeito similar ocorresse in vivo ele poderia explicar as baixas taxas de co-infecção entre os pneumococos e o H. influenzae nos casos de otite média e bronquite crónica (Pericone et al., 2000).

Uma outra forma de competição entre o S. pneumoniae e o H. influenzae é a disputa pelo local de ligação ao hospedeiro. Quer os pneumococos quer o H. influenzae expressam a estrutura de oligosacárido fosforilcolina–glucosamina– que é idêntica ao antigénio PAF. Este mimetismo facilita a evasão aos mecanismos de defesa do hospedeiro, e permite que as espécies utilizem as interacções receptor – ligando (das células do hospedeiro) para aderirem e atravessarem mais facilmente na células epiteliais da mucosa. Porém, a presença da mesma estrutura de ligação ao receptor PAF faz com que exista competição entre as duas espécies (Cundell et al., 1995a; Mosser e Tomasz, 1970; Weiser et al., 1997). Adicionalmente a fosforilcolina é imunogénica e os anticorpos gerados contra a fosforilcolina de uma espécie podem promover a eliminação de outra espécie que possua o mesmo epitopo (Briles et al., 1981; Weiser et al., 1998a).

Estas duas espécies podem regular a expressão de fosforilcolina de modo a escaparem ao sistema imunitário. Mas, enquanto a expressão de fosforilcolina é vital para a sobrevivência do pneumococo, no H. influenzae ela pode ser suprimida (Weiser et al., 1998a; Yother et al., 1998). Assim sendo, num meio com anticorpos contra a fosforilcolina, o H. influenzae pode suprimir a sua expressão e consequentemente escapar à resposta imunológica, mas os pneumococos podem apenas reduzir a expressão de fosforilcolina. Isto sugere que no H. influenzae o uso da variação da expressão da fosforilcolina como um meio de fuga ao reconhecimento imunológico é mais eficiente do que nos pneumococos, o que torna esta espécie potencialmente mais competitiva.

Competição intra-específica

Num estudo realizado em Portugal apenas 11% das amostras de S. pneumoniae recolhidas da nasofaringe de crianças que frequentam creches continham duas estirpes distintas no perfil de PFGE e serótipo. Nessas amostras heterogéneas as estirpes minoritárias representavam entre 14 e 30% da população pneumocócica da amostra (Sá-Leão et al., 2002). A colonização da nasofaringe por diferentes serótipos resulta na competição entre diferentes estirpes de pneumococos. A própria substituição dos serótipos incluídos na vacina 7-valente por outros resulta da competição entre pneumococos de serótipos distintos. Os factores que contribuem para uma maior ou menor capacidade competitiva das diferentes estirpes de S. pneumoniae não estão ainda totalmente esclarecidos, mas incluem o uso diferencial dos mecanismos de patogenicidade que pode resultar na capacidade de colonizar densamente a nasofaringe.

PROFILAXIA DAS INFECÇÕES CAUSADAS POR STREPTOCOCCUS