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CAPÍTULO 2. PROTEGER OS SUJEITOS DA PESQUISA: UMA BREVE

2.3. Regulando a pesquisa: os comitês de ética em pesquisa

Com essa sucessão de eventos anti-éticos e com uma série de documentos internacionais que, apesar de aceitos por grande parte dos países do mundo, não tinham nenhum poder de implantação ou operacionalização dado o seu caráter propositivo (HOSSNE, 2005), foi necessário criar mecanismos locais para regular a ética em pesquisa, evitando que os desvios éticos observados acima não se repetissem.

Nos Estados Unidos, o escândalo gerado pelo caso Tuskegee foi o evento que motivou a criação de um instrumento de controle das pesquisas com o intuito de evitar que esse tipo de desvio ético não se repetisse. E em 12 de Julho de 1974 foi assinado o Research Act e criado o National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research ligado ao Departamento de Saúde, Educação e Bem-Estar que deveria produzir resoluções com o intuito de delimitar os princípios éticos na condução de pesquisa envolvendo seres humanos nos Estados Unidos. A definição desses princípios foi feito, em grande parte, por meio de

an intensive four-day period of discussions that were held in February 1976 at the Smithsonian Institution's Belmont Conference Center supplemented by the monthly deliberations of the Commission that were held over a period of nearly

four years.86 (DEPARTMENT OF HEALTH, EDUCATION, AND WELFARE - UNITED STATES, s/d).

O resultado dessa comissão foi o Relatório de Belmont de Princípios e Diretrizes Éticas para a Proteção dos Sujeitos de Pesquisa (DEPARTMENT OF HEALTH, EDUCATION, AND WELFARE - UNITED STATES, s/d) que definia os princípios éticos fundamentais como sendo o respeito pelas pessoas, a beneficência e a justiça. A comissão durou quatro anos e as considerações feitas pelo Relatório foram tratadas no Code of Federal Regulations, Title 45 Public Welfare Department of Health and Human Services, part 46 protection of human subjects (UNITED STATES, 2005). Essa regulamentação federal, além de incorporar os apontamentos e princípios éticos apresentados no Relatório de Belmont, tornou mais específicas as funções e a organização dos IRB (Institutional Review Board), exigindo que todas as pesquisas realizadas pela, ou com financiamento de, agências ou departamentos federais fossem aprovados por esses órgãos.

Após os quatro anos de duração do National Commission for the Protection of Human Subjects of Medical Research, foi criado pelo Congresso dos Estados Unidos o

President’s Commission for the Study of Ethical Problems in Medicine and Biomedical

and Behavioral Research com cinco anos de duração e que após extinta foi sucedida por outras quatro comissões87 até o atual The Presidential Commission for the Study of Bioethical Issues (UNITED STATES OF AMERICA, 2009), ligado ao Department of Health and Human Service.

Essa comissão criada como uma instância consultiva presidencial nas questões relacionadas à bioética publica reports com considerações em dilemas bioéticos, tal como a biologia sintética, e não se configura como um órgão regulador dos IRBs. A função de fiscalização dos comitês de ética norte-americanos é desempenhado pelo Office for Human Research Protections (OHRP) 88 e pelo Food and Drug Administration (FDA). Entretanto, ambas as instituições não possuem procedimentos para a verificação de funcionamento e nem critérios claros para o cadastro dos IRBs,

86“um período de quarto dias de discussões que foram realizadas em Fevereiro de 1976 no Centro de Conferência Belmont no Instituto Smithsonian complementado pelas deliberações mensais da Comissão que foram realizadas por um período de quase quatro anos. (DEPARTMENT OF HEALTH, EDUCATION, AND WELFARE - UNITED STATES, s/d, p. tradução minha).

87

(1988-1990) Biomedical Ethical Advisory Committee

(1994-1995) Advisory Committee on Human Radiation Experiments (1996-2001) National Bioethics Advisory Commission (NBAC) (2001-2009) President’s Council on Bioethics (PCBE)

emitindo certificações somente nos casos em que há interesse por parte da instituição em analisar pesquisas com financiamento federal ou nos casos em que a pesquisa resultará em novos medicamentos a serem aprovados pelo FDA.

Nessa separação entre uma esfera consultiva nacional – The President`s Commission for the Study of Ethical Problems – e outra deliberativa local – IRB -, o modelo norte-americano “não protege [...] os pacientes sujeitos de pesquisas, mas sim a instituição e os pesquisadores dessa instituição” (MUHLEN, 1995). Um modelo que exige a aprovação por um IRB de toda a pesquisa realizada com o patrocínio de agências federais ou aquela que resultará em novos produtos a serem comercializados, mas que não define padrões de operação e institucionalização dos mesmos89. Nessa estrutura de operação o modelo norte-americano possibilita a contratação de IRB privados90, uma característica que, somada aos interesses que o FDA possui nas pesquisas analisadas por esses comitês e na agenda de pesquisa clínica nos Estados Unidos, coloca sobre suspeita esse modelo descentralizado de regulação ética que é frágil em relação à sua independência e não possui controle público. (FORTES, 2010).

O modelo de comissão de ética em pesquisa, ou comissão de bioética, separado de comitês locais de regulação ética em pesquisa é característica presente, também, no modelo francês com o CCNF - Comité Consultatif National d`Éthique91- criado em 1983, sendo o primeiro comitê de ética consultivo do mundo.

Formado por 41 membros, sendo o presidente nomeado pelo próprio presidente da República francês, a função maior do CCNF é “réfléchir sur des sujets de société liés à l’évolution des connaissances dans le domaine des sciences de la vie et de la santé92” (CCNF, s/d), por meio da publicação de avis e a da organização de Journées Annuelles d´Éthique.

Na abertura da jornada anual de ética de 1997, o então Presidente da República Francês Jacques Chirac relatou a importância do CCNF:

Graças à criatividade, mas também à serenidade demonstrada diante do exercício da difícil missão que lhes tinha sido confiada, o caminho escolhido pela França para resolver os problemas colocados pelo desenvolvimento das

89 Como explica o site do FDA

http://www.fda.gov/MedicalDevices/DeviceRegulationandGuidance/HowtoMarketYourDevice/Investigat ionalDeviceExemptionIDE/ucm046745.htm (acessado em 20 de Dezembro de 2010).

90 http://www.irbservices.com/irbservices/Home.html (acessado em 20 de Dezembro de 2010). 91

http://www.ccne-ethique.fr/index.php (acessado em 20 de Dezembro de 2010).

92“refletir sobre as questões sociais relacionadas à evolução dos conhecimentos nas ciências da vida e da saúde. ” (CCNF, s/d, p. tradução minha).

ciências da vida serve hoje de modelo. O Presidente Clinton instalou, nos Estados Unidos, uma Comissão Consultiva Nacional de bioética. E para referir o último exemplo ocorrido o Egito acaba de criar um Comitê do mesmo tipo... O Diretor Geral da Unesco, Senhor Federico Mayor, criou um Comitê Internacional de Bioética... A Comunidade Européia se engajou num empreendimento similar, ao criar uma instância consultiva encarregada de identificar as questões éticas colocadas pelos desenvolvimentos das biotecnologias. [...] A ética não é mais um tema de especialistas, nem uma preocupação dos países ricos. Ela diz respeito, daqui por diante, a todas as nações e a todos os cidadãos.” (CHIRAC, 1997 apud CHANGEUX, 1999, p. 12-13).

Esse modelo nacional de conselho consultivo, entretanto, não se relaciona diretamente aos órgãos que regulam a ética em pesquisa, que no caso francês são denominados por CPP93– Comité de Protection de Personnes – criados em 2004 em substituição dos Comité consultatif de protection des personnes dans la recherche biomédicale94. O novo modelo de órgão regulador de pesquisa conta com 14 membros efetivos e suplentes divididos em dois colegiados (MINSITÈRE DE LA SANTÉ E DES SOLIDARITÉS, 2006), incluindo um elemento inovador para o modelo francês: o representante de associações de doenças e de usuários do sistema de saúde95.

Apresentados um seguido do outro, os dois sistemas configuram-se como modelos inversos96. Enquanto nos Estados Unidos os IRBs foram criados em 1974 e a atual The Presidential Commission for the Study of Bioethical Issues em 2009, o caso francês apresenta a mais antiga Comissão Consultiva Nacional de Ética, de 1983, e um modelo de órgãos de controle de ética em pesquisa recém reformulado.

Podem ser encontrados outros sistemas nacionais de regulação de ética em pesquisa, alguns exemplos são o National Council on Ethics in Human Research97, no Canadá, ou o National Research Ethics Service98 do Reino Unido. Coube então a cada país criar as suas normas regulatórias em pesquisa e o seu tipo de comitê de ética; e a resposta brasileira foi dada em 1988 com a “Resolução n.º 1/88, em complementação aos documentos internacionais.” (HOSSNE, 2003, p. 10).

93 As referências encontradas nas consultas restringem-se ao Avis n°13 de 1988 e o Avis n°29 de 1992. 94 http://www.recherche-biomedicale.sante.gouv.fr/pro/actualite/actualite.htm (acessado em 20 de Dezembro de 2010).

95

http://www.trt-5.org/article186.html (acessado em 20 de Dezembro de 2010).

96 Uma análise comparativa dos modelos de regulação em pesquisa entre Alemanha, Argentina, Brasil, Chile, Espanha, França e México foi realizada pela Eulabor - European and Latin American Ethical Regulation Systems of Biomedical Research e podem ser encontrados no site http://www.eulabor.org/en/index.html.

97

http://www.ncehr-cnerh.org/en/ (acessado em 20 de Dezembro de 2010).

98

Essa primeira norma de pesquisa em saúde, produzida dentro do Conselho Nacional de Saúde99, abrangia em seus XV capítulos temas como pesquisa em seres humanos, em tecidos e órgãos, em menores de idade, pesquisa farmacológica, pesquisa com isótopos radioativos, assim como estabelecia parâmetros de graus de risco das pesquisas e toxicidade das substâncias utilizadas nelas.

Nessa resolução de 1988, os comitês de ética em pesquisa estavam associados às instituições de saúde credenciadas pelo Conselho Nacional de Saúde, ou seja, eles eram criados e controlados pelas próprias instituições das quais faziam parte.

Dessa forma,

a Resolução n.º 1/88 [...] mesclou questões de natureza ética, com problemas de Vigilância Sanitária e de biossegurança. Infelizmente, houve pouca adesão à regulamentação nela contida. Assim, em 1992, levantamento realizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostrou ser ínfimo o número de centros de pesquisa médica que obedeciam ao disposto na Resolução.

Vale lembrar, a propósito, que a Resolução n.º 1/88 assumia haver paralelismo

direto entre nível de pesquisa e adequação ética, ao estipular os “privilégios”

para as pesquisas realizadas em Centros de Pós-Graduação com “Conceito A

pela CAPES”. Na realidade, a experiência mundial, lamentavelmente não

consagra esse ponto de vista. (HOSSNE, 2002, p. 8).

Com essa avaliação da inadequação da Resolução n°1/88, tornou-se necessária a criação de um sistema mais efetivo de controle das pesquisas científicas no Brasil.

2.4. Um novo modelo de controle social da pesquisa científica: O Sistema