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CAPÍTULO 1. UMA ANTROPOLOGIA DA ÉTICA EM PESQUISA

1.2. Uma antropologia da ciência

Como poderíamos refletir sobre a produção do conhecimento científico contemporâneo com o auxílio de uma disciplina que se constituiu na tentativa de compreender o exótico e o primitivo? No séc.XX, a ascensão dos estudos da

28É importante ressaltar que a Resolução CNS196/96 é pronunciada como ‘um nove e meia’ e não ‘cento

antropologia das sociedades complexas advogou o método antropológico como ferramenta importante na compreensão da nossa própria cultura.

Entretanto, poderia a antropologia auxiliar na compreensão de um fenômeno como a aventura da produção da ciência de nossa pesquisadora? Se considerarmos esses temas como centrais ao mundo contemporâneo a resposta é positiva, pelo menos essa é a posição de pesquisadores dos estudos sociais da ciência como Bruno Latour que propõe uma antropologia do centro realizada por meio da etnografia (LATOUR, 1994). Para o autor, ao invés de se ater às características pitorescas do mundo ocidental, os antropólogos deveriam investigar além das margens da sua própria cultura (LATOUR, 1994, p. 100) do mesmo modo como o fazem em outros povos, tencionando

“reconstituir, seu sistema de crenças, suas técnicas, suas etnociências, seus jogos de poder, suas economias, em suma, a totalidade de sua existência.” (LATOUR, 1994, p.

99-100). Essa defesa pela reconstituição da vida nativa por meio da descrição é um argumento de Latour que remete ao clássico da investigação antropológica tal como ele foi proposto por Bronislaw Malinowski em 1922 (MALINOWSKI, 1984). No capítulo de introdução d´Os argonautas do Pacífico Ocidental, Malinowski defende que o estudo de uma cultura deveria compreender não apenas o esqueleto, mas também a sua carne, o seu sangue e o seu espírito. Tal estudo deveria ser conduzido por meio de

“mergulhos na vida nativa (...) [que permitem] uma compreensão mais fácil e

transparente do comportamento nativo e de sua maneira de ser” (MALINOWSKI, 1984, p. 31-32). Uma prática de imersão nas atividades sociais nativas que deveria ser registrado sistematicamente no diário etnográfico. Essa combinação de elementos é o que veio a ser denominada ‘Observação participante’, metodologia por meio da qual o antropólogo produz a sua magia do etnógrafo (MALINOWSKI, 1984, p. 20).

Dessa forma, a proposta de Latour é a de utilizar a ‘magia do etnógrafo’ no aspecto central do mundo contemporâneo: a ciência. Mesmo se fizermos a devida ponderação e questionarmos: “dimensões centrais para quem?” (GOLDMAN, 2006, p. 36); para quais grupos contemporâneos a ciência possui caráter central? Vários trabalhos a partir do final do séc. XX se perguntam em que medida é possível realizar uma antropologia da ciência da nossa própria sociedade.

No contexto brasileiro, a antropologia da ciência permanece como um campo difuso de pesquisadores e trabalhos que, dependendo do interlocutor, abriga trabalhos como a antropologia da antropologia brasileira, realizada por Mariza Peirano em 1991, (PEIRANO, 2009) ou investigações antropológicas debruçadas em eventos históricos

como na análise de instituições e cientistas na virada do séc. XIX para o séc. XX, realizada por Lilia Schwarcz em 1993 (SCHWARCZ, 1993). Apesar de versarem sobre o fazer científico, esses trabalhos não advogavam uma nomenclatura específica de

‘antropologia da ciência’, uma particularidade que, no início desse século, começa a ser

definida e advogada29. Essa delimitação da antropologia da ciência no séc. XXI está intimamente relacionada à difusão dos estudos sociais da ciência no Brasil (SAUTCHUK, 2010), e à percepção de uma grande influência dos trabalhos de Latour (2000; 1994) em relação aos outros pesquisadores dos estudos sociais da ciência (SAUTCHUK, 2010; TEIXEIRA, 2001).

E dessa forma, seguindo a proposta de Latour exposta acima, advoga-se uma antropologia da ciência como sendo aquela capaz de realizar uma descrição da vida nativa – a dos cientistas - e dos seus elementos imponderáveis obtidos por meio da observação sistemática do seu fazer científico cotidiano. Seguindo esse princípio metodológico descritivo, a etnografia da ciência traria dados obtidos por meio da imersão na vida de pessoas que produzem ciência, uma série de informações que, associadas ao crescente prestígio que a etnografia enquanto ‘ferramenta’ de pesquisa – research tool - vem conquistando30 (RILES, 2006), poderia acrescentar corpo, sangue e alma a uma atividade que normalmente só se conhece o esqueleto, mas que provoca grandes mudanças no cotidiano de diversas populações. Dessa forma, a etnografia da ciência poderia auxiliar na compreensão do estatuto científico contemporâneo ao evidenciar as negociações e incertezas presentes nessas atividades que normalmente são imaginadas como frias e sem paixões (LATOUR, 2000).

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Como será visto abaixo, mas em outro contexto, a variação das nomenclaturas sob a qual antropólogos produzem suas reflexões é um dado importante para perceber como as questões são delineadas em dado grupo.

30O ‘método etnográfico’, ou a ‘etnografia’, ganha prestígio em inúmeras áreas do conhecimento como

metodologia ‘científica’ de coleta de dados. Como lembra Annelise Riles ao introduzir a coletânea

Documents Artifacts of Modern Knowledge (RILES, 2006):

From cinema to advertising, management studies, and even military and police science, ethnography is enjoying something of a renaissance. Across the social and human sciences, the arts, and the professions, ethnography excites, provokes, and intrigues. In the academy in particular, in disciplines from Law, sociology, and economics to literary criticism, scholars are turning to ethnographic work as a way out of overdetermined paradigms, as a theoretically sophisticated antidote to the excess of theory. (RILES, 2006, p. 1).

A referência de mercado e academia de Riles são os Estados Unidos do fim do século XX, mas o interesse pela etnografia – mais do que pela teoria e discussões antropológicas – possui semelhanças com o quadro brasileiro contemporâneo. Em ambos os casos, a etnografia está normalmente associada às metodologias de pesquisa qualitativa: grupos focais, entrevistas de profundidade e análise do discurso (MINAYO, 2005; MORGAN, 1997), as implicações dessa associação e o tratamento da etnografia como metodologia em outras áreas de conhecimento serão tratados no cap. 3.

Entretanto, o trato da ciência como tópico investigativo dentro das ciências humanas não tem início com a etnografia dos cientistas e de suas práticas por parte dos antropólogos, e deixar de observar os estudos que precederam a entrada da antropologia nessa linha de investigação confunde uma possível leitura de certas características advogadas como específicas à antropologia da ciência em relação às outras ciências humanas. Como lembra Octávio Bonet em sua etnografia entre estudantes de medicina (BONET, 2004, p. 23), a etnografia da ciência está intimamente associada a um campo interdisciplinar comumente denominado como Ciência, Tecnologia e Sociedade (STS). Dentro desses estudos interdisciplinares, aos antropólogos coube uma atividade específica e complementar a de filósofos, historiadores e sociólogos da ciência, o desafio de compreender como se dá a produção do conhecimento em laboratório e no cotidiano dos cientistas por meio do seu instrumento privilegiado: a etnografia.

Esse é um ponto importante a ser frisado, para os antropólogos da ciência a sua

especificidade reside na ‘magia do etnógrafo’, e

supõe o método etnográfico, que surpreende a ciência em ação, ao contrário da tradição de estudos sociais e históricos que se debruçam sobre os chamados fatos estabelecidos, isto é, os objetos já prontos de uma Ciência que aparece no maiúsculo. (SÁ e MARRAS, 2005, grifos meus)

Nesse movimento de ‘surpreender a ciência em ação’ os estudos da antropologia

da ciência acabam deixando de fora do escopo de seu interesse imediato o estudo de como a ciência é compreendida ou dotada de sentidos por não-cientistas, e concentra as suas investigações na observação e descrição das práticas científicas dentro dos laboratórios, lócus privilegiado para compreender como se produz o conhecimento. Em uma breve revisão dos recentes estudos da antropologia da ciência e técnica, Carlos Sautchuk aponta para essa particularidade da produção nacional ao investigar a ciência em ação, segundo o autor:

É a partir deste tipo de convicção que se instaura o que podemos chamar de outra fase da abordagem da ciência entre antropólogos brasileiros, associando Antropologia da ciência e etnografia de laboratório. (SAUTCHUK, 2010, p. 113. grifos meus).

Esse tipo de associação entre antropologia da ciência e a etnografia de laboratório parece se sustentar numa imagem exótica do laboratório, como a de um

território desconhecido31. E desse modo, a etnografia e a presença do antropólogo no laboratório seriam os métodos necessários para ‘abrir a caixa-preta’ da produção do conhecimento por meio da observação da ciência em construção e dos cientistas em ação32 (LATOUR, 2000).

Inserido dentro de contextos interdisciplinares, os trabalhos de antropologia da ciência são definidos sob diferentes termos dependendo da tradição da produção local, e que, apesar da multiplicidade dos termos, parecem compartilhar dois pressupostos específicos do que seja a ciência, como caracterizado por Terry Shinn e Pascal Ragouet na obra Controvérsias sobre a ciência (2008). Segundo esses dois sociólogos, os trabalhos em sociologia da ciência poderiam ser divididos entre os diferencionistas e os antidiferencionistas. E nesse momento, nos ateremos um pouco mais sobre essa divisão, dado uma peculiaridade nos argumento dos autores e que se encontra em outras demarcações epistemológicas que serão observadas ao longo da nossa pesquisa.

Para Shinn e Ragouet (2008), a visão diferencionista pressupõe uma esfera da ciência separada da sociedade. Dessa forma, não seria possível realizar uma análise sociológica de enunciados teóricos e descobertas científicas já que essa tarefa caberia aos epistemólogos e filósofos da ciência. Nessa divisão do trabalho intelectual, aos sociólogos caberia analisar os fatores sociais que poderiam influenciar na institucionalização da atividade científica, mas não na ciência que existiria em uma esfera separada da sociedade33. Na visão diferencionista, segundo a caracterização proposta por esses autores, encontram-se os trabalhos seminais de Merton e os

31 Essa não parece ser uma peculiaridade ao campo da antropologia da ciência, como pode ser um elemento comum aos estudos sociais da ciência contemporâneo. Em um artigo crítico sobre a historiografia da biomedicina, Ilana Löwy descreve que o recente interesse nas práticas de laboratório,

instrumentos e habilidades técnicas, o chamado ‘practice turn’ das investigações na história da

biomedicina mudou a agenda da pesquisa para dentro dos laboratórios, dessa forma

Historians of present-day biomedicine tend to be more interested in laboratories than in

doctors’ surgeries and hospital wards, though there are important exceptions to this

rather hasty generalization, especially among historians who investigate the reception of medical innovations. But generally we now know much more about biomedical

“laboratory life” than about the life of the clinics. (LÖWY, 2011, p. 121-122)

32

Como observa Teixeira (TEIXEIRA, 2001), essa obra de Bruno Latour se diferencia das publicações do autor traduzidas até 2001 por não se basear em uma etnografia própria, mas na utilização de outros relatos. Dentro dos casos apresentados por Latour, a utilização da obra A dupla Hélice escrita por James Watson, um dos desenvolvedores do modelo de dupla hélice do DNA, é a que abre o livro. Descrições e relatos

dos próprios cientistas ‘nativos’ são elementos melhor analisados mais a frente com o intuito de

compreender os limites da abertura da caixa-preta e explicitação das associações realizadas por cientistas. 33 Uma divisão intelectual do trabalho similar a encontrada por Eduardo Viana Vargas ao estudar as

‘drogas’, de um lado os cientistas humanos que se debruçavam sobre os aspectos sociais do uso de substâncias consideradas como ‘drogas’ e de outro os cientistas biomédicos interessados em analisar os

realizados a partir de suas análises do desenvolvimento e institucionalização da prática científica, assim como os estudos que elaboraram ferramentas de análise do impacto das publicações científicas.

Constituída de forma crítica aos pressupostos inerentes às análises diferencionistas, os estudos agrupados dentro da visão antidiferencionista sustentam que a ciência não se conformaria separada da sociedade e que seria um elemento da mesma 34 . Ao questionar a divisão entre ciência e sociedade, os estudos antidiferencionistas também propunham o fim da divisão do trabalho intelectual que perdurava entre sociólogos e filósofos da ciência. Um pressuposto presente nas análises dos fatos científicos de Thomas Kuhn em sua obra A estrutura das revoluções científicas (KUHN, 2006), ao evidenciar que

Diversos filósofos contemporâneos descobriram contextos importantes nos

quais o normativo e o descritivo estão inextricavelmente misturados. O ‘é’ e o ‘deve’ não estão completamente separados como pareciam. (KUHN, 2006, p.

257).

Dessa forma, ao invés de dividir os temas de investigação entre os sociólogos que estudam fatores sociais e os filósofos que investigam os fatores cognitivos e lógicos, esses estudos apontam para a necessidade de se observar os processos empíricos por

meio dos quais os ‘fatos científicos’ são aceitos e validados.

É dentro dessa caracterização da visão antidiferencionista que os trabalhos de antropologia da ciência se concentram. Para a Shinn e Ragouet o limite dessa abordagem é evidente dada a sua característica: “descritiva, empiricista, não causalista e não reflexiva” (SHINN e RAGOUET, 2008, p. 99). Segundo a crítica desses autores, os estudos antidiferencionistas seriam uma sociologia descritiva, e, sobretudo na teoria- do-ator-rede proposta por Bruno Latour (2005), uma forma específica de empirismo sem sistema lógico-dedutivo, mas somente uma linguagem de descrição (SHINN e RAGOUET, 2008, p. 101), e que como pano de fundo, esses estudos possuem

uma visão global do mundo social como espaço agonístico, no seio do qual se enfrentam concepções incomensuráveis da realidade e onde as vitórias são obtidas graças ao poder, quando ocorrem relações de negociações. Ainda que mascarado pela arte da descrição hiper-realista, esse pano de fundo ideológico não deixa de estar menos presente, manifestando-se aqui e ali, principalmente no estudo das controvérsias científicas. (SHINN e RAGOUET, 2008, p. 103)

34 Como aponta Simon Schartzman (1994, p. 177) esta é uma “característica geral da nova sociologia da ciência, que, ao contrário dos positivistas do passado, que queriam que as ciências sociais fossem tão

‘hard’ quanto as ciências naturais, prefere defender a tese oposta, ou seja, de que as ciências naturais são tão ‘soft’ quanto as ciências do homem.”

A crítica desses dois autores à visão antidiferencionista se concentra na teoria- do-ator-rede (LATOUR, 2005). Entretanto, nesse momento, não nos deteremos nas possíveis contra-argumentações de Bruno Latour desenvolvidas em Reassembling the Social35 (LATOUR, 2005), mas é evidente que o incômodo maior que a antropologia da ciência parece despertar em Shinn e Ragouet é a característica de que

Para os representantes da nova sociologia da ciência, a questão do aumento na generalidade não é um problema real. O fato de escolher um só caso de estudo, sem qualquer questão sobre sua exemplaridade, não os impede de falar da atividade científica em geral e desenvolver proposições que parecem valer para a ciência. (SHINN e RAGOUET, 2008, p. 110).

De acordo com a crítica posta por esses autores, essa extrema delimitação em um único estudo de caso impede que os autores antidiferencionistas percebam a limitação do seu estudo, dada a impossibilidade de observar ‘os objetivos distantes dos pesquisadores, as restrições institucionais que não são imediatamente apreensíveis e observáveis do ponto de vista do etnógrafo de laboratório’ (SHINN e RAGOUET, 2008, p. 111). Desse modo, parece que para Shinn e Ragouet, incomoda a presença do etnógrafo de laboratório como autoridade competente para discorrer e refletir sobre a ciência a não ser de forma extremamente contextual e em seus fatores sociais.

A polêmica, então, não se estabelece somente como uma ‘controvérsia sobre a

ciência’, como propõe o título do livro (SHINN e RAGOUET, 2008), mas inclui o

questionamento da validade do método descritivo antropológico e da investigação de casos e localidades específicas. Shinn e Ragouet criticam os estudos antidiferencionistas e defendem que o

projeto de uma sociologia da ciência [...] é tornar inteligíveis as dinâmicas sociais em operação na elaboração dos conhecimentos científicos, mas, igualmente, esclarecer as condições que permitem aos cientistas neutralizar os fatores sócio-cognitivos suscetíveis de pesar sobre o livre exercício da racionalidade crítica. (SHINN e RAGOUET, 2008, p. 163).

Para os autores, uma sociologia da ciência pertinente seria aquela que elencasse uma série de fatores sociais e cognitivos que impedem o desenvolvimento científico.

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Tanto a obra Controvérsia sobre a ciência (SHINN e RAGOUET, 2008), quanto a obra Reassembling

Dessa forma, além da crítica aos estudos da nova sociologia da ciência36, Ragouet e Shinn (2008) delineiam o que deve ser feito e prescrevem a atividade do sociólogo da ciência: explicar a realidade social. E assim, os autores parecem reatualizar uma controvérsia epistemológica de longa data na história das ciências37.

Essa discussão, entretanto, necessita de uma pausa. Da forma como ela foi apresentada até o momento, a discussão entre diferencionistas e antidiferencionistas limita-se ao laboratório como lócus central da produção do conhecimento científico38. Nesse ponto seria melhor retornarmos junto ao nosso homen de sciencia contemporâneo - a jovem pesquisadora - que ainda estava longe dos laboratórios e da produção de ciência e em meio a papéis e formulários para conseguir sua ética em pesquisa.

Retomemos, então, o exercício de acompanharmos nossa pesquisadora em sua aventura de realizar pesquisa no Brasil, quando ela saía cabisbaixa da sala do Comitê de Ética. Vale lembrar que após ter feito o seu cadastro na Plataforma SISNEP, impresso a Folha de Rosto, os projetos e os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) com suas devidas assinaturas e carimbos, a funcionária do CEP não aceitou o TCLE39 já que esse tinha o número de telefone desatualizado.

De volta ao centro de pós-graduação, sentada em frente a um dos computadores, nossa pesquisadora troca alguns números no Termo de Consentimento, atualizando o telefone no arquivo de texto. Ao conversar com um colega de pós-graduação sobre a ida

36 As críticas postas pelos autores são pertinentes e serão desenvolvidas nos capítulos que seguem. Sobretudo no tratamento da descrição e da etnografia como sinônimos em grande parte dos estudos

antidiferencionistas.

37 Basta retomar os argumentos postos pela Igreja Católica na Idade Média à Galileu quando da publicação dos Diálogos sobre os grandes sistemas do mundo ptolomaico e copernicano em 1632. Trata- se de um dos eventos mais emblemáticos da história da ciência européia e que é sempre retomado quando se pretende ilustrar a necessidade da liberdade científica. Galileu, além de ter comprovado a Revolução Copernicana e o heliocentrismo, enganou os censores católicos para obter o seu imprimatur dizendo que suas idéias eram hipóteses, defendendo, entretanto, a realidade do heliocentrismo e não simplesmente um

meio de ‘salvar’ os fenômenos (HELLMAN, 1998), ou seja, uma ferramenta hipotética para gerar

cálculos e descrições. Apresentar idéias como hipóteses é o que Copérnico fez quando propôs o

heliocentrismo no ‘De Revolutionibus Orbitum Coelestium’ em 1543. Na introdução da obra, o clérigo Andreas Osiander explicava aos leitores que “não é necessário que essas hipóteses sejam verdadeiras e nem mesmo verossímeis, bastando apenas que forneçam cálculos que concordem com as observações”

(OSIANDER, 1980) uma vez que a realidade só poderia ser concebida por Deus.

38 Parte da inovação na análise da ciência proposta por Shinn e Ragouet (2008) está na necessidade de se observar as pesquisas desenvolvidas fora dos meios acadêmicos e fora dos arranjos disciplinares, quando as pesquisas são patrocinadas por empresas privadas e desenvolvidas com objetivos específicos de criar artefatos instrumentais genéricos, o que eles denominam como sendo o regime transversal da produção e difusão científica (SHINN, 2008).

39 O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é um dos elementos centrais ao Comitê de Ética, como

será percebido ao longo das descrições, e a sua pronúncia ‘correta’ é necessária, a sigla TCLE é

ao CEP, nossa pesquisadora relata que o TCLE tinha sido rejeitado e precisaria ser refeito, para surpresa da nossa pesquisadora a resposta de seu colega é imediata.

Ah, faltou o ‘você está sendo convidado’, né? O meu TCLE voltou por causa disso também. É uma burocracia...

Receosa de ver o seu projeto rejeitado outra vez e atrasar ainda mais a sua pesquisa, nossa pesquisadora aceita as dicas do colega. Número do telefone atualizado e a expressão no gerúndio inserida logo na primeira frase do TCLE, ela retorna no outro dia para finalmente conseguir dar a entrada do seu projeto para a avaliação da ética em pesquisa científica.

Dessa vez a funcionária já reconhece nossa pesquisadora que ao sentar-se à mesa