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5. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

5.6. RELAÇÃO BILATERAL ENTRE O BRASIL E A CHINA

No início de 2000 o Brasil e a China formalizaram um acordo em que a China seria apoiada para uma posição de membro na OMC em troca de redução de algumas tarifas existentes sobre as importações do Brasil (DE MIRANDA, 2007). A adoção de um regime comercial de livre comércio pelo Brasil também promoveu um aumento no comércio. Na última década, o comércio bilateral entre o Brasil e a China continuou a crescer consideravelmente.

Em 2009, a China foi o destino de US$ 20,2 bilhões de exportações brasileiras, a maioria dos quais sob a forma de produtos agrícolas e minerais não processados. A China ultrapassou os EUA para se tornar o maior parceiro comercial do Brasil. Esta foi uma mudança histórica, já que os EUA foram o principal parceiro comercial do Brasil desde a década de 1930. Embora

35 seja provável que seja temporário, dada a fraqueza excepcional da economia dos EUA nesse ano, é uma indicação da grande importância que o mercado chinês tem agora para os exportadores brasileiros de commodities (BROWN-LIMA, 2010).

A China começou a olhar para o exterior para fontes externas de alimentos em meados da década de 1990, quando ficou claro que a capacidade de produção do país para alimentos, especialmente produtos de carne, era insuficiente para atender a demanda crescente. Ao avaliar qual mercadoria importar, a soja tem mais sentido econômico em um país com uma escassez significativa de terras agrícolas, uma vez que o milho possui maior rendimento por hectare (WILSON, 2010). A importação de soja brasileira por volume aumentou 9 vezes em relação a 2000 e 2010. Em 2000, a China era o destino de 16% (1,8 milhões de toneladas) de soja total do Brasil exportar. Em 2009, a China importou 56% (15,9 milhões de toneladas) das exportações totais de soja do Brasil. Para entender a relação comercial da soja entre o Brasil e a China, é necessário compreender a evolução da capacidade de produção e exportação de soja do Brasil, bem como a evolução da demanda chinesa de soja (BROWN-LIMA, 2010).

Assimilando a perda relativa de poder dos EUA e a ascensão de outras potências importantes, em especial a China, o comportamento externo brasileiro atual tem partido da hipótese da possibilidade de um mundo mais multipolar. No final do governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), evidenciou-se um reforço no unilateralismo na política externa norte-americana e, desde então, o Brasil vem buscando universalizar mais suas relações, intensificando parcerias com países em desenvolvimento, criando as condições para uma geopolítica mais multipolarizada, onde o unilateralismo dos EUA seja relativo e o Brasil tenha mais oportunidades de influência nos processos de tomada de decisão internacionais.

Aumentando a reciprocidade de ganhos entre o Brasil e as estruturas externas da ordem internacional, objetiva-se diminuir a vulnerabilidade do país (CERVO, 2008; VIGEVANI;

CEPALUNI, 2007; LIMA, 2005; PECEQUILO, 2008).

Observa-se que a China possui como um dos pressupostos primários de sua política externa a multipolarização do mundo, objetivando evoluir para um ambiente internacional mais favorável para a realização dos seus interesses (DENG, 2008). É importante lembrar que desde o fim da década de 1970 o país tem implantado uma série de reformas graduais, tornando o seu perfil de inserção internacional mais pragmático e universalista. Ao observar os interesses chineses, acredita-se que a dominância ocidental (isto é, dos EUA e seus principais aliados) tenha de ser relativizada, a fim de possibilitar ao país asiático assegurar regras e normas internacionais mais favoráveis, defendendo o multipolarismo, um processo que pluraliza as

36 estruturas de decisão e acaba por contribuir no fortalecimento da posição chinesa (CLEGG, 2009).

Desse modo, tanto o Brasil quanto a China têm defendido reformas em instituições internacionais, buscando conquistar maior poder de decisão aos países em desenvolvimento, grupo de países do qual ambos se consideram representantes. Há a percepção de que, embora diferentes, as estratégias internacionais almejadas por Brasil e China venham se reforçando mutuamente, compartilhando aspectos comuns em suas políticas externas, com destaque para a defesa do multipolarismo e uma maior importância decisória para os países em desenvolvimento (SOUSA, 2016).

O Brasil e China participaram conjuntamente, na década de 2000, do G-20 da OMC, do G-8+5, do G-20 financeiro, nos BRICS e no BASIC. Apesar das diferenças substanciais de posicionamento em algumas áreas, o relacionamento multilateral expressou a tentativa conjunta de criar um mundo mais multipolar em que os países em desenvolvimento tivessem maior poder para decidir os desígnios da ordem internacional.

Os EUA mantiveram por 80 anos a posição de proeminência nas parcerias comerciais do Brasil, seguidos pela Europa e pela Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).

Em 2009 a China alcançou o posto principal, evidenciando a relevância das relações com a RPC para a diversificação das parcerias externas brasileiras. Foi somente a partir da década de 2000, por causa da crescente relação comercial com a China, que o Brasil conseguiu alternar essas parcerias. (OLIVEIRA, 2012). Ao permitir a diversificação das relações internacionais do país, a China acabou contribuindo para que o Brasil alcançasse maior poder de barganha nas negociações com seus parceiros tradicionais, como os EUA e a UE (ROSALES, KUWAYAMA, 2013).Argumenta-se também que a interdependência que o Brasil construiu com a economia chinesa nos últimos anos foi essencial para amenizar os impactos da crise mundial de 2008 na economia brasileira (PAULINO, 2011).

Já o projeto chinês de inserção internacional busca garantir a obtenção de recursos naturais (energéticos, alimentícios e minerais) e a ampliação de mercado para as exportações de manufaturados. No decurso de crescimento da economia chinesa nas últimas décadas, o regime político chinês passou a ter a sua credibilidade atrelada à perpetuidade do mesmo, fazendo com que o programa de sustentação do crescimento econômico se tornasse a responsabilidade central dos líderes do Partido Comunista Chinês (PCC) para o desenvolvimento do país (ALVES, 2011; LEITE, 2011; AZEVEDO, 2011).

37 Ainda na esfera bilateral, embora os saldos comerciais terem sido favoráveis para o Brasil na maior parte do tempo na década de 2000 e, caracterizando a magnitude da China na pluralização das parcerias externas brasileiras, o paradigma comercial criado entre os países – onde o Brasil vende bens primários e compra manufaturados – tem sido motivo de preocupação de setores da economia e do próprio governo brasileiro. Alega-se que o padrão de consumo chinês estaria estimulando demasiadamente a economia brasileira em direção à produção de produtos primários, levantando a dúvida de que as relações com a China, ao invés de fortalecerem a inserção internacional brasileira, estariam contribuindo a médio e longo prazo para o seu declínio, propagando economicamente as relações Norte-Sul (SOUSA, 2016).

Tal apreensão é fundamentada ao observar que o Brasil tem se destacado nas vendas internacionais de produtos primários, especialmente os agrícolas, os minerais e do setor de energia, e a China na venda de produtos manufaturados e compra de bens primários. Destaca-se que a maior parte das importações chinesas é de produtos industrializados, entretanto com países da África e da América Latina é comum a RPC comprar mais produtos primários.

(BARBOSA; MENDES, 2008).

O setor de recursos naturais pode ser pensado como um tipo particular de fabricação:

um setor que aflui rapidamente para a fronteira global, que utiliza tecnologia importada, porém tem pouca capacidade de absorver o trabalho, já que é altamente capitalizado e intensivo em mão de obra e que, além disso, as suas ligações a montante e a jusante são na maioria dos casos fraca e, portanto, produziriam poucos transbordamentos para o resto da economia (RODRIK, 2013). Poucos países conseguiram colocar a sua riqueza de recursos para o bom uso no longo prazo. Dentre esses países, cita-se a Austrália e Nova Zelândia, que são terras de colonização recente, sendo que uma das razões para o aproveitamento razoável desse benefício foi a presença de boas instituições públicas desde o início (ACEMOGLU, JOHNSON E ROBINSON, 2001).

É importante frisar que o Brasil não deixou de produzir e exportar bens manufaturados e semimanufaturados. A questão, como mostra o gráfico 12, é a de que estamos caminhando para uma economia em que sua base está calcada na exportação de recursos naturais. Observa-se que a exportação de bens primários (alimentos, metais, produtos minerais, vegetais e animais) teve um aumento significativamente mais expressivo que produtos semimanufaturados e manufaturados (transportes, máquinas/eletrônicos, químicos), na participação da pauta exportadora brasileira, entre 1997 e 2015. O crescimento da exportação

38 de bens básicos se deve, principalmente, à maior aproximação comercial com a China, como apresentado no gráfico 5.

Gráfico 12: Exportações brasileiras para o mundo, de 1997 a 2015.

Fonte: The Atlas of Economic Complexity (2017). Adaptado pelo autor.

O gráfico 13, elaborado a partir de dados da série histórica de exportação de produtos brasileiros classificados quanto à intensidade tecnológica, do MDIC (2017), confirma a especialização da economia brasileira em produtos primários. Os produtos não classificados quanto à intensidade tecnológica, ou seja, produtos básicos (englobando agricultura e pecuária, minerais, produção florestal, pesca e aquicultura, petróleo e gás natural, carvão mineral, entre outros), cresceu mais do que produtos da indústria de transformação de baixa, média ou alta tecnologia.

O segundo maior crescimento nas exportações corresponde à produtos de baixa intensidade tecnológica (produtos alimentícios como suco de laranja e açúcar, produtos de couro, celulose e papel, fumo, madeiras e móveis, produtos da indústria têxtil, entre outros).

Em terceiro tem-se os produtos de média-alta intensidade tecnológica (veículos automotores, US$

39 produtos da indústria química, e diversos tipos de máquinas e aparelhos). Em quarto os produtos de média-baixa intensidade tecnológica (metalurgia, borracha e plásticos, metais, derivados de petróleo e combustíveis e embarcações navais). Por fim os produtos de alta intensidade de tecnológica, como as aeronaves, equipamentos eletrônicos e ópticos, e produtos da indústria farmacêutica.

Gráfico 13: Exportações brasileiras para o mundo quanto à intensidade tecnológica.

Fonte: MDIC (2017). Elaboração do autor.

Se, para alguns, há a percepção de reforço mútuo de ambos países nos projetos de inserção internacional, para outros as relações com a China se apresentam como uma armadilha, dadas as dependências e assimetrias criadas (BARBOSA; MENDES, 2008). Mesmo classificando Brasil e China como grandes países emergentes, as diferenças entre eles são gritantes. O Brasil busca a diplomacia multilateral com intuito de lidar com suas debilidades, possuindo menos oportunidades de alcançar os seus objetivos se contar apenas com os próprios recursos de poder. O apoio da China dá um peso maior às demandas brasileiras, entretanto é necessário explicitar que quanto mais importância a política externa brasileira concede a iniciativas em que a participação chinesa é fundamental, mais se evidencia a criação de uma interdependência assimétrica com a China. Apesar da relativa importância do Brasil para a

0 20.000.000.000 40.000.000.000 60.000.000.000 80.000.000.000 100.000.000.000 120.000.000.000

PRODUTOS DA INDUSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO DE BAIXA TECNOLOGIA PRODUTOS DA INDUSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO DE MEDIA-ALTA TECNOLOGIA PRODUTOS NÃO CALSSIFICADOS QUANTO À INTENSIDADE TECNOLÓGICA PRODUTOS DA INDUSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO DE MEDIA-BAIXA TECNOLOGIA PRODUTOS DA INDUSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO DE ALTA TECNOLOGIA

US$

40 China, nada se compara à importância que a China tem para o Brasil no contexto atual (SOUSA, 2016).

A despeito das relações do Brasil com a China serem caracterizadas pela interdependência assimétrica, dado que a China controla mais recursos de poder e possui uma vulnerabilidade menor que o Brasil, essas relações produziram ganhos capazes de fortalecer o projeto brasileiro de inserção internacional, tanto na esfera financeira (FMI e Banco Mundial), como na esfera comercial (Rodada Doha). O diálogo multilateral por meio do BRICS, fundamentado em noções de democracia e representatividade, também contribuiu para um papel de maior destaque para o Brasil no cenário externo. As relações Brasil-China tornaram o projeto brasileiro de inserção internacional mais robusto, permitindo que Brasil contestasse questões da ordem internacional que eram prejudiciais à inserção internacional brasileira, agregando peso nas demandas brasileiras e auxiliando o Brasil a reduzir sua vulnerabilidade, aumentando a mutualidade entre as estruturas internacionais de poder em relação ao país (SOUSA, 2016).

Apesar do padrão de comércio norte-sul, as transações bilaterais produziram saldos positivos para o Brasil na maior parte do tempo, sendo essencial para que o país reduzisse sua vulnerabilidade frente a crise de 2008, e aumentasse a sua autonomia, propiciando a diversificação de parcerias e uma maior independência em relação aos parceiros tradicionais (SOUSA, 2016).

Dados do MDIC indicam que os saldos continuaram positivos para o Brasil, em 2013 foi de US$ 8,7 bilhões, em 2014 de US$ 3,2 bilhões e em 2015 de 4,8 bilhões. A pauta de exportações brasileira se manteve centrada em poucos produtos, sendo os três primeiros a soja, o minério de ferro e o petróleo. Em relação às importações procedentes da China continuaram em esferas de maior valor agregado, sendo os dois grupos de produtos mais importados as

“máquinas, aparelhos e materiais elétricos e suas partes” e as “máquinas e aparelhos mecânicos e suas partes”. A China prosseguiu sendo a maior parceira comercial brasileira, enquanto o Brasil é o 8º parceiro chinês (SOUSA, 2016).

Em 2014 o presidente chinês Xi Jinping, em visita de Estado ao Brasil, fechou 56 atos entre os países. A presidenta Dilma procurou, prioritariamente, pleitear investimentos chineses para serem injetados em infraestrutura nos setores ferroviários, portuários e aeroviários, convidando a China a estimular suas empresas a se envolverem nos sistemas de licitação e concessão que o governo abriria.

41 Já em 2015, na visita do primeiro-ministro chinês Li Keqiang ao Brasil, mais de 35 acordos foram fechados entre os países que, se efetivados, gerarão investimentos chineses na ordem de US$ 53 bilhões no Brasil. Dentre eles destacam-se: um projeto ferroviário transcontinental, conjecturando uma ligação ferroviária entre Brasil e Peru; um acordo entre o governo do Mato Grosso do Sul, o CDB e o Grupo China BBCA para processamento conjunto de soja e milho; um protocolo de colaboração entre o MAPA e AQSIQ para a exportação da carne bovina brasileira, entre outros. Esse último indica a abertura do mercado chinês para a carne bovina brasileira, praticamente de forma imediata 8 frigoríficos brasileiros puderam retomar as exportações para a China, o que se refletiu em um aumento das vendas (SOUSA, 2016).

A partir de 2011 o país passou a crescer a uma taxa média menor que o mundo e a perder saldos comerciais, fechando o ano de 2014 com déficit na balança comercial. Apesar da recuperação do saldo em 2015 a pauta geral de vendas continuou na esfera dos bens básicos, cujo valor vem decrescendo nos mercados externos. Dados do Index Mundi dão conta que a soja em abril de 2014 custava cerca de US$ 547 a tonelada métrica, em dezembro de 2015, US$

323; o minério de ferro em seu último pico em agosto de 2003, custava US$ 137 a tonelada métrica, em dezembro de 2015, passou para US$ 39; o petróleo em junho de 2014, custava US$

108 o barril, em dezembro de 2015, apenas US$ 36. O boom do preço das commodities, iniciado nos anos 2000, começou a se esmorecer devido, principalmente, aos efeitos prolongados da crise de 2008. De 2012 até 2016 problemas políticos internos acentuaram ainda mais as deficiências econômicas do país (SOUSA, 2016).

A China também sentiu mais os efeitos da crise, tendo fechado 2015 com um PIB de número inferior a 7%, o menor nos últimos 25 anos. O governo chinês sente a necessidade de implementar reformas a fim de elevar a qualidade do desenvolvimento chinês, ao invés da quantidade de crescimento. Argumenta-se que, se bem-sucedida, a evolução em médio prazo do modelo de desenvolvimento chinês deverá elevar a renda e a sofisticação do padrão de consumo alimentar na China, indicando oportunidades ao agronegócio brasileiro. Contudo, a queda no preço dos principais produtos de exportação para a China (soja, minério de ferro e petróleo) já começou a afetar negativamente o Brasil (SOUSA, 2016).

42 5.7 PRINCIPAIS PRODUTOS AGROPECUÁRIOS EXPORTADOS PARA A

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