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3. RESULTADOS

3.3 Relação ensino fundamental/ Sala de Recursos Multifuncional

O primeiro elemento a ser analisado guarda relação com a forma como o conteúdo acadêmico é empregado no ensino fundamental e na SRM, indicando a discrepância inerente a essa prática. As observações realizadas deixaram claro que enquanto a sala comum toma o conhecimento científico como o objetivo final das iniciativas pedagógicas estruturadas, a Sala de Recursos Multifuncional utiliza o conteúdo escolar como meio, não como o fim das propostas implementadas. Na opinião das docentes responsáveis pela SRM a opção por essa metodologia de trabalho é justificada pelo papel complementar que deve ser exercido por essa proposta de apoio que deve procurar suplementar o trabalho realizado no ensino comum, o que ficou claro em uma das conversas estabelecidas entre uma dessas profissionais e o pesquisador que foi descrita no Diário de Campo da seguinte forma:

Apesar das críticas realizadas pela professora da SRM e da insatisfação que ela demonstra com a forma como o trabalho da Sala de Recursos Multifuncional vem sendo conduzido, essa profissional é muito comprometida com o que faz, acreditando, apesar das contradições inegáveis, na possibilidade de sucesso do processo inclusivo, o que não a impossibilita de criticar a maneira como essa dinâmica está sendo estruturada. [...] Acredita que não cabe a SRM promover a aprendizagem de conteúdos acadêmicos, sendo essa uma função à priori atribuída à sala comum, sendo de sua responsabilidade estimular as habilidades necessárias para que as crianças possam alcançar autonomia física e intelectual, se mostrando capazes de realizar as atividades impostas pelo ensino regular, compreensão essa identificada com facilidade no seu discurso.

(Citação retirada da observação nº 05 de Daniel, datada de 21/09/10)

A orientação imposta ao trabalho realizado nos dois contextos de ensino também foi de interesse dessa investigação. De acordo com as informações recolhidas, nota-se uma clara discrepância quanto ao norteamento atribuído às dinâmicas traçadas nessas realidades, haja vista que enquanto a SRM procura instituir práticas que busquem desenvolver nas crianças a sua autonomia, gabaritando esses sujeitos com as habilidades acadêmicas necessárias para que façam frente as demandas inerentes a atividade escolar, o ensino fundamental toma como foco central das suas iniciativas a aprendizagem de conhecimentos científicos, procurando promover a assimilação desses conteúdos pelos sujeitos com deficiência intelectual.

A disparidade existente entre as propostas implementadas nas duas realidades de ensino no que se refere a forma como o conteúdo científico é trabalhado e no que tange a orientação das dinâmicas desenvolvidas nesses contextos se apresenta com clareza para as professoras responsáveis pela Sala de Recursos Multifuncional. Essa consciência se mostrou com franqueza durante as últimas observações encampadas nesse serviço de atendimento onde uma dessas docentes, ao ser questionada pelo pesquisador sobre a orientação que estava impondo ao trabalho estruturado com um dos alunos no que se referia a possível elaboração de uma proposta comum de trabalho com o professor responsável pela sala comum frequentada por essa criança nega veementemente essa possibilidade, destacando o papel complementar que deve ser assumido pela SRM. Essa situação foi narrada da seguinte forma no Diário de Campo:

Dialogando com a professora após o término do atendimento, aproveitei para perguntá-la se ela havia conversado com o professor responsável pela classe comum na qual Fernando se encontra a respeito da possível elaboração de um trabalho comum que objetive alfabetizar o menino, já que, falando com esse profissional, ficou-me claro que ele acredita ser muito complicado desenvolver esse tipo de iniciativa na classe regular, sendo que, na sua opinião, esse encargo deve mesmo ficar sob a responsabilidade da SRM onde o aluno pode ser atendido individualmente. A educadora da Sala de Recursos Multifuncional negou qualquer diálogo com esse docente, afirmando novamente que, segundo o seu ponto de vista, à SRM não é atribuída a função de ensinar, sendo essa uma responsabilidade à ser arcada pela sala comum, cabendo a essa modalidade de apoio apenas “reforçar” esse ensino, facilitando o seu desenvolvimento por meio do trabalho com as habilidades básicas necessárias para a sua efetivação. A professora da Sala de Recursos Multifuncional reclama da falta de diálogo existente entre a SRM e o ensino comum, o que gera esse tipo de confusão, deixando claro no seu discurso a falta de coesão do trabalho realizado nessas realidades. (Citação retirada da observação nº 09 de Fernando, datada de 28/10/10)

A inexistência de propostas de trabalho que agreguem o ensino fundamental e a SRM merece ser abordada, uma vez que o distanciamento existente entre essas realidades impossibilita que iniciativas diferenciadas sejam elaboradas no intuito de garantir a progressão intelectual das crianças. Um dos indicativos mais claros dessa realidade é a ausência de uma relação mais próxima entre os educadores da Sala de Recursos Multifuncional e seus colegas regentes das salas comuns, situação denunciada pelos dois profissionais e que se sustenta tendo como base um contexto no qual não são possibilitadas as ocasiões necessárias para que esses docentes possam trocar impressões sobre os alunos de forma a trabalharem em conjunto para a progressão acadêmica desses sujeitos.

Os professores da SRM denunciam uma realidade na qual os órgãos competentes não instituem uma metodologia de trabalho que ampare esses profissionais com relação as barreiras com as quais se deparam no cotidiano da escola, em contrapartida, os educadores das salas comuns reclamam que esses especialistas não oferecem o respaldo necessário para que possam elaborar iniciativas voltadas para a especificidade das crianças com deficiência, o que é relatado em falas como a que se segue:

A professora da sala comum relata que as docentes da SRM não procuram se aproximar das demandas próprias a essa profissional, denunciando um contexto no qual ela permanece desassistida do apoio necessário para elaborar iniciativas voltadas ao aluno com deficiência.