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Relação entre a empresa e os representantes dos trabalhadores

5 A ODEBRECHT E O PROJETO CAPANDA

5.4 A gestão da Odebrecht e o dia-a-dia do Projeto Capanda

5.4.1 A Gestão de Recursos Humanos

5.4.1.5 Relação entre a empresa e os representantes dos trabalhadores

Na época da pesquisa, as eleições para o sindicato estavam marcadas para breve. Os trabalhadores eram representados por uma comissão “dinamizadora”. Para a constituição de tal comissão, o encarregado geral de cada área indicou o funcionário exemplar. Destes, cinco foram escolhidos pelos trabalhadores para constituírem a comissão. Vale ressaltar que todos os encarregados gerais são brasileiros.

Uma conquista citada pelos representantes dos trabalhadores foi o aumento do subsídio de isolamento para os trabalhadores nacionais. Esses representantes, entretanto, frisaram que essa conquista se deu com a visita a Capanda de técnicos do Ministério do Trabalho.

Os dirigentes da empresa afirmaram ter um bom relacionamento com os representantes dos trabalhadores. Os trabalhadores, porém, percebem os seus representantes como pessoas a serviço da direção da empresa, porque, assim como eles, temem perder o emprego.

“O pessoal vê essa empresa com medo, porque ele pensa que por tudo e por nada pode não ter o contrato renovado. Têm muito medo de perder o emprego. Tu sabes que a maior parte do pessoal é de Malange, e em Malange é difícil conseguir emprego. Então eles têm um certo medo” (técnico angolano).

“Eles são da comissão sindical, mas estão na mesma condição que nós. Chegam pra ele e lhe dizem: o senhor quer ou não quer trabalhar? Sim eu

quero. Então vai trabalhar e não se mete nessas coisas” (trabalhador de base).

“...eles são mandados. O problema vem dos grandes homens que pertencem à empresa, que é o dono da empresa mesmo. Eu acho isso. Porque se estou como um encarregado geral aqui e eu dou a conhecer: chefe estou com um problema assim, assim e assim; ele geralmente diz: não, eu sou mandado por alguém. E feito uma coisa dessas, eu vou embora. Aí é difícil; não adianta falar com ele, pra ele não perder o pão dele também, porque ele tem filhos. Então deixamos andar” (trabalhador de base).

“É só ver a atuação. Só pra dar um exemplo, por causa de um retroativo que a gente tinha de receber a partir de agosto, aí dia 15 de dezembro o pessoal deu uma paralisação, aí apareceu o sindicato, mas não pra... quer dizer, pra exigir o pessoal pra ir trabalhar” (técnico angolano).

Isso ilustra bem o que Dejours (1992) chama de “disciplina da fome”, isto é, uma disciplina mantida, em grande medida, em função do medo que o trabalhador tem de perder o seu meio de subsistência. Para esse autor, o medo é, conscientemente, instrumentalizado pelos dirigentes, para pressionar os trabalhadores e fazê-los trabalhar. Ou seja, o medo transforma-se em um elemento de controle social na empresa. A gestão da empresa, caracterizada pela utilização de mão-de-obra desqualificada e barata, agrava ainda mais a situação dos trabalhadores, uma vez que podem ser facilmente substituídos.

Assim, o fato de proporcionar uma atividade remunerada, em uma realidade historicamente instável e carente, é motivo suficiente para a lealdade dos trabalhadores à empresa. Isso parece representar a cultura da dádiva (Sales, 1994) presente na sociedade brasileira e que se reflete em suas organizações.

Os representantes dos trabalhadores não adotam um tipo de política que questiona as relações da empresa com os trabalhadores. Ao contrário, eles se mostram coniventes com a direção da empresa, o que deixa os trabalhadores ainda mais vulneráveis. Esta é uma situação totalmente favorável à empresa, que não vê suas práticas questionadas.

“Mas o funcionário também não pode ter sempre esta desculpa de muito tempo de isolamento. É o teu caso, o meu caso. Você está fora, eu também já fiquei dez anos fora. Então se você quer uma coisa, você tem que dedicar todo o seu amor e carinho àquela coisa. Recentemente nós tivemos uma paralisação, os trabalhadores tiveram uma paralisação, eu estava sozinho, o primeiro secretário da comissão sindical não estava ... lá eu tentei conversar com os líderes de cada frente de angolanos para ver se transmitiam a preocupação que eu levei pra eles, levei da direção da empresa; porque estava havendo um comentário de que ia ter greve se não pagassem. Eu tratei de conversar com os líderes, mas nem com isso, não adiantou. No dia seguinte eles pararam; pararam e não queriam saber” (representante dos trabalhadores).

“Quando estou na minha área atuo somente como supervisor, não tem piedade, porque eu é que defendo que o funcionário não pode ir pra rua; não tem nada disso. Quando o camarada não rende tem que ir pra casa, porque nós viemos aqui para trabalhar. Não rende vai pra casa. Então você não pode ter aquela pena, aquela piedade: puxa, se eu defendo de um lado e do outro lado estou mandando para o jacaré, como eles dizem. Não, não , não. Chegou a hora de ir pra casa vai, porque quando chegar a minha hora de ir pra casa, eu também vou. Isso aqui não é de ninguém, quando chegou a tua hora, casa (....) eu acho que se o trabalhador assinou o contrato é porque concorda com ele. Quem cala consente. Eu estou há doze anos na empresa e nunca reclamei” (representante dos trabalhadores).

Além do medo percebido, a fraca atuação dos representantes dos trabalhadores parece ser o reflexo da incipiente atuação sindical em Angola. Apenas no início dos anos 90, com as alterações da constituição da ainda República Popular de Angola, foram reconhecidos e garantidos os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, entre eles a livre organização profissional e sindical e o direito à greve.

Isso, aliado à repressão até bem pouco tempo exercida pelos colonizadores portugueses, parece facilitar o modo de gestão da Odebrecht.

“Eu observo o seguinte: você numa orientação ou numa repreensão do nacional, eles, na maioria, aceitam muito bem. Faz parte da formação. Porque a gente sabe que o angolano sofreu muito, foi um povo muito reprimido. Se fosse, por exemplo, para comandar os russos, acredito que a gente não teria as mesmas facilidades; teríamos de montar uma outra estratégia” (administrador).