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2. Fundamentação

2.3 A composição escrita

2.3.4 Relação entre compreensão e composição

A compreensão da leitura e a composição textual parecem estar relacionados (Avon, 1982). Segundo esta perspectiva ambas dependem dos esquemas cognitivos e organizacionais usados pelo escrevente para produzir, codificar, armazenar e localizar informação no texto. Tanto a compreensão como a composição escrita envolvem o conhecimento destes esquemas, quer em relação ao conteúdo quer aos esquemas textuais quer ainda a factores de processa- mento.

Ambos os processos de compreensão e de composição são uma construção activa de significação, feita a partir da experiência anterior, nos campos cognitivo, linguístico e afectivo. Tanto a pessoa que escreve como a que lê têm como finalidade construir um texto coerente (Stosky, 1984).

Resumidamente e segundo Kucer (1985), citado por Nystrand (1986, p.13), leitores e escreventes:

• constroem os sentidos do texto através da evocação da experiência anterior; • utilizam procedimentos comuns para transformar o conhecimento prévio no texto;

• apresentam os mesmos perfis de processamento ou competências quando constroem o texto.

À medida que o leitor (escrevente) desenvolve a sua experiência textual, alimenta um reservatório de informações comuns que, como utilizador da linguagem, emprega quando com- preende (constrói) um texto.

Pode dizer-se que, tanto na compreensão como na produção textual, o aluno deve preparar-se para compreender e compor, identificando um tema e uma finalidade. Na compre- ensão utiliza estratégias, como a evocação de conhecimentos e de experiências pessoais, a propósito do título, subtítulos, autor, imagens e sinais do texto. Na composição escrita procede de um modo semelhante, construindo e enriquecendo um tema a partir de experiências, esco- lhendo tanto uma ideia-chave, que poderá constituir-se em título, como uma intenção de comu- nicação adaptada ao destinatário. Escrever requer ainda que as ideias a transmitir sejam fixadas, seleccionadas, compreendidas e organizadas em função da intenção de comunicação e do destinatário. A intenção de comunicação agrega e organiza a informação, dando ao texto coerência e unidade e conferindo-lhe a possibilidade de ser compreendido na sua globalidade. Do mesmo modo, compreender um texto exige a identificação das ideias, relacionadas com uma finalidade de compreensão, e a percepção, do ponto de vista do emissor, por forma a conseguir a totalidade da significação (Salema, 1988).

A globalidade do sentido do texto, tanto na compreensão como na produção, é confe- rida pela organização textual e pelos respectivos mecanismos linguísticos que deverão ser com- preendidos ou produzidos pelo aluno, de acordo com o conhecimento anterior de esquemas de organização textual. Nesta perspectiva têm-se identificado os efeitos da análise e da compreen- são do texto escrito sobre o desenvolvimento de competências de composição escrita (Austin, 1983; Ledford, 1984) e tem sido salientada a importância da instrução de competências de resumo para a compreensão das estruturas textuais (Day, 1980; Hare e Borchardt, 1984; Kintsch e Van Dijk, 1978; Winograd, 1982). Muitos dos trabalhos publicados sobre a instrução do resumo têm tido como objectivo verificar em que medida o desenvolvimento desta competência aumenta a compreensão da leitura (Bauman, 1984; Day, 1980; Hare e Borchart, 1984).

A compreensão do texto tem vários níveis. O nível necessário para o resumo é dife- rente do vulgarmente exigido nos exercícios de compreensão que pretendem medir a capaci- dade de relembrar o texto e requerem o preenchimento de questionários com respostas de es- colha múltipla (Brown e Day, 1983; Winograd, 1982, 1984).

Segundo Kintch e Van Dijk (1978), quando resume um texto, o leitor durante o pro- cesso de compreensão tem que identificar e distinguir as ideias principais, as proposições indi-

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viduais e as relações entre estas. Esta identificação é feita com regras macro-semânticas, refe- ridas no subcapítulo 2.2, as quais vão evocando uma super-estrutura textual que, por sua vez, ajuda a guiar na compreensão global do texto. Aliás estes autores consideram que o resumo de um texto é o meio mais directo de comprovar a compreensão global pois, de certa maneira, é a manifestação textual da macro-estrutura semântica do texto.

O resumo pode também ser concebido de um modo mais funcional. O leitor identifica tópicos que podem inserir-se, ou não, no esquema do texto previamente adquirido (Rossi, 1991).

O resumo, entendido como a produção de um texto coerente e acabado, não tem sido considerado como uma estratégia para melhorar a competência de produção textual (Hare e Borchart, 1984). No entanto, se se considerar também o desenvolvimento da capacidade de re-- elaborar a informação recebida e de a transmitir de forma pessoal, não só aprofunda a com- preensão da globalidade do texto como desenvolve a competência da composição escrita.

Não é muito corrente desenvolver uma instrução que organize explicitamente as estra- tégias de modo a que os alunos compreendam a globalidade do texto. Prova-o o facto de muitos alunos, entre os 12 e os 13 anos, terem resultados satisfatórios nos testes de compreensão mas não conseguirem reproduzir um pequeno texto escrito (Squire, 1984).

A competência de composição de um texto, conferindo-lhe globalidade é fundamental- mente uma questão de conhecimento de esquemas de organização textual. Em algumas crianças, este tipo de conhecimento pode ser apreendido, sem interferência de estratégias de ensino explicitamente dirigidas à sua aquisição. Nestas crianças, a interiorização destes es- quemas é feita pela leitura ou pela escuta de textos. Noutras crianças, como as de meios sociais desfavorecidos, a interiorização destes esquemas de organização textual não se faz, por falta de contacto com o texto escrito (Challs e Jacobs, 1984).

A dificuldade em utilizar esquemas textuais na composição escrita pode não ser devida à falta de interiorização do seu conhecimento mas sim à incapacidade da criança o evocar, por falta de estratégias de busca de informação (Squire, 1984).

Não há consenso sobre o conceito de resumo, enquanto texto escrito. As diferenças, que surgem podem inserir-se num contínuo de definições aproximadas cujos extremos repre- sentam duas tendências. Num extremo, o resumo é considerado como um texto pessoal, a pro- pósito de outro texto, onde para além de se explicitar a informação relevante, se emite um juízo de valor. O resumo aparece, então, como um género próximo do comentário. No outro extre- mo, o resumo é considerado como um texto com uma linguagem pessoal e clara, que sucinta- mente identifica e reproduz as ideias principais, o modo de organização, os aspectos formais e estilísticos do original, sem juízos de valor (Serafini, 1986). Estas duas tendências descrevem e

definem o resumo como uma forma de texto escrito, isto é, como um género textual. Neste sentido a competência de resumir traduz-se na produção de um texto escrito coerente, coeso e correcto.

De entre as duas tendências apresentadas optou-se, neste trabalho, pela segunda. Esta escolha justifica-se pelo facto de os alunos entre os 10 e os 12 anos, sobretudo os dos meios mais desfavorecidos, serem geralmente muito pouco objectivos ao reproduzir um texto lido ou escutado. Acontece submeterem-se de tal forma à informação que a deformam de modo a ajustá-la ao seu psiquismo (Moffet, 1984). Esta característica que, sem dúvida, pode ser explo- rada no sentido da criatividade, revela-se muitas vezes negativa na aquisição da informação.

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