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Relação entre Deslocamento Pendular e Migração Intrametropolitana

Capítulo 1 Delimitação do Fenômeno

1.1 Uma revisão bibliográfica sobre os Deslocamentos Pendulares

1.1.3 Relação entre Deslocamento Pendular e Migração Intrametropolitana

Finalmente, um argumento recorrente na literatura revisada, em especial entre autores brasileiros14, aponta para a íntima relação que se estabelece entre as migrações intrametropolitanas e os deslocamentos pendulares onde estes deslocamentos se apresentariam como contrapartida daquele tipo de migração. O trabalho pioneiro a apontar essa relação foi o de Cunha (1994)15 que levantou essa questão para a RMSP num contexto de mudanças no padrão de mobilidade espacial da população e do padrão espacial metropolitano a partir de meados da década de 70.16 Segundo o autor, sobre essa relação entre os deslocamento pendulares e as migrações intra-metropolitanas,

Pode-se dizer que o primeiro fenômeno está estreitamente ligado ao segundo, sendo, em boa parte, uma de suas conseqüências mais visíveis, na medida em que, com a expansão urbana e redistribuição da população no espaço metropolitano, as distâncias casa-trabalho tendem a incrementar-se. (CUNHA, 1994, p.72).

Em larga medida, essa colocação sintetiza o que a bibliografia entende pela relação entre aqueles dois fenômenos. Apesar de não se tratar do objetivo desta dissertação, cabe aqui apontar as suposições assumidas por detrás dessa relação e questionar sua capacidade de explicação dos deslocamentos pendulares.

Uma primeira suposição por detrás dessa afirmação é a de que o avanço tecnológico na área de transportes (com melhoria de acesso viário, queda de custos, etc.) permitiria uma maior acessibilidade ao território metropolitano, de modo que "[..] a proximidade do local de trabalho teve sua importância relativizada na decisão pelo local de moradia." (SOBREIRA, 2007, p.21).

A segunda suposição tomada ao afirmar-se que o deslocamento pendular é conseqüência da migração intrametropolitana, é que aquele ato de migrar possui como

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Dentre eles, Cunha (1994); Baeninger (2002); Ântico (2003); Jakob et al (2005); Caiado (2005a); Miglioranza (2005); Branco et al (2005a); Brito (2005); Souza et al (2006); Soares (2006); Queiroz (2006); Pereira (2007) e Sobreira (2007).

15 Num artigo publicado em 1993 (na revista Conjuntura Demográfica, São Paulo, Fundação Seade, n.

22, jan./mar. 1993.) este mesmo autor se dedica exclusivamente a esta questão. Contudo, em sua tese de doutoramento defendida no ano seguinte a questão pôde ser abordada com maior profundidade e, por isso, a tomamos aqui como referência.

16 Dentre tais mudanças destacam-se a diminuição das taxas de crescimento dos centros metropolitanos, a

redução dos fluxos migratórios interestaduais e de longa distância, a consolidação dos fluxos intra- regionais com curtas distâncias de tipo urbano-urbano e o aumento da importância dos fluxos intra- metropolitanos que assumem caráter centrífugo (originados nos grandes centros em direção àqueles municípios do entorno). Mudanças essas que vêem se observando nos principais aglomerados urbano brasileiros nos dias de hoje.

pano de fundo a motivação da “[...] busca por moradias ou por melhores condições de vida, o que pode incluir facilidade de acesso a serviços e de deslocamento para o trabalho, de modo que todos esses fatores possuem peso não apenas na decisão de migrar mas também na escolha do local para onde migrar.” (SOBREIRA, 2007, p.38).

Apesar de se tratar de uma suposição, pois os dados disponíveis não permitem inferir sobre a motivação que levou os indivíduos a migrar, “A maior proporção de moradia própria para a população pendular e o destino principal dos deslocamentos pendulares para o município de São Paulo são elucidativos” dessa suposição na RMSP nas décadas de 80 e 90 (ÂNTICO, 2003, p.142). Sobreira (2007) também identifica um diferencial da posse de casa própria entre a população economicamente ativa comutadora e não comutadora da Região Metropolitana de Campinas (RMC) em 2000. Contudo, os diferenciais eram muito pequenos para supor que “[...] a propriedade de um imóvel seria um dos fatores para diminuir a probabilidade de um indivíduo migrar e aumentar a sua probabilidade de realizar deslocamento pendular.” (SOBREIRA, 2007, p.49).

Mesmo reconhecendo que possuir casa própria não significa, necessariamente, melhor condição de vida para pessoa/família17, “Outro fato que aponta para a relativização da importância da propriedade do imóvel residencial, é o fato de que muitas vezes é o empregador que paga o deslocamento de seus funcionários.” (SOBREIRA, 2007, p.51). Em 2003 na RMC cerca de 70% das pessoas que realizam deslocamento pendular tinha sua viagem paga pelo empregador.

Ainda, aquela suposição é reforçada pela tendência que se observa, entre os comutadores, em exercer suas atividades de trabalho predominantemente na cidade em que viviam 5 anos atrás18. O que refletiria que a decisão de migrar foi motivada pela "[...] busca de melhores condições ou oportunidades de moradia e não apenas de emprego.” (SOBREIRA, 2007, p.48). Em outras palavras, refletiria que a localização da moradia perto do local de trabalho não foi fator preponderante na decisão de migrar e

17 “[...], pois a mesma pode estar residindo em áreas com pouca ou nenhuma infra-estrutura urbana,

expondo-se desse modo, a situações de risco que nem sempre compensariam a aquisição da propriedade”. (SOBREIRA, 2007, p. 51).

18 Por limitações metodológicas, a maneira mais utilizada para identificar os migrantes

intrametropolitanos com os dados do Censo Demográfico de 2000 tem sido o quesito de data-fixa, que indaga o município de residência do entrevistado 5 anos antes do dia da aplicação do questionário (em 31/07/1995). Apesar de se reconhecer que a utilização deste método subestima a mobilidade intrametropolitana, ao não contabilizar indivíduos que realizaram um movimento deste tipo no período inferior a 5 anos, pode-se considerar que ela é capaz de apontar as principais tendências do fenômeno em questão.

que, em larga medida, aqueles migrantes mantêm vínculo com o município de origem (ao menos no que diz respeito à realização de suas atividades de trabalho/estudo). Nas palavras de Barcellos et al.:

Constatou-se que mais da metade das pessoas que trabalhavam ou estudavam em Porto Alegre em 2000 moravam na capital em 1995, revelando que os vínculos com a cidade se mantêm, apesar da migração – o que comprova que, para uma grande parte das pessoas, a motivação para a mudança de local de moradia não foi a procura por trabalho ou estudo. (BARCELLOS et al., 2005, p.93).

Assim também são os dados apresentados por Cunha (1994) para RMSP que, em 1980, apresentava 52,9% dos seus migrantes intrametropolitanos realizando deslocamentos pendulares. Em tabulações próprias sobre a Região Metropolitana de Campinas, utilizando o Censo demográfico, identificamos que em 2000 uma proporção menor que a observada por Cunha, mas ainda significativa, de migrantes intrametropolitanos (26,1%) realizavam deslocamentos pendulares. Ainda desse grupo de migrantes intrametropolitanos que realizava deslocamentos pendulares na RMC, 25,6% continuava exercendo suas atividades nos municípios de residência anterior. Fato que, segundo Sobreira (2007, p.39) comprovaria que em boa medida "[...] a mudança dentro da RMC dá-se mais por questões habitacionais".

Esses dados apontam que uma considerável proporção de migrantes intrametropolitanos mantém vínculo com o município de origem, pelo menos, nas suas relações de trabalho/estudo via realização de deslocamentos pendulares. Contudo, uma eventual análise que – sem o devido cuidado – tomasse como pressuposto que a pendularidade se apresenta como uma resposta às migrações intrametropolitanas estaria correndo o risco de simplificar a explicação sobre os processos que estão na origem dos deslocamentos pendulares e ser injusta.

Como o próprio autor observa para a RMSP (CUNHA, 1994, p.253-4), em 1980, apenas 27% das pessoas que realizavam deslocamentos pendulares tinham anteriormente realizado alguma migração intrametropolitana. Na RMC, por sua vez, apenas 9,2% das pessoas que realizavam deslocamentos pendulares tinham anteriormente realizado alguma migração intrametropolitana. Ou seja, pelo menos 63% dos comutadores da RMSP em 1980 e 90,8% dos comutadores da RMC em 2000 têm sua condição de comutador explicada por outros fatores/processos que não a migração

intrametropolitana19. Fatores/processos estes que estariam envolvidos com a (1) localização espacial das atividades econômicas e (2) para além da migração, com localização espacial da população de uma forma mais geral.

Dessa forma, deve-se reconhecer que a compreensão sobre os deslocamentos pendulares pode se valer da compreensão daqueles processos envolvidos nas causas das migrações intrametropolitanas. Contudo, explicar os deslocamentos pendulares única e exclusivamente pelas migrações intrametropolitanas significaria (1) desconsiderar outras formas sobre as quais pode se estabelecer a relação entre migração intrametropolitana e pendularidade, e (2) desconsiderar outros processos que estão envolvidos na causa dos deslocamentos pendulares.

Uma discussão sobre os processos causadores dos deslocamentos pendulares está reservada para o próximo tópico deste capítulo. No que tange a outra possível relação entre esses dois fenômenos, ao invés do deslocamento pendular se apresentar como uma contrapartida ao movimento migratório anterior, cabe observar que para algumas pessoas o ato de comutar se colocaria como uma alternativa à migração. Ou seja, diante das opções de migrar ou da possibilidade de comutar (viabilizada por determinadas condições de infra-estrutura e acesso aos meios de transporte e custos aceitáveis de deslocamento) essas pessoas preferem comutar. A possibilidade de recorrer aos deslocamentos pendulares se faria, então, como um fator de retenção de população diminuindo os fluxos migratórios. Ao contrário daquela relação entre pendularidade e migração intrametropolitana, que afirma que as pessoas comutam porque migraram, poderia-se pensar que algumas pessoas não migram justamente porque comutam, ou seja, algumas pessoas comutam justamente para não ter que migrar. Esse é o caso destacado por Aroca (2007) sobre os deslocamentos pendulares no Chile que apresentam a particularidade de percorrerem longas distâncias.20

En el pasado, cuando el lugar de trabajo implicaba desplazamientos largos respecto al lugar de residencia, casi siempre involucraba la opción de migrar hacia la región de trabajo. Hoy en día, la migración no es la única alternativa que tienen los trabajadores. La conmutación se ha convertido en un fenómeno que no solo tiene una dimensión urbana, sino también interregional. (AROCA, 2007, p.3).

19 Muito provavelmente, a delimitação oficial dos municípios incluídos na Região Metropolitana tenha

impacto sobre essa proporção na medida em que exclui alguns municípios que deveriam ser considerados metropolitanos e, dessa forma, diminui o número de migrações consideradas intrametropolitanas.

20 BAENINGER (1996, p.690) também faz uma alusão a esta relação sugerindo que os deslocamentos

pendulares, ao se intensificarem como alternativa de mobilidade intra-urbana, poderiam agir no sentido de reter aquela população que potencialmente migraria.