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8. RESULTADOS

8.2. Análise dos grandes temas na fratria Maia

8.2.3. Relação com as imagos parentais

No desenrolar das narrativas dos três irmãos sobressai uma ocupação de lugares relativamente às imagos parentais que pendem ora para o pólo da identificação, ora para o pólo da complementaridade. O equilíbrio da constelação fraterna na relação com as imagos parentais parece então estabelecer-se numa área entre esses dois terrenos, com incursões por vezes simultâneas num e noutro.

Vejamos o caso da Amélia. Começa a sua narrativa destacando(-se n)a sua posição de dona da casa: é ela quem parece assumir o comando das tarefas domésticas na fratria: dos

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irmãos, é ela quem melhor desempenha esse papel, apesar de nem sempre ter a ajuda devida: “(…) chateio-me um bocado com o Fausto (…) acho que ele é um bocado preguiçoso e não ajuda muito.”; “(…) digo-lhe que ele tem de ajudar, até o Rúdi (…) ajuda mais do que ele.”

Amélia coloca-se num lugar materno onde desempenha funções referenciáveis ao lugar materno. Os irmãos reconhecem-lhe esse lugar, mesmo a par com o pai. Fausto diz: “Eu e o meu irmão somos bué preguiçosos (…) deixamos tudo desarrumado e ela tem de ir, quer que fiquem as coisas arrumadas, e depois ela sofre um bocadinho porque quer tudo arrumado e a gente não liga (…) quando o monopólio da arrumação é dela, ela fica um bocado chateada e o meu pai também.”

Neste movimento, em que a Amélia parece progressivamente ocupar um lugar materno em relação aos irmãos, ela clarifica melhor ainda o seu lugar: “(…) eu sou a mais velha, então tenho de cuidar deles… mesmo que a minha mãe não ligue, eu já sei o que eles vão pedir…”. Mais do que desempenhar o papel de cuidar da casa melhor que os irmãos, a Amélia cuida melhor dos irmãos do que a própria mãe: acaba por substituí-la. Porém, esta substituição não resulta apenas de um movimento activo da Amélia: por outro lado, este movimento activo enlaça no movimento contrário da mãe, que ela própria se retira. No dizer da Amélia: A nossa mãe tipo „tá-se a queixar a toda a hora… e nós «ah, vamos fugir daqui, vamos comer um gelado!» e depois vamos só os quatro e a minha mãe fica aqui sozinha, toda contente (…) sem ninguém a chatear.

Assim se intui que a mãe autoriza que a filha ocupe o seu lugar. Por seu turno a mãe, complementarmente, parece ocupar-se de áreas de que a Amélia não se ocupa, como o seu feminino: “(…) a minha mãe gasta mais dinheiro em mim, tipo em roupa e produtos, tipo cosméticos e assim porque ela quer tipo que eu seja uma princesa bué arranjadinha porque sou a única filha, e „tá sempre a dizer, ah, „tás com pouca roupa, temos de comprar roupa para ti… para ires sair, para te arranjares.”. Desta maneira, a mãe aparece como transmissora de atributos femininos, contudo esse lugar constitui-se em torno da falta: à Amélia falta alguma coisa que a mãe vem compensar – roupa, maquilhagem… e à mãe falta alguma coisa que a Amélia vem compensar – o cuidado em relação aos irmãos-filhos.

Nesta relação, cada uma parece encarregar-se daquilo de que a outra se demite. Porém esta complementaridade de papéis não permite à mãe desempenhar o seu papel de rival edipiana que remete a filha de volta ao seu lugar. Um exemplo nos acorre quando a Amélia conta o episódio familiar em que diz ao Rúdi que ele não foi planeado. Nesse momento, a Amélia fez uma incursão activa no lugar do desejo parental. É o pai que vem colocá-la de

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volta no seu lugar: “(…) o meu pai veio dizer-me que eu não devia ter dito aquilo para o Rúdi”, enquanto a mãe permanece silenciosa no seu lugar, “(…) a minha mãe fez tipo uma cara do género ai, essas coisas não se dizem”.

Quando a Amélia tenta penetrar no lugar do parental, é o pai que a conduz de volta ao seu lugar de filha. Quando tenta penetrar no lugar do masculino, é o irmão que a transporta de volta ao feminino. Quando tenta penetrar no lugar do feminino-materno, a mãe cede-lhe esse lugar. Assim, a Amélia encontra um lugar através da tomada de posição nesse lugar do feminino-materno, lugar a partir do qual transgride o interdito edipiano e toma o lugar da mãe pela prestação de cuidados maternos aos irmãos.

O lugar que a Amélia constitui na relação com as imagos parentais é então um lugar materno cuja fronteira ela transpõe sem retaliação materna numa identificação ao papel materno. A mãe cede-lhe este lugar e complementa-o com atributos que entende estarem em falta em Amélia. A Amélia volta a esse lugar através do Masculino, no qual se organiza, pois são os irmãos e o pai que a trazem para lá.

A identificação ao lugar parental parece revestir-se de uma acentuada importância no Fausto. Não da mesma maneira que a Amélia, que ocupa o lugar da mãe, mas na forma em que o Fausto apreende o lugar do pai e se identifica claramente a ele. Ao longo de toda a entrevista do Fausto, é visível que ele adopta um posicionamento de placa agregadora na fratria: “(…) sou o mais irmão dos irmãos (…)”; “(…) antes era cada um num sítio, eu costumava sair sempre, eu acho que basicamente agora estamos mais juntos porque eu é que estava mais separado e agora voltei (…)”, papel que também lhe é reconhecido pelos irmãos. A Amélia diz: “O Fausto (…) gosta bué de fazer coisas tipo só de irmãos (…) ele puxa bué por esse lado.”.

Mas além de placa agregadora, o lugar do Fausto parece ter mais uma especificidade: “(…) sou o do meio mais sou o mais velho, basicamente (…) sinto-me o mais velho. Sinto que tenho alguns deveres de mais velho. Tipo também já estou acostumado às pessoas me considerarem o mais velho desde sempre (…) isso já é tipo um reflexo mais tipo mesmo da cena.”. Fausto considera-se o mais velho, coloca-se num lugar de maior responsabilidade face aos irmãos, em que deve desempenhar um papel de “homem da casa”, assim como a irmã se coloca como “princesa-gata-borralheira da família”. A identificação do Fausto com o lugar paterno é muito evidente, uma vez que logo depois de evocar e clarificar o que é ser “homem da casa”, refere não se lembrar de muitas mais coisas para dizer… “(…) também não sou um gajo com boa memória. Sou da família do Sérgio.”. O Fausto refere-se ao pai pelo nome

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próprio, numa identificação muito clara e simétrica com o pai. O pai, para o Fausto é “um elo de ligação. O meu pai basicamente é o elo de ligação de tudo.”.

O próprio Fausto fala de si como elo de ligação na fratria, e posteriormente descreve o pai da mesma maneira. Essa identificação, contudo, parece ser pacífica, sem risco de ocupação de lugares de um e de outro, não só entre o pai e o Fausto, mas também entre o pai e o Rúdi. Os conflitos parecem circunscrever-se ao(s) lugar(es) do feminino. Segundo o Rúdi: “(…) eu e o meu irmão temos muito poucas discussões… agora a minha mãe e a minha irmã têm muitas por acaso (…) elas discutem muito (…) nós os três com o nosso pai nunca discutimos (…) damo-nos muito bem”.

8.3.Análise da Entrevista Narrativa em Associação Livre – Análise do discurso na “fratria Branco”: Eunice, Elias e Débora

Em seguida procede-se à análise do discurso dos irmãos da fratria Branco, cujas narrativas se encontram em anexo (ANEXOS D, E e F).