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Relação IURD, mídia e espetáculo

Se o nosso objeto de estudo é a relação da IURD com a mídia, a partir do programa “Fala que eu te escuto” e como ela elabora estratégias de arregimentação de fieis, acredito ser necessário esclarecer os conceitos utilizados por nós.

Embora recorrente na literatura sociológica e antropológica, em termos de referências, a dimensão espetacular do programa “Fala que eu te escuto” não foi

objeto de nenhum estudo específico até o momento da elaboração desta tese. Em

alguns estudos presente no meio acadêmico sobre a IURD, evidencia-se a questão do mercado religioso, a sua relação com a mídia, o seu surgimento e expansão. Contudo, sem desmerecer estes trabalhos e utilizando-os como arcabouço teórico, este trabalho propõe um avanço na compreensão do tema, reconhecendo a dimensão espetacular do programa pelas suas dimensões de sua ritualística: verbal, musical, estética, lúdica e performática.

Por conseguinte, é importante esclarecer, desde já, o sentido em que o termo espetáculo será utilizado ao longo deste trabalho para se referir ao programa “Fala

que eu te escuto”. Compreendemos o espetáculo em seu sentido mais lato, isto é,

como linguagem artística, sublinhando sua condição de veículo de comunicação em que o dizer pode ser pensado como um fazer e vice-versa:

Nesse aspecto os espetáculos parecem se prestar de maneira exemplar à função paradigmática. Não são eles, afinal, não apenas a

conjugação das duas formas de linguagem – a linguagem da voz e a do gesto – e, portanto, o veículo de comunicação mais poderoso, mas, mais do que isso, não contém eles na sua própria estrutura essencial as duas faces de toda manifestação? Não há de fato espetáculo sem a presença simultânea, no seu evoluir, do dizer e do fazer, do representar e do agir, do dissimular e do revelar. (FORTES, 1997, p.32).

Bueno (1968, p, 1223) define o sentido que o termo espetáculo engendra, para este a palavra espetáculo vem do latim spectaculum e significa “Representação teatral. Tudo o que atrai a atenção e desperta a curiosidade visual” (Bueno, 1968, p.1233). Desta forma, temos como derivações do termo, as palavras, espetacular e espetaculoso que significam admirável, digno de ser visto; espetaculosidade, qualidade do que é espetacular. São nesses sentidos que este termo é utilizado nessa tese para caracterizar as estratégias empregas pela IURD através do programa “Fala que eu te escuto” para atrair pessoas dos mais variados credos e valores.

Outros autores que também fazem alusão ao termo espetáculo, entre eles podemos analisar a definição de Ortega e Gasset (1978, p. 46), este define “espetáculo como presença e potência de visão, ou seja, é algo que se vê”. E, precisamente neste ponto, o autor estabelece a diferença substantiva entre artes de cena e artes de representação. No primeiro tipo o visto é realidade, enquanto no

segundo, é um mundo imaginário oferecendo “realidades que têm a condição de

apresentar-nos em lugar delas mesmas outras, distintas”. Quais seriam então as relações entre o espetáculo religioso e os programas veiculados pela televisão?

Uma resposta possível a essa questão deve levar em consideração as relações da religião com a mídia, os neopentecostais perceberam a algum tempo que a mídia televisiva se configuraria em ótima oportunidade de se conseguir fieis. Só não sabiam ainda como. Contudo, foi a partir ou inspirados nos dramas representados pelas novelas que atraem milhões de telespectadores que eles começaram sua empreitada em busca do “espetáculo da fé”. Ao analisarmos o sentido do drama no campo do sagrado, a ideia de representação ganha um novo sentido que não se limita às ideias de aparência ou imaginação. A representação sagrada é uma realização mística. Através dela o sagrado deixa de ser algo invisível e inefável e passa adquirir uma forma bela e real. O ato objetiva uma ordem de

coisas mais elevadas do que aquela que compartilhamos cotidianamente.

Ao relacionarmos o termo espetáculo religioso com a ideia de drama, “o drama da vida real”, podemos encontrar respaldo para essas ideias, na analogia entre ritual e drama proposta por Clifford Geertz (1989). O espetáculo religioso é aqui definido como a manifestação estética, visual e performática dos rituais que utilizam ações expressivas para comunicar conteúdos religiosos diante de um público. A partir dessa definição, buscamos os vínculos indissociáveis existentes entre o espetáculo religioso da IURD e o espetacular programa “Fala que eu te escuto”, tendo em vista que não se pode falar do primeiro sem levar em consideração as características do segundo. Nossa ênfase é a análise do programa espetáculo como meio de comunicação, relacionando-o à função proselitista da Igreja. Para tanto, partimos do pressuposto de que o programa espetáculo pode ser considerado como uma instância produtora e reprodutora de significados, de discursos, tanto para os atores sociais que o integram como para os telespectadores-participantes e para as pessoas que participaram de nosso grupo.

Se fizermos uma pesquisa histórica profunda, verificaremos que a religião sempre foi uma grande produtora de espetáculos. O que dizer dos grandes heróis bíblicos retratados em todo o seu drama? O que dizer de Davi, um simples pastor de ovelhas que consegue sozinho derrotar o mais feroz guerreiro inimigo, não qualquer guerreiro, mas sim um gigante infame? As religiões sempre fizeram uso de mitos e alegorias espetaculares para convencer os seus crédulos fieis, os livros sagrados, fundamentadas na doutrina, a palavra escrita e oral, fazem parte desse arcabouço, porém é preciso lembrar aquelas religiões ou crenças que utilizam outras expressões religiosas, tais como os gestos, os cânticos, as música e louvores, a dança, elementos privilegiados de comunicação com o sagrado.

Os rituais também são produtores de imagens, imagens que funcionam como símbolos, através dos quais coisas são concebidas, lembradas e consideradas. A imagem barroca do cristo crucificado, exibindo o corpo ensanguentado, perfurado, com a cabeça encravada por uma coroa de espinhos, suspenso em uma cruz, é sem dúvida uma das imagens mais espetaculares de natureza religiosa que se transformou na imagem símbolo do catolicismo. Muitas vezes as imagens funcionam como metáforas;

elas não apenas são capazes de conotar as coisas das quais a nossa experiência sensorial originalmente as derivou e talvez, pela

lei de associação, o contexto no qual foram derivadas (...), mas apresentam também uma tendência inalienável para “significar” coisas que têm apenas uma analogia lógica com seus significados primários (LANGER,1989, p.150).

Desta forma podemos claramente definir o programa “Fala que eu te escuto”

como um ritual, o conteúdo das suas ações é comunicado através da representação dramática dos conteúdos de suas reportagens, das músicas utilizadas, da participação do publico, da oração com o copo d’água, da mensagem do Bispo Macedo, etc. As performances ritualísticas que o acompanham têm existência como espetáculo. Nesse sentido, o palco ou set de filmagem pode ser visto como um espaço de representação sensível do sagrado e, ao mesmo tempo a via para o seu acesso que o programa encena (MONTES, 2000, p.156).

A tese explora os sentidos do termo espetáculo, apresentando a pluralidade de planos e recursos que ele coloca à disposição do homem em sua relação com o sagrado, enquanto expressão estética e social. Pergunta-se: O que se mostra no programa? O que se vê por parte dos telespectadores leigos? O que esse programa espetáculo quer comunicar? Quais os significados implícitos e explícitos eles buscam atingir através de suas enquetes? Qual a importância do que não se vê na construção do imaginário valorativo dos indivíduos? Portanto, vemos que o espetáculo religioso, bem como todo espetáculo, “são fatos culturais condicionados pelo contexto social dentro do qual se produzem”. (Fortes, 1997, p.156).

As décadas de 70 e 80 constituíram-se como marcos para a expansão não só do protestantismo histórico, mas das demais denominações protestantes, enfatizando as religiões pentecostais e neopentecostais. De acordo com pensamento de Prandi (1991, p. 36), as religiões brasileiras não estão circunscritas ao campo das relações religiosas, elas interagem com todos os órgãos do Estado, já que em casos como o da IURD chega a se aproveitar das lacunas deixadas pela ingerência desse Estado, por isso nas palavras do autor:

As instituições religiosas se expandem também pelo tecido social: reproduzem a lógica do campo econômico, alimentando mercados musicais e turísticos, penetram na indústria do entretenimento, modelam padrões de moralidade e sociabilidade, promovem políticas sociais e campanhas nos setores de educação, saúde, trabalho etc. (Prandi, 1991, p. 36)

O problema em questão refere-se à análise do reconhecimento e ao uso desta dimensão espetacular do programa e a da própria IURD por agentes internos e externos a essa religião. As relações da IURD e do programa com diversos setores sociais, a exemplo do Estado, da mídia e da política, não foram verticalizadas ou simplesmente impostas de fora para dentro. Delineou-se um quadro envolvendo negociações, concessões, omissões, alianças e compreensões diferenciadas por parte dos representantes da IURD sobre o lugar da tradição religiosa nesse jogo de interesses.

É importante esclarecer desde já que não pretendemos analisar toda uma rede de relações estabelecidas entre o programa “Fala que eu te escuto” ou mesmo da IURD e a sociedade brasileira e que culminou no seu reconhecimento como um

dos símbolos nacionais. Percebemos que a espetacularização é um elemento

indissociável da história dessa religião, do seu esforço de fazer-se reconhecer como uma expressão legítima no interior do universo religioso brasileiro, de sair da marginalidade que lhe foi imposta em busca de reconhecimento social.

Nesse movimento em busca de reconhecimento social, a dimensão espetacular dos programas religiosos de televisão se apresenta como porta de entrada para formação de uma rede mais ampla de comunicação. A presença e a participação dos grupos de evangélicos e televangelistas em eventos e espaços públicos tornaram-se um dos principais meios de expansão e de divulgação do neopentecostalismo no Brasil, contribuindo para a construção da sua identidade religiosa. Na construção dessa nova identidade, vários interesses entraram em jogo: supressão do preconceito em relação aos evangélicos e neoevangélicos (por estes serem em menor número em relação aos católicos), reconhecimento social, construção do prestígio de lideres religioso, interesses políticos, entre outros.

A dimensão espetacular de seus programas televisivos constituiu um dos principais fatores responsáveis pelo aumento da visibilidade social alcançada por essa religião no espaço público, colaborando para a quebra da invisibilidade e do anonimato, impostos inicialmente às religiões que se contrapunham ao catolicismo.

A IURD não só conservou os elementos do espetáculo como os potencializou, tornando o caráter espetacular de rituais como “Terapia do Amor”, “Reunião com Empresários”, um dos seus principais sinais diacríticos no universo religioso brasileiro. Este foi o primeiro passo para tornar-se conhecida e depois apostar forte em programas televisivos. Os líderes iurdianos souberam usar a seu favor o poder

de atração de seus cultos, seja para se contrapor ou para estabelecer diálogos e alianças com os segmentos mais populares, bem como as classes que insistiam em subjugá-los.