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Lacan (1995) inicia o Seminário, Livro IV, A relação de objeto justificando o motivo de não ter trabalhado o tema, a relação de objeto, anteriormente, ou seja, no início de seu ensino, devido à segunda parte do título do Seminário denominada e as estruturas

freudianas. O que Lacan vai fazer ao longo desse seminário é desmitificar a idéia vigente na

época entre alguns analistas e instituições psicanalíticas de que há um objeto perfeito, para o qual converge toda relação humana, e a sexual, por excelência. Assim, veremos que, por meio da leitura e da análise dos Três ensaios sobre a sexualidade de 1905, primeiramente e depois do caso o pequeno Hans, Lacan vai trazer à tona a idéia central da falta de objeto, conseqüentemente, vai ser trabalhado também por ele, a dialética dos dois princípios o do prazer e o da realidade. Nosso interesse é o de apreender, nesse Seminário IV, a concepção de Real, que se diga de passagem, será definida como pleno, como aquilo que basta a si mesmo. Logo nas primeiras páginas desse seminário IV, Lacan (1995, p. 12-13) remete à concepção de objeto em Freud citando os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, mais especificamente a última divisão do texto intitulada A descoberta de objeto, afirmando que se fala implicitamente de objeto quando entra em cena a noção de realidade, fala-se ainda de objeto todas as vezes que se implica “a ambivalência de certas relações fundamentais, isto é, o fato de que o sujeito se faz de objeto para o outro, que há um certo tipo de relações em que a reciprocidade, pelo viés de um objeto, é patente, e mesmo constituinte”. Mas, segundo Lacan (1995, p. 13), ainda que em Freud se trate de objeto, não se pode perder de vista sua

concepção formulada já no Projeto que “toda maneira, para o homem, de encontrar o objeto é, e não passa disso, a continuação de uma tendência onde se trata de um objeto perdido, de um objeto a se reencontrar”. E, assim, se se trata de um objeto, por outro lado, não se trata do objeto “considerado na teoria moderna como o objeto plenamente satisfatório, objeto típico, objeto por excelência, o objeto harmonioso, o objeto que funda o homem numa realidade adequada, na realidade que prova a maturidade – o famoso objeto genital” (LACAN, 1995, p.13). Há, dessa maneira, como ponto de partida o estabelecimento de um conflito entre sujeito e mundo, sujeito e objeto, para Lacan, já presente em Freud, uma vez que o objeto perdido é diferente do objeto reencontrado. Segundo Lacan, “Freud nos indica que o objeto é apreendido pela via de uma busca do objeto perdido” (p.13). Mas, este objeto que é reencontrado é “o objeto reencontrado do primeiro desmame, o objeto que foi inicialmente o ponto de ligação das primeiras satisfações da criança” (p.13). Assim, instala-se uma discordância pelo simples fato dessa repetição e o esforço da busca é exercido pela nostalgia que liga o sujeito ao objeto perdido. Dessa maneira, “é através da busca de uma satisfação passada e ultrapassada que o novo objeto é procurado, e que é encontrado e apreendido noutra parte que não no ponto onde se o procura” (p. 13). E acrescenta Lacan (1995, p. 13): “Existe aí uma distância fundamental, introduzida pelo elemento essencialmente conflitual incluído em toda busca do objeto”. Esta é a primeira maneira em Freud do aparecimento da relação de objeto. Dessa forma também é uma nova relação que se estabelece entre sujeito e objeto. A análise introduz do objeto uma outra função que não a de simples correspondente do sujeito, ou seja:

“Não se trata de uma simples cooptação do objeto com uma certa demanda do sujeito. O objeto tem ali um papel completamente outro, ele é, se podemos dizer assim, colocado sobre um fundo de angústia. O objeto é instrumento para mascarar, enfeitar o fundo fundamental de angústia que caracteriza, nas diferentes etapas do desenvolvimento do sujeito, sua relação com o mundo. É assim que, em cada etapa o sujeito deve ser caracterizado” (p. 21).

Assim, a idéia de uma harmonia entre sujeito e objeto cai-se por terra. Isso não é observado apenas na análise, mas nas relações comuns entre homem e mulher. Lacan é aqui categórico ao enfatizar que não haveria razão da análise se nessa relação (homem – mulher) não houvesse nenhum tipo de conflito. É nesse contexto que se vão situar as três formas da falta de objeto. Antes dessa caracterização das formas de falta de objeto, Lacan procura, mais uma vez, definir o estatuto desse objeto. Inicialmente, o objeto se apresenta como busca do objeto perdido: “O objeto é sempre o objeto descoberto, o objeto tomado ele próprio numa busca, que se opõe da maneira mais categórica à noção do sujeito autônomo, onde desemboca a idéia do objeto acabado”(LACAN, 1995, p. 25). Há a noção de objeto alucinado sob um fundo de realidade angustiante: “Este é o objeto, tal como surge no exercício do que Freud chama de sistema primário do prazer” (LACAN, 1995, p.25). Em oposição a este objeto, tal como se verifica na prática analítica, há um objeto que se reduz ao Real:

“Trata-se de reencontrar o real. Este objeto se destaca não mais sobre um fundo de angústia, mas sobre o fundo de realidade comum, se podemos dizer assim, e o limite da pesquisa analítica é perceber que não há razão para dele se ter medo. Medo é um termo a se distinguir da angústia” (Lacan, 1995, p. 25, grifo do autor).

Falta assim, afirma Lacan (1995, p. 25-26), um terceiro tema em que o objeto aparece que é o da “reciprocidade imaginária”, isto é, “em toda relação do sujeito com o objeto, o lugar do termo em relação é simultaneamente ocupado pelo sujeito”. Lacan (1995, p. 26) afirma ainda que “é a este último ponto que mais se liga a prática da relação de objeto na técnica analítica moderna”. Mas Lacan é um crítico ferrenho da “reciprocidade imaginária” na relação sujeito-objeto. Uma vez que o que está em jogo aí é a identificação do sujeito com o analista, ou melhor, do sujeito com o eu do analista, parcializa-se, assim, o manejo da relação de objeto, bem como condiciona-a a um extremo desvio. Mesmo no campo imaginário, entretanto, há um terceiro elemento que salta aos olhos, o falo. Assim, afirma Lacan (1995, p. 27) que: “Ao considerar a relação dual como real, uma prática não pode escapar às leis do

imaginário, e o desfecho dessa relação de objeto é a fantasia de incorporação fálica”. O falo é assim um objeto imaginário privilegiado. Há, portanto, uma tríade imaginária. Entretanto, procura-se, neste terreno, reduzir esse falicismo imaginário a qualquer dado real. É aqui que Lacan (1995, p. 29) formula a grande questão a ser trabalhada durante todo esse Seminário IV, a saber: “Toda a ambigüidade da questão levantada em torno do objeto e de seu manejo na análise se resume no seguinte: o objeto é ou não o real?”. Ao começar a responder, Lacan (1995, p. 30) a desdobra em função do término de uma análise, ou seja, o que se busca no final de uma análise é atingir um objeto real? “O objeto é real ou não? O que se encontra no real é o objeto?”. Embora Lacan mencione o registro do Real, a primazia vai ser dada ao simbólico na medida em que, como veremos, a castração diferentemente da frustração e da privação é simbólica, por excelência, e o falo, na sua dimensão simbólica ou até mesmo somente na sua dimensão imaginária, difere do pênis, órgão real. Além de sua dimensão imaginária, o falo é concebido no plano simbólico, ou melhor, “a noção de falicismo implica por si mesma o desprendimento da categoria do imaginário” (LACAN, 1995, p. 30).

Todavia, esse é um momento privilegiado, desse Seminário IV, para que Lacan (1995, p. 31) disserte sobre o real. Lacan admite o quanto escapa pela tangente, quando se propõe a falar do Real, pois, para ele, o Real está no limite da experiência psicanalítica: “Essa posição com referência ao real é explicada, de modo bastante suficiente, pela tela de nossa experiência, cujas condições são muito artificiais, contrariamente ao que nos dizem quando a apresentam para nós com uma situação simples”. Nesse sentido, “só podemos nos referir ao real teorizando” (p. 31). Assim, é o que pensa ainda Lacan nesse momento de seu ensino. Mas ele persiste na seguinte questão: ao invocar o real, o que queremos dizer? Provavelmente, Lacan afirma que, de saída, não temos do Real a mesma noção, o que não nos impede que manejemos este termo real ou realidade, conforme o uso que se faz dele, fazendo certas dissociações ou distinções. Dessa maneira, quando se fala em Real podem-se visar coisas

diferentes. Primeiramente, o Real pode ser concebido como “um conjunto daquilo que acontece efetivamente” (LACAN, 1995, p. 31). Lacan (1995, p. 31) vai dizer que é esta “a noção implicada no termo alemão Wirklichkeit, que tem a vantagem de discernir na realidade uma função que a língua francesa permite mal isolar. É isso que implica, em si, toda possibilidade de efeito, de Wirkung. Este é o conjunto do mecanismo”. Diferentemente, como muitos adotam nas suas práticas analíticas, a perspectiva freudiana supõe, para Lacan, que há uma ordem própria e é sob uma perspectiva energética que todo o sistema é dirigido. Assim também não se deve confundir o Stoff, matéria primitiva, o impulso, a tendência com a

Wirklichkeit simbólica. Lacan (1995, p. 32), a fim de mostrar a diferença que há entre Stoff e Wirklichkeit simbólica, apresenta a seguinte metáfora:

“É mais ou menos como se, tendo que discorrer sobre uma usina hidrelétrica em pleno meio da corrente de um grande rio, o Reno, por exemplo, alguém se pusesse, para falar do que acontece nessa máquina, a sonhar com o momento em que a paisagem ainda era virgem e as águas do Reno fluíam em ambudância. Ora, é a máquina que está no princípio da acumulação de uma energia qualquer, no caso essa força elétrica, que pode ser depois distribuída e posta à disposição dos consumidores. O que se acumula na máquina tem, antes de tudo, a mais íntima relação com a máquina. Dizer que a energia já estava ali em estado virtual na corrente do rio não nos adianta nada. Isso não quer dizer nada, falando propriamente, pois a energia, neste caso, só começa a nos interessar a partir do momento em que as máquinas foram acionadas. Sem dúvida, elas são animadas por uma propulsão que vem da corrente do rio, mas acreditar que a correnteza do rio é a ordem positiva da energia, confundir com uma noção da ordem do mana esta coisa de uma ordem muito bem diferente que é a energia, e mesmo que é a força, querer a todo custo reencontrar em algo que estaria ali desde toda eternidade a permanência daquilo que é acumulado ao final como o elemento de Wirkung, de Wirklichkeit possível, isso só poderia vir à idéia de alguém que fosse inteiramente louco”.

E acrescenta: “O conflito, a dialética, a organização, a estruturação de elementos que se compõem e se edificam, dão ao que está em questão um alcance energético inteiramente outro. É desconhecer a realidade própria em que nos deslocamos conservar a necessidade de falar da realidade última como se ela estivesse noutra parte que não nesse próprio exercício” (Lacan, 1995, p. 32). É o organicismo que Lacan está aqui criticando, e afirma que Freud apenas o menciona aparentemente, pois, para aquele, “a realidade é, com

efeito, posta em jogo igualmente no duplo princípio, princípio de prazer e princípio de realidade” (p. 33). A fim de justificar essa importante afirmativa, Lacan (1995, p. 33) acrescenta que: “Trata-se, aí, de algo inteiramente diferente, pois o princípio de prazer não se exerce de maneira menos real que o princípio de realidade, penso mesmo que a análise é feita para demonstrá-lo. O uso do termo realidade, aqui, é inteiramente outro”. Há, dessa forma, um contraste muito grande, uma vez que inicialmente o uso que se mostrava tão fecundo ao introduzir os termos sistema primário e sistema secundário, na medida em que a análise avançou se mostrou problemático. Assim, o que está no centro do problema, e que a experiência analítica não pode prescindir é da noção da falta de objeto. Nesse momento, Lacan (1995, p. 35) enfatiza que não se trata de um negativo, “mas a própria mola da relação do sujeito com o mundo”. É a castração, noção paradoxal, que deu início à análise da neurose, que entra em cena aqui, e que não está ainda totalmente elaborada. Nesse momento, Lacan vai distinguir as três formas de falta de objeto, a saber, a castração, a frustração e a privação.

Segundo Lacan, toma-se a castração como sendo da ordem da frustração, o que a seu ver é um erro. Ele inicia dissertando sobre a frustração e, para isso, vai distingui-la da privação. Uma vez que Jones introduz a noção de privação e a faz eqüivaler à de frustração, ao afirmar que no psiquismo elas são experimentadas da mesma maneira, para Lacan (1995, p. 36), ao referir a privação, deve-se levar em conta que “é na medida em que o falicismo, a saber, a exigência do falo, é, como diz Freud, o ponto principal de todo jogo imaginário no progresso conflitual que é o descrito pela análise do sujeito”. Assim, só se pode falar de privação, se se considera o real como diferente do imaginário. A exigência fálica, dessa maneira, não é exercida por aí, e se torna mais problemático ainda “que um ser apresentado como uma totalidade possa sentir-se privado de algo que, por definição, ele não tem”(p. 36). Nesse contexto, afirma Lacan (1995, p. 36) que, na sua perspectiva de falta, a privação “é

essencialmente uma falta real. É um furo”. Já a frustração, no uso comum que dela fazemos, temos que ela é um dano, uma lesão; está, assim, por essência, no domínio da reivindicação. A frustração “diz respeito a algo que é desejado e não obtido, mas que é desejado sem nenhuma referência a qualquer possibilidade de satisfação nem de aquisição” (p.36). Lacan (1995, p. 36) é mais assertivo ao firmar que “a frustração é por si mesma o domínio das exigências desenfreadas e sem lei”. A frustração, uma das categorias da falta, tem como centro um dano imaginário. Só assim, de posse dessas duas definições e distinguindo uma da outra, que se torna possível dissertar sobre a castração.

Logo de início, Lacan afirma que a castração em Freud foi introduzida “de uma maneira absolutamente coordenada à noção da lei primordial, do que há de lei fundamental na interdição do incesto e na estrutura do Édipo”(p. 36). Freud dera, pois, um salto mortal na experiência ao introduzir essa noção tão paradoxal que é a de castração. Portanto, para Lacan (1995, p. 36), “a castração só pode se classificar na categoria da dívida simbólica”. Assim, dívida simbólica, dano imaginário e furo, ou ausência, real são os termos de referência da falta de objeto, bem entendido, e não de objeto, pois que ao nível do objeto é preciso que se formule a seguinte questão – “o que é o objeto que falta nesses três casos?” (LACAN, 1995, p. 37). No nível da castração, o que falta não é um objeto real, pois a castração “é constituída pela dívida simbólica, a alguma coisa que sanciona a lei e que lhe dá seu suporte e seu inverso, o que é a punição” (LACAN, 1995, p. 37). O objeto é, assim, imaginário e a castração é sempre a de um objeto imaginário. É por esse motivo que se toma muitas vezes a frustração pela castração: “É essa comunidade que existe entre o caráter imaginário da falta na frustração e o caráter imaginário do objeto da castração, o fato da castração ser uma falta imaginária do objeto, que nos facilitou crer que a frustração nos permitiria alcançar bem mais facilmente ao centro dos problemas”(LACAN, 1995, p. 37). Já o objeto da frustração, por mais imaginária que ela possa ser, é um objeto real: “É sempre de um objeto real que se sente

falta a criança, por exemplo, sujeito preferencial de nossa dialética da frustração”(LACAN, 1995, p. 37). O objeto da privação, por sua vez, é um objeto simbólico.

Nesse momento do texto, Lacan vai, ainda que sucintamente, descrever sobre o Real, - o que nos interessa muito de perto - para justificar que no Real nada falta e que assim só pode faltar algo no Real que seja da ordem do Simbólico:

“Tudo o que é real está sempre e obrigatoriamente em seu lugar, mesmo quando se o perturba. O real tem por propriedade carregar seu lugar na sola dos sapatos. Podem desarrumar quanto quiserem o real, ainda assim nossos corpos vão continuar em seu lugar depois da explosão de uma bomba atômica, em seu lugar de pedaços. A ausência de alguma coisa no real é puramente simbólica. É na medida em que definimos pela lei o que deveria estar ali que um objeto falta no lugar que é seu. Não há melhor referência do que esta: pensem no que acontece quando vocês pedem um livro numa biblioteca. Dizem-lhes que não está no lugar, ele pode estar bem ao lado, mas ainda assim, em princípio, falta no seu lugar – ele é, por princípio, invisível. Isso quer dizer que o bibliotecário vive inteiramente num mundo simbólico. Quando falamos de privação, trata-se de objeto simbólico e de nada mais”(p. 38).

Vemos, aqui, uma importante faceta da definição de Real. Mas, a primazia é dada ao Simbólico, na medida em que é a lei que define se um objeto falta no lugar em que deveria estar. Para completar o quadro, Lacan indaga sobre quem é o agente em cada situação. Entretanto, ele não responde completamente nesse momento, deixando para retomar mais à frente quando descreverá sobre o falo. Aqui, ele apenas diz que, na frustração, é a mãe o agente.

A partir desse momento, adentramos no capítulo III desse Seminário, A relação

de objeto, onde se vai situar o conceito de libido, bem como o paradoxo que há tanto no

princípio de prazer quanto no princípio de realidade. Para definir a libido, Lacan (1995, p. 44) retoma Freud e diz que se trata de energia. Embora seja “a libido o que liga o comportamento dos seres entre si, e que lhes dará, por exemplo, a posição ativa ou passiva”, ela tem sempre efeitos ativos, mesmo na posição passiva, “pois é realmente necessária uma atividade para adotar a posição passiva” (p. 45). Tudo isso seria muito paradoxal se se considerasse tudo no nível apenas do imaginário, em que “o comportamento de um ser vivo na presença de um

outro ser vivo a ele está ligado pelos laços do desejo, da vontade, que é, com efeito, uma das molas essenciais do pensamento freudiano para organizar o que está em jogo em todos os comportamentos da sexualidade”(LACAN, 1995, p. 45). Seguindo esse raciocínio, Lacan afirma que se tem costume de relacionar o Es com a libido, os instintos, as tendências, e indaga sobre afinal, o que é o Es. Categoricamente, afirma Lacan (1995, p. 45), “o Es é aquilo que no sujeito é suscetível, por intermédio da mensagem do Outro, de tornar-se Eu” (grifo do autor). O Es não é, então, uma realidade bruta, não é o que está antes, “o Es já está organizado, articulado, como é organizado, articulado, o significante” (p. 45). Comparado à máquina, já que se está falando de energia:

“Toda a força que se encontra lá pode vir a ser transformada, com a diferença que ela não é só transformada podendo ser também acumulada. (...) Mesmo que haja toda essa energia antes, ainda assim, uma vez construída a usina ninguém pode contestar antes que existe uma diferença sensível, e não simplesmente na paisagem, mas no real” (LACAN, 1995, p. 45).

Lacan nos convida a retomar a questão nos níveis do princípio de prazer e do princípio de realidade. O processo secundário e o processo primário externamente se opõem na medida em que o sistema primário é governado pelo princípio do prazer, tendência a voltar ao repouso e, o secundário, pelo princípio de realidade, ou seja, “pelo que força o sujeito à conduta do desvio na realidade, como se diz, exterior”(p. 46). Na prática, as coisas não se dão tão bem assim, acentua Lacan, pois há aí um caráter conflitual e dialético. É nesse sentido que há, para cada um dos princípios, seu paradoxo. Quanto ao princípio de prazer, é a lei do retorno ao repouso que está aí em jogo. Entretanto, Freud com o conceito de libido, segundo Lacan, o prazer no sentido concreto, o lust, em alemão tem duplo sentido, ou seja, “é ao mesmo tempo o prazer e a vontade, isso é o estado de repouso, mas também a ereção do desejo” (LACAN, 1995, p. 46). Embora esses dois termos apresentem aparentemente certa contradição “nem por isso estão menos ligados eficazmente na experiência” (LACAN, 1995,

p.46). No nível da realidade, a contradição está em que “não existe apenas a realidade contra a qual nos batemos, mas também o contorno, o desvio da realidade” (LACAN, 1995, p. 46). A partir daí, Lacan vai dizer que tudo isso fica mais claro, se fizermos intervir, paralelamente à

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