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O Seminário, Livro III, As Psicoses foi proferido por Lacan nos anos de 1955- 56. Nesse texto, Lacan vai dedicar todo um capítulo ao conceito de significante. Mas, é antes da descrição do fenômeno da alucinação que ele se preocupará. Assim, Lacan (1992b, p. 12), logo de início, afirma que as esquizofrenias são mais abordadas que as paranóias e que Freud havia dividido o campo das psicoses em dois: paranóia e parafrenia, que “corresponde exatamente ao campo das esquizofrenias”. Antes de sua própria contribuição sobre as paranóias, Lacan (1992b, p. 13) acentua que “um paranóico era uma pessoa má, um intolerante, um tipo de mau humor, orgulho, desconfiança, suscetibilidade, sobrestimação de si mesmo”. Enfim, a paranóia se referia a uma estrutura perversa do caráter. Lacan afirma que em sua Tese de 1932, havia tentando elaborar um outro ponto de vista. Nesse contexto do Seminário III, Lacan cita o Sr. Clérambault, tido por todos como um defensor de uma concepção organicista extrema, como aquele que teve um valor clínico concreto. Lacan critica Jaspers com seu conceito de “relação de compreensão”, “pivô” de toda a sua psicopatologia dita geral. Segundo Lacan (1992b), essa relação de compreensão consiste em pensar que há coisas que são evidentes e trata-se, portanto, de uma “miragem inconsistente”.

Assim, é por intermédio da psicogênese que o objeto psiquiátrico é introduzido dessa famosa relação de compreensão. Lacan (1992b, p. 16-17) difere categoricamente a psicogênese da psicanálise e afirma que esta última tal como a física, “faz intervir móbeis que estão além da experiência imediata e não podem, de forma alguma, ser apreendidos de maneira sensível”. A experiência psicanalítica “é uma experiência realmente estruturada por algo de artificial que é a relação analítica, tal como é concebida pela confissão que o sujeito vem fazer ao médico, e pelo que o médico dela faz. É a partir desse modo operatório primeiro que tudo elabora”(p. 17). É o simbólico, por excelência, que estrutura essa experiência psicanalítica. Lacan, logo após essa afirmativa, vai se referir aos três registros, o próprio Simbólico, o Imaginário e o Real como forma de compreender o que quer que seja da experiência psicanalítica. Dessa maneira, para além da compreensão, da experiência imediata, há o Simbólico. O Imaginário, por sua vez, “é sem dúvida guia de vida para todo o campo animal. Se a imagem desempenha inteiramente um papel capital no campo que é o nosso, esse papel é inteiramente retomado, refeito, reanimado pela ordem simbólica” (p. 17). Trata-se, assim, da linguagem como “estrutura organizada”. E “a imagem é sempre mais ou menos integrada na ordem que se define no homem, lembro isso a vocês, por seu caráter de estrutura organizada” (p. 17). Lacan indaga, então, sobre a diferença que haveria entre o que é da ordem imaginária ou Real e o que é da ordem simbólica. Segundo Lacan, “na ordem imaginária, ou real, nós temos sempre mais e menos, um limiar, uma margem, uma continuidade. Na ordem simbólica, todo elemento vale como oposto a um outro” (p. 17, grifos nossos). Lacan vai situar o trabalho de Freud com o texto de Schreber como um dos exemplos mais claros de como a interpretação analítica é da ordem simbólica. Mas ele nos adverte que o método analítico libera mais que uma leitura de ordem simbólica: “Já que se trata do discurso, do discurso impresso, do alienado, que estejamos na ordem simbólica é portanto indiscutível” (p. 20). Em seguida, Lacan (1992b, p. 20) indaga a respeito do material desse discurso e assinala que se trata do

corpo próprio. O campo do imaginário é caracterizado como sendo o da “relação ao corpo próprio”. E “essa relação, sempre no limite do simbólico, só a experiência analítica permitiu apreendê-la em suas últimas instâncias”. Dessa maneira, para Lacan, só se pode chegar até o Imaginário, até o Real pelo Simbólico, ou seja, “pela porta de entrada do simbólico” (p. 20).

A ênfase a ser dada ao Real é aquela que se relaciona com o inconsciente estruturado como uma linguagem. Aqui, nas palavras de Lacan (1992b, p. 20), “a questão não é tanto de saber por que o inconsciente que se está aí, articulado à flor da terra, permanece excluído para o sujeito, não-assumido – mas porque ele aparece no real”. Logo em seguida, Lacan retoma o comentário que Hyppolite havia feito da Verneinung, afirmando que, da análise feita por Hyppolite, destaca-se que “no que é inconsciente, tudo não é somente recalcado, isto é, desconhecido pelo sujeito após ter sido verbalizado, mas que é preciso admitir, atrás do processo de verbalização, uma Bejahung primordial, uma admissão no sentido do simbólico, que pode ela própria faltar”(Lacan, 1992b, p. 21). Assim, quanto ao sujeito psicótico, é de uma falha no simbólico que vai se tratar. Lacan, aqui, diferencia

Verneinung de Verwerfung14, baseando-se na recusa ou não do sujeito ao mundo do simbólico, isto é:

“Pode acontecer que um sujeito recuse o acesso, ao mundo do simbólico, de alguma coisa que no entanto ele experimentou e que não é outra coisa senão a ameaça da castração. Toda a continuação do desenvolvimento do sujeito mostra que ele nada quer saber disso, Freud o diz textualmente no sentido do recalcado. O que cai sob o golpe do recalque retorna, pois o recalque e o retorno do recalcado são apenas o direito e o avesso de uma mesma coisa. O recalcado está sempre aí, e ele se exprime de maneira perfeitamente articulada nos sintomas e numa multidão de outros fenômenos. Em compensação, o que cai sob o golpe da Verwerfung tem uma sorte completamente diferente” (p. 21, grifos do autor).

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No texto Resposta ao comentário de Jean Hypollite sobre a ‘Verneinung’ de Freud, Lacan (1998q, p. 389- 390) afirma: “A Verneinung, portanto, corta pela raiz qualquer manifestação da ordem simbólica, isto é, da Bejahnung que Freud anuncia como o processo primário em que o juízo atributivo se enraíza, e que não é outra coisa senão a condição primordial para que, do real, alguma coisa venha se oferecer à revelação do ser, ou, para empregar a linguagem de Heidegger, seja deixado ser. Pois é justamente a esse ponto recuado que Freud nos leva, uma vez que é só depois dele que se poderá encontrar o que quer que seja como ente”.

Como conseqüência, por enquanto, dessa noção, pondera Roustang (1988, p. 52) que “se o inconsciente se torna consciente no psicótico, isso equivaleria a dizer que o simbólico passa no real, entendido aqui, como realidade tornada visível”. E Lacan (1992b, p. 21) vai chegar, nesse mesmo seminário sobre As Psicoses, à proposição, bastante conhecida: “tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real15”. Lacan recorre aqui ao caso freudiano do Homem dos Lobos para sustentar essa importante afirmativa. O “Homem dos Lobos”, segundo Lacan, não deixa de testemunhar tendências e propriedades psicóticas – demonstrado por ele na curta paranóia, feita entre o fim do tratamento de Freud e o momento em que ele é retomado ao nível da observação. Trata-se de um acontecimento ocorrido em sua infância e que é relatado detalhadamente pelo “Homem dos Lobos”. A cena é retomada, por Lacan (1992b, p. 21), nas seguintes palavras:

“Brincando com a sua faca, ele cortou o dedo, que só ficou preso mesmo por um pedacinho de pele. O sujeito conta esse episódio num estilo calcado no vivido. Parece que toda referenciação temporal tenha desaparecido. Ele sentou-se em seguida num banco, ao lado de sua ama, que é justamente a confidente de suas primeiras experiências, e não teve a coragem de falar com ela sobre isso. Quão significativa esta suspensão de toda possibilidade de falar – e precisamente com a pessoa a quem ele falava de tudo, e especialmente de coisas dessa ordem. Há aí um abismo, uma imersão temporal, um corte de experiência, depois do que resulta que não há absolutamente nada, tudo acabou, não falemos mais nisso. A relação que Freud estabelece entre esse fenômeno e esse especialíssimo não saber nada da coisa, mesmo no sentido do recalcado, expresso em seu texto, traduz-se por isto: o que é recusado na ordem simbólica ressurge no real”.

15 Lacan (1998q, p. 390) a esse respeito considera: “Mas, com o que não foi deixado ser nessa Bejahung, o que

advém? Freud nos disse inicialmente: o que o sujeito assim suprimiu (verworfen) da abertura para o ser, dizíamos, não será reencontrado em sua história, se designarmos por esse nome o lugar onde o recalcado vem a aparecer. É que – peço-lhes que notem como é impressionante essa fórmula, por não ter a menor ambigüidade – o sujeito não quererá ‘saber nada disso no sentido do recalque’. Pois, com efeito, para que ele tivesse de reconhecê-lo nesse sentido, seria preciso que isso, de algum modo, tivesse vindo à luz pela simbolização primordial. Mais uma vez, porém, que acontece com isso ? O que acontece vocês podem ver: o que não veio à luz do simbólico aparece no real” (grifos do autor). E acrescenta Lacan: “Pois é assim que se deve compreender a Einbeziehungins Ich, a introdução no sujeito, e a Austossung aus dem Ich, a expulsão para fora do sujeito. É esta última que constitui o real, na medida em que ele é o domínio do que subsiste fora da simbolização. E é por isso que a castração, aqui suprimida pelo sujeito dos próprios limites do possível, mas igualmente subtraída, por isso, das possibilidades da fala, vai aparecer no real, erraticamente, isto é, em relações de resistência sem transferência – diríamos, para retomar a metáfora de que nos servimos há pouco, como uma pontuação sem texto” (p. 390).

Segundo Roustang (1988, p. 53), o raciocínio parece ser o seguinte: “Por não ter podido ser falada, a ameaça da castração não pôde ser metabolizada, simbolizada, reaparece na forma de uma alucinação, isto é, na forma de uma imagem visual que, para o psicótico, tem todo o aspecto de uma imagem real”. Assim, para Lacan (1992b, p. 23), “há uma relação estreita entre, de um lado, a denegação e o reaparecimento na ordem puramente intelectual do que não está integrado pelo sujeito, e, de outro, a Verwerfung e a alucinação, isto é, o reaparecimento no real do que é recusado pelo sujeito16. Há aí uma gama, um leque de relações”. Nesse contexto do Seminário III, Lacan (1992b) indaga a respeito do que seja o fenômeno alucinatório. A fonte desse fenômeno está na história do sujeito no simbólico. Embora ele nos advirta que “toda história é por definição simbólica”, há uma distinção no simbólico quanto à origem do recalcado no neurótico e no psicótico. Ou seja, “a origem do recalcado neurótico não se situa no simbólico no mesmo nível de história que o recalcado de que se trata na psicose”(p. 22). Lacan (1992b, p. 23) retoma aqui o esquema L, trabalhado no seminário II, anterior a esse sobre As Psicoses. Resumidamente, o esquema L:

“(...) figura a interrupção da palavra plena entre o sujeito e o Outro e seu desvio pelos dois eu, a e a’, e suas relações imaginárias. Uma triplicidade está aqui indicada no sujeito, que abrange o fato de que é o eu do sujeito que fala normalmente a um outro, e do sujeito, do sujeito S, em terceira pessoa. Aristóteles observava que não convém dizer que o homem pensa, mas que ele pensa com sua alma. Da mesma maneira, eu digo que o sujeito se fala com o seu eu”.

Para Lacan (1992b, p. 23), o sujeito normal fala com seu eu de uma maneira “nunca plenamente explicitável”, constituindo assim uma relação ambígua, ou seja, “toda assunção do eu é revogável”. Já no sujeito psicótico, há uma identificação do eu com o qual

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Lacan (1998q) afirma: “Mas o sujeito não experimenta um sentimento menos convincente ao esbarrar no simbólico que originalmente suprimiu de sua Bejahung. Pois nem por isso esse símbolo entra no imaginário. Ele constitui, diz-nos Freud, aquilo que não existe propriamente; e é como tal que ek-siste, pois nada existe senão sobre um suposto fundo de ausência. Nada existe senão na medida em que não existe. Do mesmo modo, é isso que aparece em nosso exemplo. O conteúdo da alucinação, tão maciçamente simbólico, deve seu aparecimento no real ao fato de não existir para o sujeito. Com efeito, tudo indica que este continuou fixado, em seu inconsciente, numa posição feminina imaginária que teria todo o sentido de sua anulação alucinatória” (p. 394).

ele fala. Exemplo disso é o que ocorre em certos fenômenos elementares, como a alucinação, forma mais característica:

“É ele que fala dele, o sujeito, o S, nos dois sentidos equívocos do termo, a inicial S e o ES alemão. É justamente o que se apresenta no fenômeno da alucinação verbal. No momento em que ela aparece no real, isto é, acompanhada desse sentimento de realidade que é a característica fundamental do fenômeno elementar, o sujeito fala literalmente com o seu eu, e é como se um terceiro, seu substituto de reserva, falasse e comentasse sua atividade” (p. 23, grifos nossos).

O fenômeno da alucinação aparece no Real acompanhado do sentimento de realidade, característica fundamental do fenômeno elementar. Assim, ao longo de todo esse seminário III, Lacan retomará, mais de uma vez, o esquema L, para demonstrar como na psicose a relação do sujeito é sempre da ordem do Imaginário, ou seja, de a a a’ e nunca vai se referendar ao Outro, com maiúscula, pois este enquanto portador do significante é, por isso mesmo, da ordem do Simbólico, estando aí, na psicose, ausente. No final desse seminário, Lacan chegará à proposição de que o problema do psicótico se encontra na sua relação com os significantes, na medida em que lhe faltou o significante primordial, ou seja, a “via mestra”, para Lacan, retomando à sua maneira Freud, a função paterna, o “procriar”, na sua fórmula o “Nome-do-Pai”, não o pai concreto, mas o “pai” enquanto simbólico, significante. Dessa maneira, o que faz Lacan é propor para o fenômeno psicótico outro mecanismo que não o proposto à neurose, que, por sua vez, trata-se da castração. Para Lacan, na psicose, traduzindo ao seu modo, o termo freudiano Verwerfung, houve foraclusão do significante primordial e não recalcamento, Verdrängung. E o Real, onde ele entra aí? Aqui, nesse seminário III, Lacan, mais do que nunca, acentua, em vários momentos, a idéia de que o significante, o simbólico estrutura a realidade humana e como corolário disso, o homem só tem acesso ao mundo, “humaniza o real”, na medida em que para além do imaginário, para além das significações, ele faz uso do significante. Ou seja, há, primeiro a linguagem, o símbolo, o traço, o significante. Nesse sentido, torna-se impossível o acesso ao Real que não seja

mediatizado pelo Simbólico. Assim, estamos mergulhados no Simbólico que recorta o Real. Logo no início do Seminário, que estamos considerando, mais precisamente, no capítulo VI,

O fenômeno psicótico e seu mecanismo, Lacan (1992b, p. 98) descreve a categoria do Real.

Em suma, ele dirá que o campo do real é um campo diferente do campo do simbólico. Anteriormente a esta definição, Lacan (1992b, p. 98) afirmara que “na relação do sujeito com o símbolo, há a possibilidade de uma Verwerfung primitiva, ou seja, que alguma coisa não seja simbolizada, que vai se manifestar no real”. Assim, quando Lacan tem oportunidade de definir o que é o Real, ele acaba, aqui, definindo-o como o que difere do Simbólico.

Em vários momentos desse seminário III, Lacan afirma que na neurose o que foi recalcado retorna em forma de sintoma, sonhos, etc. Mas, houve primitivamente uma simbolização. No caso da psicose, algo não foi simbolizado e retorna não por meio de sintomas, sonhos, etc., mas no Real, pelas alucinações, pelos delírios, etc. Como já dissemos, para Lacan, o que faltou ao psicótico foi o significante primordial, o “procriar”. A análise do caso Schreber, em seu livro Memórias de um doente dos nervos, examinado anteriormente por Freud, serve a Lacan para demonstrar claramente suas teses de que o inconsciente é estruturado como uma linguagem, sendo a tese principal a de que há para além das significações, os significantes. Assim, a temática da psicose lhe servirá muito mais para demonstrar essa tese de que “tudo o que é humano está submetido à lei da fala” (p. 100), do que simplesmente dissertar a respeito da origem da alucinação, por exemplo. É justamente na psicose que melhor se evidencia a supremacia do significante sobre o significado, pois ali onde o significante falta é quando ele demonstra, segundo Lacan, sua força, uma vez que o sujeito psicótico coloca em questão o conjunto dos significantes, o significante enquanto tal. Lacan montará essa tese retomando as considerações feitas por Freud sobre o complexo de Édipo. Assim, desde as origens, para Lacan, no complexo de Édipo, a Lei está ali e “a sexualidade humana deve se realizar por meio e através dela. Essa lei fundamental é

simplesmente uma lei de simbolização”(p. 100). É nesse contexto que ele vai traduzir, à sua maneira, os três registros, trabalhados por Freud, a saber, Verdichtung, Verdrängung e

Verneinung. Assim, será no interior da Lei da simbolização que vai se produzir tudo o que se

pode imaginar, enfatiza Lacan, sob aqueles três registros. O primeiro registro se refere à lei do mal-entendido e, graças a ele, afirma Lacan (1992b, p. 100), que nós sobrevivemos e podemos fazer várias coisas ao mesmo tempo: “Podemos, por exemplo, quando somos um homem, satisfazer completamente nossas tendências opostas ocupando numa relação simbólica uma posição feminina, embora permanecendo um homem, dotado de sua virilidade, no plano imaginário e no plano real”. O segundo registro não se trata da lei do mal-entendido. Segundo Lacan (1992b, p. 100), “é o que se passa quando isso não cola ao nível de uma cadeia simbólica”. É o recalque propriamente dito. O terceiro registro se refere à ordem do discurso “e concerne ao que somos capazes de fazer vir à tona por uma via articulada” (p. 101). Segundo Lacan, o princípio de realidade intervém justamente aí. Não se trata da atribuição do valor de símbolo, mas do valor de existência. Trata-se, assim, desde Freud, sempre de reencontrar um objeto. Lacan acentua, nesse contexto, a importância dessa concepção do juízo de realidade definido por Freud, afirmando que o sujeito jamais reencontra o objeto e que é nisso que consiste o princípio de realidade:

“O sujeito não o reencontra jamais, escreve Freud, senão um outro objeto, que corresponderá de maneira mais ou menos satisfatória às necessidades de que se trata. Jamais encontra senão um objeto distinto, pois que deve por definição reencontrar alguma coisa que é de empréstimo. Aí é o ponto essencial em torno do qual gira a introdução na dialética freudiana, do princípio de realidade” (p. 102).

A dialética freudiana a que está se referindo Lacan é a dos dois princípios, o de prazer e o de realidade como não podendo ser pensados um sem o outro, são, portanto, inseparáveis. Mas Lacan nos adverte que, ao escolher um deles, o princípio de prazer, dão muita ênfase, sustentando, assim, que tal princípio domina e engloba o princípio de realidade,

e não é disso que se trata, como vimos na definição acima. Essa definição do princípio de realidade em Freud, segundo Lacan, que não se trata da realidade exterior bruta, é fundamental para que não se caia na falsa idéia, difundida no meio psicanalítico, de que na análise trata-se da relação de objeto. Como sabemos, Lacan dedicou um seminário inteiro, que é posterior a esse sobre as psicoses, para trabalhar essa importante questão. Entretanto, aqui nesse seminário III, Lacan demonstra o quanto no fenômeno psicótico é de outra coisa que se trata, ou seja, da ordem da novidade, que não foi simbolizada, mas emerge na realidade com uma significação enorme, surpreendendo o eu, sede de alienações fundamentais. Estamos, aqui, no coração desse Seminário III, As Psicoses, no momento em que Lacan está diferenciando o processo neurótico do psicótico, bem como relacionando-os com o Real, que nos é tão caro. Assim, é a função feminina em sua significação simbólica que emerge com toda força no Real a que Lacan está se referindo. E em Schreber é disso que se trata:

“Não falaremos nem em emasculação, nem em feminização, nem em fantasia de gravidez, pois isso vai até a procriação. Eis o que, absolutamente não num momento deficitário, mas ao contrário, num momento culminante de sua existência, se revela para ele sob a forma de uma irrupção no real de alguma coisa que ele nunca

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