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O fomento da relação público-privada: da política às estatísticas Os resultados ou efeitos dessa política que discutimos nas seções

MATRÍCULAS NO INÍCIO DO ANO Dependência Administrativa

2.4 O fomento da relação público-privada: da política às estatísticas Os resultados ou efeitos dessa política que discutimos nas seções

anteriores têm produzido impactos na oferta e democratização da educação básica, porém de forma distinta em cada etapa. A focalização do ensino fundamental, em detrimento das outras etapas e modalidades da educação básica, aumentou significativamente as matrículas naquele ano, registrando em 2007 que 97,6% das crianças e jovens estavam matriculados no ensino fundamental, levando os especialistas a declararem que se cumpre, como política pública, sua efetiva universalização. Apesar de essa etapa ter praticamente se universalizado, estudos apontam que 56,2% dos jovens não concluem o ensino fundamental (ABRAHÃO, 2009, citado por CAMPOS, 2010).

No que se refere a Educação Infantil, os efeitos dessa focalização levou a uma expansão lenta, sobretudo no que diz respeito às matrículas

das crianças de 0 a 3 anos de idade, conforme pode ser observado no Gráfico 1.

Gráfico 1 . Taxas de matrículas de creche e pré-escola no período de 1995-2009

FONTE: Campos (2010,p. 305), baseado nos dados do IPEA (2010).

O crescimento desigual das matrículas na creche e pré-escola, expressa as opções pela expansão das matrículas das crianças de 4 a 5 anos, que chegou a 80%. No entanto, esses dados escondem muitas diferenças regionais no acesso à Educação Infantil. Nas matrículas de 4 a 5 anos, por exemplo, Ceará e Piauí registram 90,7% de matrículas, enquanto Acre, Amapá e Rio Grande do Sul não ultrapassam a faixa de 52% (CAMPOS, 2010).

A desigualdade no acesso, concentrada na faixa etária de 4 a 5 anos, foi reforçada após a EC 59/2009, discutida anteriormente, que instituiu a obrigatoriedade da oferta com possibilidade de cumprimento até 2016. Nesse sentido, os municípios são impelidos a priorizar vagas na pré-escola obrigatória, em detrimento das vagas para crianças menores. Na creche, o atendimento passa a ficar minimizado e relegado à iniciativa privada com e sem fins lucrativos, reforçando a histórica diferença no acesso e na qualidade de atendimento oferecido.

De acordo com o IBGE (2010), em 2009, 59,1% das crianças de 0 a 3 anos que frequentavam a Educação Infantil, o faziam na rede pública, ao passo que 40,9% estavam em instituições privadas. Para a faixa etária de 4 a 5 anos, esses indicadores são mais favoráveis: 71,8% na rede pública e 32,2% na rede privada. Estes indicadores se

diferenciam de acordo com as diversas regiões do país, sendo que os percentuais para a pré-escola (4 -5) são sempre mais favoráveis, tanto em termos de taxas de matrícula quanto na oferta pública. Para três regiões do país, o percentual de privatização de 0 a 3 anos ultrapassa a faixa de 40%; observe-se que também os indicadores da pré-escola, no que se refere a privatização, embora menores do que aqueles da creche, são também elevados, considerando-se que se tem até 2012 para se cumprir a obrigatoriedade – ou seja, 100% das crianças desta faixa etária matriculadas.

Tabela 4 - Taxas de frequência a Educação Infantil, considerando a dependência administrativa das regiões (dados de 2009).

Região Etapa da EI Público Privado

Norte 0 – 3 anos 58,4% 41,6% 4 – 5 anos 75,5% 24,5% Nordeste 0 – 3 anos 53,0% 47,0% 4 – 5 anos 70,3% 29,7% Sudeste 0 – 3 anos 62,6% 37,4% 4 – 5 anos 72,7% 27,3% Sul 0 – 3 anos 59,1% 40,9% 4 – 5 anos 71,7% 38,3% Centro-oeste 0 – 3 anos 61,6% 38,9% 4 – 5 anos 70,0% 30%

FONTE: IBGE. Indicadores Sociais (2010)

A situação da Educação Infantil, já discutida por muitos especialistas em termos das medidas necessárias à sua universalização – cumprimento do direito constitucional, não parece ter sido ainda objeto de maior atenção do poder executivo. Se observarmos as metas do PNE, percebemos que as matrículas na creche ficaram muito aquém das expectativas; reafirmou-se a meta de atendimento de apenas 50% das crianças na creche, recolocando a meta não atendida do PNE 2001-2010. O percentual de atendimento deste segmento etário foi de 18,45 em 2009, muito aquém dos 30% estabelecidos como a primeira meta do PNE que ora finaliza (CAMPOS, 2010). Já na pré-escola, embora a meta de 80% tenha sido alcançada, há muitas diferenças regionais, conforme discutimos anteriormente.

Se observarmos o projeto do novo Plano Nacional de Educação que está em discussão, evidenciamos a manutenção dessa tendência:

Meta 1 - Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de Educação Infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos. (BRASIL, PNE, 2010).

Note-se que a meta do primeiro PNE, de atender 50% da população até três anos até 2010, foi mantida, estendendo o prazo até 2010. Quanto à meta para as idades de 4 e 5 anos, esta se mostra compatível com a EC 59/2009. Fica evidente a concentração de esforços para as idades obrigatórias, sobretudo se observarmos algumas das estratégias para se atingir essa meta:

1.4) Estimular a oferta de matrículas gratuitas em creches por meio da concessão de certificado de entidade beneficente de assistência social na educação.

[...]

1.6) Estimular a articulação entre programas de pós-graduação stricto sensu e cursos de formação de professores para a Educação Infantil, de modo a garantir a construção de currículos capazes de incorporar os avanços das ciências no atendimento da população de 4 e 5 anos. (BRASIL, PNE, 2010. Grifos nossos.)

Nessas duas estratégias percebemos a indução à segmentação da Educação Infantil, tanto na gestão quanto nas práticas pedagógicas. Nesse sentido, as creches saem perdendo duplamente: tanto pelo estímulo “à oferta de matrículas por meio da concessão de entidades beneficente”, privatizando a gestão dessa etapa e retirando o Estado desse provimento, quanto pelo estímulo à articulação da pós-graduação e dos cursos de formação somente para “os avanços das ciências no atendimento da população de 4 e 5 anos”.

Outro exemplo do fortalecimento desta perspectiva da via “não formal” foi o Projeto de Lei 75/2011 de Luiz Pitiman (PMDB), felizmente rejeitado, que visava a (re)implementação das creches domiciliares para atendimento das crianças de 0 a 3 anos. Nesse projeto, para receber a “certificação de mãe crecheira”, bastava à interessada

fazer um curso de capacitação de no mínimo 20h (Projeto de Lei 75/2011, Art.2º, §1°). Embora esse projeto não tenha sido aprovado45, sua elaboração expressa a ofensiva conservadora que está em curso e que destina às crianças menores de três anos um lugar secundário na política educacional.

A permanência, com tendência ao agravamento, da escassa participação da esfera pública no atendimento das crianças de 0 a 3 anos deve ser entendido também como decorrente dos custos de manutenção, uma vez que os recursos necessários às creches são mais elevados do que os da pré-escola:

Como os custos das creches diretas são efetivamente mais altos que os das privadas – particularmente os das filantrópicas e comunitárias - , considerando-se as exigências dos profissionais do magistério, a manutenção dos estabelecimentos e, ainda, a implementação dos projetos pedagógicos, é de supor que a busca pela manutenção e expansão das parcerias firmadas com o setor privado sejam consolidadas (ARELARO, 2008, p.61)

Observamos, deste modo, a indução da expansão via “conveniamento” contida na própria lógica do Fundeb, que tenderá a recrudescer a postura dos municípios, ofertando o atendimento de 4 a 5 anos na rede pública e fomentando o atendimento de 0 a 3 anos mediante a transferência de recursos financeiros às entidades privadas do tipo “sem fins lucrativos”. Em síntese, o que se evidencia é que está em curso um severo processo de segmentação na Educação Infantil, tanto pedagógica quanto da gestão (CAMPOS, 2010), e tende a se aprofundar cada vez mais essa segmentação.

Nas políticas educacionais, em especial aquelas dirigidas à Educação Infantil, está se conformando à reconfiguração do Estado no Brasil. O aprofundamento da relação público-privada no provimento desta etapa, principalmente às crianças de 0 a 3 anos, fortalece a constituição do chamado “espaço público não-estatal”, afinados com o projeto de Estado social liberal discutido no capítulo anterior.

Essa tendência não se restringe apenas ao Brasil, conforme apontam estudos sobre alguns países na América Latina (CAMPOS,

45 A interdição do projeto foi feita pela relatora do mesmo, que percebeu seu retrocesso para a

2008; CAMPOS, 2009, 2010). Essa tendência continental é em parte explicada por indicações e recomendações de organismos multilaterais e pelas agendas supranacionais produzidas nas reuniões de Chefes de Estado (CAMPOS, 2008).

Como afirma Rosemberg (2002), tais agências têm se constituído como verdadeiras “agências epistêmicas”, produtoras de conhecimentos. No entanto, são complexas as mediações existentes entre uma indicação produzida em espaço supranacional e a sua adesão ou não por parte de Estados em suas políticas, uma vez que os próprios Estados são signatários de muitos documentos e/ou possuem uma “cadeira” nas diferentes agências internacionais. Mais do que uma “adesão”, devemos olhar para a política como uma “bricolage” (SHIROMA, CAMPOS, GARCIA, 2004), em que se agregam elementos de vários discursos diferentes, não raras vezes contraditórios.

Recentemente novas orientações para a educação das crianças pequenas na América Latina foram publicados por agências supranacionais, a saber, a OEI (2010) e a UNESCO (2010). Entre elas, destacamos as Metas Educativas 2021, elaboradas no âmbito da OEI no qual os chefes de Estado latinoamericanos se comprometeram em efetivar. Por isso mesmo, consideramos importante analisá-las, mesmo que brevemente.

2.5 Da agenda regional à política nacional – velhos receituários e