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Relações de poder e princípios de controle

Para Bernstein (1998), poder e controle se distinguem analiticamente e operam em distintos níveis de análise. De acordo com o autor, no plano empírico, esses conceitos estão imbricados, já que as “relações de poder criam, justificam e reproduzem os limites entre distintas categorias de grupos (gênero, classe social, raça), diferentes categorias de discurso e diversas categorias de agência.” (BERNSTEIN, 1998, p. 37) e, como consequência, “o poder atua sempre para provocar rupturas, para produzir fronteiras no espaço social.”

Segundo Bernstein (1998), o poder opera sobre as categorias, centrando-se nas relações entre, estabelecendo relações legítimas de ordem. “O controle estabelece as formas legítimas de comunicação adequada às diferentes categorias.” (BERNSTEIN, 1998, p. 37). Assim, o controle transmite as relações de poder dentro dos limites das categorias, socializando os indivíduos nessas relações.

Contudo o controle apresenta duas possibilidades: veicular o poder de reprodução ou veicular a sua potencial modificação (id. ib.). Resumindo: o controle estabelece as

formas de comunicação legítima, e o poder as relações legítimas entre categorias (id.ib.).

Por esses conceitos, esclarecem-se alguns equívocos de interpretação que afirmam que Bernstein separa controle de poder, esta separação somente existe em termos de explicitação teórica, pois para ele o controle está inserido no poder.

Na teoria bernsteiniana, encontra-se, ainda, o substrato das relações de poder e controle e, especialmente, em suas categorias expressas nos conceitos de classificação (entre) e de enquadramento (dentro) pode ser um instrumento de análise bastante significativo para perceber de que modo esses currículos são operacionalizados.

Por isso, em toda esta investigação tem-se defendido que o uso da teoria sociológica de Basil Bernstein pode ser um contributo importante para a discussão do modelo curricular em questão e, portanto, ser um potencial instrumento de mudança. Ademais, o modelo teórico de Bernstein (1996) possibilita, também, a interpretação dos currículos referenciados, eis que presentes todas as características elencadas para ambos, ou seja, um currículo tendente a ser de coleção apresenta disciplinas e conhecimentos especializados, caso verificado com o do Curso de Direito da FURG.

Menciona-se, primeiramente, que a pesquisa tematiza questões de currículo, e. por isso, é fundamental concordar com Domingos et al. (1986, p.151) ao abordarem “que qualquer currículo envolve um princípio ou princípios segundo o qual se confere estatuto especial a alguns conteúdos e se estabelece uma relação aberta ou fechada entre eles.” Dessa feita, os objetos de pesquisa possibilitam ser uma fonte rica para aplicação desse conceito e do próprio modelo estrutural de organização do conhecimento.

Como se poderá perceber na análise dos dados no Capítulo V, o currículo do curso de Direito da FURG é constituído por um conjunto de conhecimentos que está organizado em conteúdos isolados, possibilitando que cada professor, no seu campo, possa, dentro de certos limites prescritos, seguir um caminho próprio. As disciplinas, em geral, não se comunicam e, raras vezes, os docentes dialogam seus experimentos em sala de aula, o que leva a um isolamento e fortalecimento das fronteiras das categorias discursivas do currículo. Nesse arranjo curricular, há uma tendência à hierarquização do conhecimento, e, assim, as relações de poder e controle tendem a se fortalecer e se centralizar, prioritariamente, nas mãos de quem diz o que deve ser o currículo, em geral o corpo diretivo ou comissão que elabora as normas curriculares.

Nesse currículo, a pedagogia é didática, e os critérios de avaliação independentes: “As rubricas programáticas de cada conteúdo estão nas mãos de quem ensina e de quem avalia o que vai permitir a existência de diferenças consideráveis, quer na prática de ensino, quer nas formas de avaliação.” (DOMINGOS et al., 1986, p. 152)

Essas constatações se devem ao fato de que, como bem afirmou Bernstein (1996), as relações de poder e controle se traduzem nos termos classificação e enquadramento que

poderão variar de forte a fraco dependendo como as vozes e as mensagens são percebidas. Assim, dessa forma, o poder e o controle fundaram as estruturas sociais, possibilitando ou não a fluência das relações em nível mental, sejam elas internas ou coletivas. Nos currículos de integração, como as relações de poder e controle são mais tênues, as categorias de classificação e enquadramento tendem a ser fracas, já que há uma possibilidade de que esses discursos, agentes ou práticas possuam esbatimento de fronteira em suas relações.

Nota-se que as Diretrizes Curriculares Nacionais e os PPPs do curso investigado remetem à necessidade de fomentar a integração, seja no encadeamento teoria e prática, ou nas ações docentes. É bem verdade que, independentemente da estruturação do currículo e na análise dos cursos em questão, as relações de poder e controle estão sempre presentes, por vezes mais tênues, por outras mais intensas.

A partir do estudo de Bernstein (1996), podem ser percebidas as diferentes estruturas organizacionais do conhecimento e de currículo e, por assim de dizer, como as relações de poder e de controle se manifestam, por vezes em classificações mais fortes, com estruturas de comunicação mais rígida, hierarquia e espaços bem demarcados, e um tendente vácuo democrático. Essas estruturas, típicas dos currículos por coleção, como é o do Direito da FURG, são pouco permeáveis e bem especializadas, o que pouco pode contribuir para a construção de instâncias democráticas e, portanto, de mudança.

Contudo, como bem asseveram Domingos et al. (1986, p. 158-159):

Qualquer dos códigos de integração envolve um enfraquecimento da classificação e os critérios usados para determinar a sua força dizem respeito à gama de assuntos diferentes que são coordenados ou ao número de professores que estão envolvidos nessa coordenação. A força do enquadramento é variável no que se refere às relações entre professores, entre alunos e entre professores e alunos.

Resumindo, as diferenças entre os códigos de conhecimento educacional e seus sub-tipos residem nas variações da força e da natureza dos procedimentos de manutenção de fronteira, tal como estes são dados pela classificação e enquadramento do conhecimento. A natureza da classificação e do enquadramento afeta a estrutura de autoridade//poder que controla a seleção e a organização do conhecimento educacional e a forma como este é transmitido. Deste modo, os princípios de poder e de controle social são realizados através dos códigos de conhecimento educacional e, por seu intermédio, entram na consciência e modelam-na.

Para Bernstein (1998), o currículo envolve um sistema de mensagens, mecanismos de comunicação como na fotografia Descobertas, que constitui o que é definido como conhecimento formalmente válido a ser transmitido. Nesse sistema, operam sinergicamente três componentes: o currículo, a pedagogia e a avaliação.

Imagem 3 – Descobertas Foto: Nauro Jr (2001)

Ao analisar a comunicação pedagógica dentro da escola, Bernstein enfatiza as relações que se produzem a partir dessas três componentes e que originam, em sua teoria, as regras de distribuição, de recontextualização e de avaliação. De acordo com ele, as relações sociais (classe, gênero, raça, sexo) não somente se reproduzem no espaço educativo, mas, também, se transformam/modificam, à medida que se organiza o conhecimento educacional.

Dentro dessa proposta analítica de cunho bernsteiniano, o sistema de mensagens, presente no currículo, articula o conceito de classificação em seus variados graus90. Assim, também, quanto ao sistema de mensagens da pedagogia, que é expressa pelo enquadramento. O que resulta no outro sistema de mensagem do conhecimento educacional a avaliação, no qual a classificação e o enquadramento atuarão.

Dessa forma, Bernstein (1998) se propõe a problematizar o currículo analisando as relações de poder e os princípios de controle existentes dentro (e fora) da escola com ênfase, especialmente, no que é transmitido e como este conhecimento é transmitido. Os estudos de Bernstein servem, portanto, de inspiração a esta tese, e, de fato, serviram a muitas outras importantes investigações como em Young (2011), Ball (1994, 2001), Sacristán (1998), Apple (2009) e Leite (2002).

90

Quando da análise dos dados serão apresentadas as tabelas com os níveis e graus de classificação (C++ C+ C- C- -) e enquadramento (E++ E+ E- E- -).

Esses e outros estudos com base (ou como ponto de partida) na teoria bernsteiniana têm permitido aprofundar as relações entre escola, currículo, poder, controle e cultura.

Por último, conviene señalar que todos tenemos modelos – unos más explícitos que outros -; todos utilizamos principios de descripción - de nuevo, unos más explícitos que otros -, y todos estabelecemos criterios que nos permitem tanto producir para nosostros mismos como leer las descripiciones de otros – uma vez más, el carácter más o menos explícito de estos critérios puede variar. Algunos princípios serán cuantitativos y otros cualitativos, pero el problema sigue siendo fundamentalmente el mismo. Em último término, ¿de quién es la voz que habla? Yo prefiero ser lo más explícito posible. Al menos, es posible deconstruir mi voz.91 (BERNSTEIN, 1998, p. 155).

91

Em tradução livre: “Por último, convém assinalar todos temos modelos – alguns são mais explícitos do que outros; todos utilizamos princípios de descrição – de novo, alguns são mais explícitos do que outros; e todos estabelecemos critérios que nos permitem produzir tanto para nós próprios como para ler as descrições dos outros – novamente, o caráter mais ou menos explícito desses critérios pode variar. Alguns de nossos princípios serão quantitativos e outros qualitativos, mas o problema continua sendo o mesmo. Por fim, de quem é a voz que fala? Eu prefiro ser o mais explícito possível. Ao menos, a minha voz pode ser desconstruída.”

CAPÍTULO IV

Hacer una fotografia es participar de la mortalidad, vulnerabilidad, mutabilidad de otra persona o cosa. Precisamente porque seccionan um momento y lo congelan, todas las fotografías atestiguan la despiadada disolución del tiempo. (SONTAG, 2011, p. 25).