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Relações entre os sujeitos envolvidos na prática pedagógica

2 ESTUDOS DA TRADUÇÃO E ESTUDOS DA INTERPRETAÇÃO:

5.1 AS SUBJETIVIDADES DOS INTÉRPRETES

5.1.2 Relações entre os sujeitos envolvidos na prática pedagógica

Como sujeitos históricos e sociais formados em contextos culturais, nos constituímos na e pela linguagem, por meio da interação com os outros. Ao refletir sobre as crianças surdas há uma gama de enfrentamentos que esses sujeitos vivenciam. As circunstâncias familiares, a aquisição de linguagem, as experiências escolares, dentre outros, são alguns exemplos de fatores que interferem no desenvolvimento desses indivíduos.

Sabemos que os modos como os surdos existem nas escolas passa pela interpretação educacional. Nas situações de interação mediadas pelo IE, é recorrente que os outros sujeitos envolvidos (professores, alunos ouvintes, etc.) não conheçam as singularidades do que é ser surdo ou, até mesmo, não passem por alguma ação para conhecê-las, o que impacta diretamente nos modos que esses sujeitos se relacionam.

Nesse sentido, procuramos, nessa categoria, trazer os trechos que emergem de situações decorrentes da prática pedagógica em que o intérprete se narra e narra sua relação com os professores com quem trabalham e com os alunos surdos. Como já explicitamos anteriormente, as relações são afetadas pelas subjetividades individuais.

A subjetividade manifesta-se, revela-se, converte-se e objetiva-se no sujeito. Ela é processo que não se cristaliza, não se torna condição nem estado estático e nem existe como algo em si, abstrato e imutável. É permanentemente constituinte e constituída. Está na interface do psicológico e das relações sociais (MOLON, 2003, p. 119).

Partindo da noção de que as subjetividades desses sujeitos ressoam uns nos outros, sabemos que a língua/linguagem é o fator que aproxima e/ou distancia, que faz entender nas expressões de si e sobre si, que se relacionam com a subjetividade social circulante nas escolas. Ao solicitarmos que os intérpretes descrevessem sua relação com os professores e

“esquecido” pelo docente. Quando Margarida afirma que é invisível, também é invisível o que está fazendo, visto que, muitas vezes, o professor conduz naturalmente a aula de maneira sem atentar-se ao que o aluno surdo demanda.

A concepção é de que cada sujeito é um sujeito concreto, constituído por subjetividade individual, e sua atuação é simultaneamente individual e social, pois “[...] os processos de subjetividade individual são um momento da subjetividade social, momentos que se constituem de forma recíproca sem que um se dilua no outro, e que têm de ser compreendidos em sua dimensão processual permanente” (GONZÁLEZ REY, 2016, p. 206).

Logo, cientes de que somos sujeitos sociais, nos relacionamos em todas as instâncias sociais, na família, na escola, nas instituições religiosas. A convivência nos coloca em interação direta, em que “A ação dos sujeitos implicados em um espaço social compartilha elementos de sentidos e significados gerados dentro desses espaços, os quais passam a ser elementos da subjetividade individual” (GONZÁLEZ REY, 2016, p. 206).

Deslocamos agora o olhar para a relação singular entre o intérprete e o aluno. Selecionamos alguns excertos dos intérpretes, descrevendo essas relações. Para isso, retomamos as condições sociais e linguísticas que, em geral, os surdos vivem. O desconhecimento da língua de sinais e também das questões culturais referentes aos sujeitos surdos causam preconceitos e “[...] se há um olhar sobre a surdez como deficiência, e não como diferença linguística, obviamente que a figura do intérprete não será vista como direito, mas como uma ‘ajuda’” (MARTINS, 2013, p. 132).

As concepções sobre si e sobre o outro circulam socialmente e, todos nós entramos em contato com essas ideias, que nos atravessam. Esses atravessamentos acontecem em maior ou menor intensidade e consequentemente reconfiguram os sentidos subjetivos dos sujeitos. A construção de sentidos subjetivos se dá pelas experiências vividas, em interação com outras subjetividades (tanto as individuais, quanto as sociais), ou seja, o sujeito “adquire singularidade na relação com o outro, em relação ao outro, sendo o outro uma complexidade que se apresenta e se representa de diferentes modos, quais sejam, o outro corporificado, o outro imaginário, o outro difuso, o outro simbólico, outro anônimo [...]” (MOLON, 2003, p. 120).

A relação entre IE e aluno surdo vai se elaborando no decorrer das vivências, como podemos visualizar no excerto a seguir, dito por Olive, que relata sobre a proximidade que tem com o aluno para quem interpretou por alguns anos:

comportamentos correspondem ao desenvolvimento biológico, cognitivo, emocional das crianças, por isso, situações como essa acontecem na fase da infância. Por meio de estímulos e mediação dos sujeitos que interagem com a criança, e com as experiências essas atitudes podem vir a se reconfigurar.

No relato de Tulipa, percebemos que os sentimentos expressos pela aluna são percebidos como positivos e que isso passa pela aceitação do profissional pela criança. Fica evidente como a língua é um elemento que une esses dois sujeitos. Ou seja, a criança tem a profissional como alguém que interage com ela por meio de sua língua. Sabemos que a rede municipal contrata professores de Libras que, geralmente, são professores surdos para atuar nas escolas no contraturno das aulas, sendo responsáveis por ensinar língua de sinais.

O que acontece é que o contato desses professores com os alunos se dá com menos frequência se comparado com o contato que o intérprete tem com o aluno, que é diariamente, excluindo-se o dia da hora-atividade. A relação vai se estreitando, principalmente pela interação efetivada pela e na língua de sinais, diferentemente da interação com os professores que, normalmente, depende da interpretação nas duas direções.

Por outro lado, deduzimos que há uma aproximação entre aluno surdo e professor regente quando esse profissional busca aprender Libras e toma a ação de comunicar-se diretamente com o aluno surdo, demonstrando que o aceita e o acolhe essa diferença linguística. Na seção seguinte, abordaremos sobre essas questões relacionadas à linguagem e à língua.