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3. RESPONSABILIZAÇÃO DE TERCEIROS POR CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS:

3.1 Discussões Preliminares

3.1.1 Relações, Relação Jurídica e Relação Jurídico-tributária

As relações jurídicas são jurídicas porque os termos nela envolvidos encontram suporte em uma norma pertencente ao direito positivo. Nem todas as relações, no entanto, são jurídicas. Aliás, a maior parte delas, não o são.

No mundo factual, existe relação afetiva entre um casal de namorados, existe relação entre um motor e a caixa de marchas, existe relação entre o vento que sopra e as folhas que se desprendem de uma árvore. Sempre que estivermos diante de dois termos, unidos por um operador relacionante, estaremos diante de relações. Os termos “é maior que”, “pertence a”, “está apaixonado por”, “caiu em decorrência de” são exemplos de termos que exprimem relações entre dois objetos.

As relações podem ser jurídicas, ou não, a depender de os objetos e o operador relacionante pertencerem ao sistema de direito positivo, ou não.

A relação “José é pai de João” pode ser, concomitante ou isoladamente, tanto jurídica, quanto biológica, quanto social. Pode ser jurídica e não ser biológica. Pode ser biológica e não ser jurídica. Pode ser social e não ser biológica, nem jurídica. Tudo vai depender de como os termos estão e, se estão, alocados dentro dos seus respectivos sistemas.

João pode ser pai de José no campo biológico conforme a linguagem das provas (exame de DNA) “jogada” nesse sistema (biologia) demonstre a semelhança entre os materiais genéticos de ambos.

Contudo, mesmo com a comprovação biológica da paternidade, José pode não reconhecer, juridicamente, João como seu filho. Como tivemos oportunidade de afirmar, as normas jurídicas não incidem “automática e infalivelmente”. Enquanto não houver a produção de uma norma jurídica, emanada de autoridade competente, reconhecendo o vínculo de paternidade, João será filho sem pai, em termos jurídicos.

Por outro lado, no momento em que sua certidão de nascimento for lavrada pelo Oficial do Cartório de Registro Civil, com a respectiva indicação de José como pai, ou, quando a decisão judicial prolatada em “Ação de Investigação de Paternidade”,

assim o fizer, somente aí termos relação jurídica de paternidade de José para com João.

Há, ainda, a possibilidade de José sempre tratar João como seu filho, independente do fator biológico ou jurídico. Nesse caso, teríamos uma relação social que, pode ou não, coincidir com as relações jurídica e biológica.

Note-se que a mesma “realidade” linguística (José é pai de João) pode constituir três tipos diversos de relação, a depender do ângulo de análise do sujeito cognoscente. A relação, no entanto, somente pode ser tratada como jurídica se os termos e o operador relacional pertencerem ao sistema jurídico.

José, enquanto pessoa nascida com vida, devidamente registrada nos assentos civis é, em termos jurídicos, qualificado como sujeito de direito. João, por seu turno, também nascido com vida e registrado pelo cartório competente como filho, apenas, de Maria, também é, juridicamente, sujeito de direito. Portanto, tanto João, como José, são termos que integram o sistema de direito positivo, uma vez que ambos foram qualificados, por meio do procedimento próprio e do agente competente, como sujeitos de direito.

Observa-se, então, que os termos (José e João) foram juridicizados, mas o operador relacional de paternidade não o foi. Nesse contexto, seria impróprio afirmar que existe relação jurídica de paternidade, justamente, porque o operador “é pai de” não integra o sistema de direito positivo.

O que nos interessa para o presente estudo, no entanto, são as relações jurídicas e, mais precisamente, as relações jurídico-tributárias. O termo “relação jurídica”, no entanto, é ambíguo e, para não prejudicar os fins a que nos propusemos, precisa ser elucidado.

Como dissemos, toda vez que, tanto os termos, quanto o operador relacional pertencerem ao sistema de direito positivo estaremos diante de relações jurídicas. As relações jurídicas, no entanto, podem ocorrer, a título exemplificativo, entre: i) dois ou mais enunciados; ii) uma norma e outra norma; iii) uma norma abstrata e um fato jurídico; iv) entre os sujeitos que ocupam o consequente da norma jurídica em sentido estrito. Enfim, sempre que for possível unir dois termos jurídicos pela relação

que entre eles existe no interior do sistema, poderemos, em sentido amplo, falar de “relação jurídica”.

Neste ponto, torna-se oportuna uma observação. As relações, somente são assim consideradas, porque foram, linguisticamente, constituídas. Não existem relações fora dos quadrantes da linguagem. Quando afirmamos que José é pai de João (seja em que sentido for, biológico, social ou jurídico), construímos a relação por meio de palavras.

A consequência dessa constatação é que as possibilidades de estabelecermos relações são vastíssimas. Podemos, inclusive, estabelecer, com valência verdadeira, relações negativas por meio da linguagem: i) o Brasil não faz parte da Oceania, ou; ii) Vitória não é capital de São Paulo, ou; iii) no interior do sistema de direito positivo, José não é pai de João89.

Assim, em termos linguísticos, sempre teremos a possibilidade de criar relações entre termos existentes no interior dos mais diversos sistemas.

No âmbito do sistema de direito positivo, como já mencionamos, existe a possibilidade de identificarmos os mais variados tipos de relações. Nesse caso, estaríamos diante do que Lourival Vilanova denominou de “relação jurídica em sentido amplo”. Eis o que afirma o ilustre Professor Pernambucano:

As normas jurídicas, pois, com sua incidência sobre os fatos condicionantes de condutas, intertecem um sistema de relações jurídicas entre essas condutas. O universo jurídico – segmento do universo social global – compõe-se de fatos naturais e fatos de condutas e de relações, que, por serem estabelecidas, modificadas ou desfeitas pelas normas do sistema de direito, são relações jurídicas. Relações no interior do universo jurídico, mas relações jurídicas no sentido amplo. No sentido estrito, ou sentido técnico- dogmático, nem todas as relações são relações jurídicas.90

A relação jurídica que possui notável relevância para a análise dos requisitos para responsabilização de terceiros por créditos tributários, no entanto, é a relação jurídica em sentido estrito. Por relação jurídica em sentido estrito nos reportamos

89 Quando afirmamos que é possível construir relações negativas, queremos demonstrar a

multiplicidade de usos que a linguagem possui. É claro que, em rigor, relações negativas demonstram, justamente, a ausência de relação entre os termos. No entanto, o simples fato de unir dois termos para afirmar que entre eles não existe relação, cria, em termos linguísticos, uma assertiva de caráter relacional: unem-se duas realidades para afirmar que, entre elas, não há relação.

90 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

àquela que traduz o vínculo que existe entre os sujeitos de direito localizados no consequente da norma jurídica em sentido estrito.

Relação jurídica em sentido estrito denota, portanto, o liame existente entre os sujeitos de direito, unidos por um modal deôntico em que se assegura, de um lado, uma posição ativa, no sentido de exigir o cumprimento de uma prestação e, de outro lado, uma posição passiva, caracterizada pela imputação de um dever jurídico ao outro sujeito da relação. Mais uma vez, são precisas as lições de Lourival Vilanova:

A relação jurídica, em sentido estrito, é interpessoal. Direitos, faculdades, autorizações, poderes, pretensões, que se conferem a um sujeito-de-direito estão em relação necessária com outros sujeitos de direito, portadores de posições que se colocam reciprocamente às posições do primeiro sujeito- de-direito, condutas qualificadas como deveres jurídicos em sentido amplo. Para se marcar tais posições, reciprocamente contrapostas, denominam-se sujeito-de-direito ativo e sujeito-de-direito passivo.91

Como bem exposto pelo Professor Pernambucano, relações jurídicas em sentido estrito exigem, sempre e, no mínimo, dois sujeitos de direito. De um lado um denominado sujeito ativo, titular de pretensões e, de outro, o sujeito passivo, que, por relação de causalidade jurídica, tornou-se devedor, em sentido amplo, do sujeito ativo. Em linguagem formalizada, teríamos a seguinte compostura para exprimir a relação jurídica em sentido estrito: F  S’ R S’’. Ou seja: dado o fato “F”, instaura- se, por causalidade jurídica, a relação entre o Sujeito S’ e o Sujeito S’’.

Ao aproximar as noções de relação jurídica em sentido estrito aos fins do presente trabalho, inserimo-nos no campo das relações jurídico-tributárias. Neste tipo de relação, como em todos os outros campos do direito, não se altera a interpessoalidade da relação jurídica. O que a difere das demais é, tão somente, o objeto da prestação que pode ser exigida pelo sujeito ativo contra o sujeito passivo: uma obrigação de natureza tributária92.

91 VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2000. p 121.

92 Por obrigação de natureza tributária não nos referimos aos tributos em sentido estrito. Ou seja, não

nos referimos apenas às obrigações decorrentes da prática de “hipóteses de incidência tributárias”. Outros deveres decorrentes do regime jurídico-tributário, que costumamos nominar de “deveres instrumentais tributários” também podem ser incluídos no âmbito das relações jurídico-tributárias em sentido amplo. Somente quando quisermos nos referir à relação que origina o dever de pagamento

Assim, quando nos deparamos com uma relação jurídica que tenha como objeto uma prestação consistente no dever de pagar um tributo ou o dever de realizar ou não realizar uma determinada conduta no interesse da administração fazendária (dever instrumental tributário), ter-se-á uma relação jurídica de cunho tributário. É o que afirma Paulo de Barros Carvalho:

Relações jurídicas tributárias. No conjunto de prescrições normativas que interessam ao Direito Tributário, vamos encontrar os dois tipos de relações: as de substância patrimonial e os vínculos que fazem irromper meros deveres administrativos. As primeiras, previstas no núcleo da norma de que define o fenômeno na incidência — regra-matriz — e as outras, circumpostas a ela, para tornar possível a operatividade da instituição tributária: são os deveres instrumentais ou formais.93

Essencialmente, no entanto, não há diferenças se comparadas aos outros tipos de relações jurídicas em sentido estrito. Também aqui, tem-se, no mínimo, dois sujeitos de direito, reciprocamente vinculados, um com o direito e o outro com um dever, tudo predeterminado pelo sistema de direito positivo e deflagrado a partir da juridicização de um fato “F”.

3.1.2 Os sujeitos de Direito da Relação Jurídico-Tributária: o critério pessoal da