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de 24 horas E nós ficamos assim no meio, mediando porque para a

3.5 Relacionamento interpessoal

Nota-se pelas falas das entrevistadas que o relacionamento interpessoal varia muito. Descrevem companheirismoentre os membros da equipe, e que esse relacionamento interfere de forma positiva no processo de doação de órgãos, conforme podemos observar nos trechos a seguir:

“Eu trabalho com uma equipe muito boa e isso ajuda muito; uma equipe

que está sempre disposta a ajudar, uma equipe que é tolerante, também, até com os erros”, “... isso me tranquiliza [...] a gente consegue ter um bom entrosamento, todo mundo tem quase que o mesmo perfil, então eu

confio, se eu não estou aqui, vai correr tudo bem. Porque tem a minha equipe que está aqui.” (Rogéria)

“Então assim, equipe mínima, graças a Deus a gente combina muito, todo

mundo muito dedicado ao trabalho que faz, então todo mundo faz tudo

(Camille)

Parte da boa relação dentro da própria equipe está atrelada ao objetivo comum de trabalho. Todas são envolvidas com o propósito de efetivar uma doação, de ajudar outras pessoas. As entrevistadas relataram sobre a necessidade de se ter um perfil adequado para o trabalho nesse processo, em que o trabalhador seja sensível, empático, que esteja disposto a se envolver no processo e que ainda goste do desfecho final, como mostram os relatos abaixo:

“Tem que ser uma pessoa envolvida com o processo, que goste do desfecho

do processo, que entenda que é muito maior o bem que tem no pós de tudo do que a perda que você tem na entrevista. Tem que ser uma pessoa

dinâmica, que consiga interagir bem com as pessoas, que tenha uma empatia. [...] Então tem que ser uma pessoa que tenha uma empatia grande, que seja compromissada”. (Camille)

“O perfil do trabalhador que eu me refiro é uma pessoa comprometida. [...]Aqui o trabalho envolve uma rotina que as vezes tem que estender o

horário, tem que ser solidário com o colega que vai ficar. [...]Então as vezes você tinha um compromisso e precisa desfazer do compromisso para

precisar, você tem que estar disponível. Então esse é o perfil, todo mundo comprometido o tempo todo com o trabalho”. (Valéria)

Interessante observar que, neste perfil, foi marcada a necessidade do trabalhador estar sempre disponível, ‘comprometido o tempo todo com o trabalho’, como algo natural, o que revela a questão do poder em jogo nestas relações. Há um conjunto de práticas e relações sociais que se repetem em seus padrões básicos e nesta repetição promovem um efeito de reconhecimento de legitimidade – tornando-se natural aos nossos olhos – e, ao mesmo tempo, promovem um efeito de desconhecimento da relatividade, entre outras possibilidades de se fazer. Esse jogo de reconhecimento e desconhecimento configura-se na ordem das representações que têm implicação lógica nas relações sociais (ALBUQUERQUE, 1986). Estar disponível o tempo todo passa a ser uma característica intrínseca ao trabalhador de transplantes de órgãos e tecidos: é legítimo, é natural, portanto, não se discute. É a ‘submissão livremente consentida’, que Gaulejac (2007) aponta, passando do controle dos corpos para a mobilização psíquica a serviço da empresa: CIHDOTT.

Quanto à relação dos membros da equipe com a chefia imediata, as entrevistadas relataram também bom relacionamento, apesar das diferenças: “temos as nossas diferenças,

pensamos diferente, mas creio que entre todos os membros, cada um tem um perfil, cada um pensa diferente, mas conseguimos conversar e geralmente entramos em um consenso e eu considero isso positivo” (Rogéria). Outro aspecto positivo é o fato da chefia se comprometer

com o trabalho: “(...) também vejo bom relacionamento, ela está sempre próxima, de fácil

acesso, e se compromete também com o trabalho” (Valéria).

Já a relação interpessoal da equipe da CIHDOTT com a chefia superior, ou seja, com a direção do hospital, apesar de não se apresentar totalmente resolutiva, apresenta-se como satisfatória. Existe um entendimento e compreensão por parte da equipe sobre as dificuldades de recursos que o hospital sofre como um todo. Nota-se também que a direção atual é nova, e que a relação tem sido satisfatória para a equipe, inclusive com implantação de mudanças positivas ao setor:

“[...]tem acontecido vários contatos, tentativa de melhorar e facilitar o

trabalho, com o fluxo, preocupação com a cobertura do trabalho, para que ninguém fique prejudicado, mas eu vejo que é um processo muito lento, que é uma relação difícil, no sentido que o hospital nem sempre dá as condições de trabalho que a gente precisa”. (Valéria)

“Hoje a gente tem uma direção nova que a gente tem um pouco de dificuldade para comunicação mesmo, para aproximar, mas assim, em

geral, nas reuniões, a gente consegue expor, consegue falar o que nós

precisamos e eles geralmente estão abertos para ouvir”. (Rogéria)

A relação interpessoal da equipe da CIHDOTT com os demais setores do hospital já não é tão boa. Existem setores que se articulam bem e outros que não se articulam, e inclusive, dificultam o andamento do processo de trabalho, como podemos observar no seguinte trecho: “Por exemplo, no IML, eles acham que vamos atrapalhar o andamento da

necropsia; o serviço social, às vezes acha que a família não tem condições, mas nós sabemos, temos experiência para isso”. (Valéria)

As dificuldades na relação interpessoal com outros setores do hospital estão relacionadas a dois fatores: profissionais que não entendem e não conhecem o processo de doação vigente e, portanto, não conseguem perceber a importância do processo de doação para a instituição e até mesmo para a sociedade; e profissionais que são contra a doação, como ilustra o relato abaixo:

“(...) temos que articular com outros setores e nem todo mundo vê a importância da doação de órgãos com o mesmo olhar, então às vezes temos dificuldade até com acesso à família. Tem funcionários que não acreditam

em nosso trabalho e pensam que aquele não é o momento de falar com a família, porque as pessoas estão em sofrimento”. (Valéria)

Importante ressaltar que nesta relação interpessoal, apesar das dificuldades apresentadas, a equipe da CIHDOTT busca se relacionar bem com todos os setores do hospital, procurando sempre a capacitação dos funcionários e o bom diálogo com todos, como enfatizado a seguir:

“A nossa comunicação com os outros setores é boa, temos as dificuldades, isso porque a doação envolve muito a vivência de cada um na área. Então assim, tem funcionário que não pode ouvir em doação de órgãos, então

logo quando ele vê a gente ele já se esquiva um pouco. Mas da parte da

CIHDOTT eu acho que é sempre boa, sempre conseguimos chegar nos setores, conversar, sempre conseguimos fazer acordo, que é quebrar barreiras e aproximar das outras equipes”. (Rogéria)

“[...] a relação da CIHDOTT é boa com os outros setores; principalmente da nossa parte da CIHDOTT, nós somos muito abertas pra conversar, sabemos chegar para conversar, somos educadas, se é necessário falar, chamar atenção, eu sinto que a nossa equipe tá muito capacitada para fazer isso, então passamos confiança para as outras equipes”. (Rogéria)

Quanto à relação interpessoal junto à equipe externa, a CNCDO Oeste, o trabalhador da CIHDOTT relata diversas dificuldades, uma vez que o mesmo não cumpre seu papel dentro do processo: “Será que o MG Transplantes vai fazer o trabalho dele? Será que eles vão

ofertar os órgãos? Será que eles simplesmente vão descartar porque teve infecção? Será que tem médico de plantão hoje?”. Coisas que eu não devia estar preocupada.” (Camille), o que

desnuda mais um fator de desgaste mental. Dentre as dificuldades apresentadas estão: a demora na oferta dos órgãos; a mudança de logística sem informar em tempo hábil à CIHDOTT; a falta de respaldo das ações; falta de padronização de condutas; dentre outras. O fato da CNCDO não funcionar as 24 horas, em desacordo com a Portaria nº. 2600 de 2009, é um grande obstáculo na relação interpessoal entre a CIHDOTT e a CNCDO.

De modo geral, o relacionamento interpessoal da CIHDOTT HCU demonstrou aspectos negativos e positivos. Como negativa, destacamos a relação com os demais setores do hospital e com a CNCDO; e como positiva, a relação entre os membros da equipe, na qual foi demonstrado companheirismo e afeto, todas envolvidas com o objetivo comum, de efetivar a doação. A fim de melhorar a relação interpessoal da equipe da CIHDOTT junto aos demais setores do hospital e à CNCDO, o presente estudo propõe que o hospital adote uma “Política de doação de órgãos e tecidos”, a fim de padronizar as condutas relacionadas ao processo de doação, procurando impedir a interferência de opiniões pessoais como ‘ser contra a doação de órgãos’.