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Relatórios e as correspondências da Presidência da Província, Inspetoria de

Os documentos ligados à Presidência da Província, Inspetoria de Ensino e Diretoria Geral de Índios de Mato Grosso fazem parte da produção de discursos oficiais do governo local e possibilitam entender ambiguidades e contradições, ou ainda, divergências presentes no interior do projeto de escolarização e formação da infância mato-grossense.

Na presente investigação, foi preciso enveredar pelo árido e ainda pouco trilhado caminho de documentos, aparentemente, não ligados à instrução pública39 para maior compreensão da complexidade social e educacional de Mato Grosso, no século XIX.

Para além dos relatórios da Diretoria Geral de Instrução Pública, bem como da seção

“Instrução Pública”, dos relatórios da Presidência da Província do período imperial40

, foram consultados, na integra, os relatórios e ofícios do Governo de Mato Grosso, de 1850 a 1892. Nesses relatórios é possível observar que as informações relativas aos negros e escravos são escassas,41 quando comparadas ao expressivo número de discussões relativas aos índios.42

39 As fontes oficiais ligadas à Presidência da Província e à Instrução Pública, frequentemente, são utilizadas por pesquisadores da área de História da Educação Brasileira que se dedicam ao estudo histórico da educação no século XIX.

40 Os documentos ligados à Instrução Púbica fizeram parte do conjunto de fontes analisadas, na minha pesquisa de Mestrado.

41 Nos relatórios de Presidentes de Província, os dados sobre os negros e escravos, em geral, são apresentados nos seguintes títulos “Força policial” “quilombos”, “Estabelecimentos pios: hospital de caridade”, “Lavoura, Industria, Comercio, mineração, Criação, colonização, Pesca e Navegação”, “Financias”, “Lei nº 2.040 de 28 de setembro de 1871”, “Loteria”, “Serviços de emancipação de escravos”, “Escravidão”, “Registro Civil”.

42 Quanto aos índios citados em diversas seções dos relatórios, utiliza-se: “segurança individual e de propriedade”, “Guarda Nacional”, “Força policial”, “Catequese e civilização dos índios”, Fatos notáveis”, “Colônia militares”, “Lavoura, Industria, Comercio, mineração, Criação, colonização, pesca e navegação”, “Colonização”, “Índios”, “Invasão de índios”, “Correrias de índios”, dentre outras.

63 As várias informações sobre os indígenas, localizadas nos relatórios de Presidentes da Província, remeteram à leitura e análise da documentação ligada à Diretoria Geral de Índios de Mato Grosso, desde o ano de 1846, momento de sua criação, até o ano de 1888. Essa expressiva documentação possibilitou observar a significativa presença dos grupos Guaná e Bororo em Cuiabá, no século XIX. Os Guaná se subdividem em Terena, Laiana, Kinikinao e Chooronó. Os Bororo também apresentam subdivisões étnicas, os Bororo Coroado, Bororo Cabaçal e Bororo da Campanha.

No que diz respeito ao grau de civilidade atribuído à etnia Guaná, todo o grupo é

mencionado, na documentação, como “manso” e “civilizado”. Quanto aos Bororo, quando relatados de forma genérica, toda a etnia é considerada mais “selvagem” e “hostil” de Mato

Grosso, no período. Contudo, quando tratados individualmente, as três etnias Bororo apresentam distinções em relação ao grau civilidade, sendo o Bororo Coroado tidos como os mais hostis.

Os relatos de viajantes e de presidentes de província indicam uma discussão sobre o deslocamento e fixação de sujeitos da étnica Guaná em Cuiabá, ao longo do século XIX, apontando indícios da relação social que esse grupo étnico estabelecia com a população pobre da cidade. Já os relatórios da Presidência da Província e da Diretoria de Índios de Mato Grosso possibilitam identificar uma discussão em torno das expedições promovidas pela Diretoria Geral de Índios de Mato Grosso nos anos de 1880 e 1886. Os relatos sobre essas expedições permitiram analisar os modos de educação operados na prática de apadrinhamento de crianças indígenas, em Cuiabá.

Assim, os vestígios da presença dos índios Guaná e Bororo instigaram a questionar se indivíduos dessas duas etnias tiveram acesso à instrução elementar. E como os relatórios e correspondências oficiais analisadas na pesquisa apresentam indígenas com nomes cristãos, pareceu importante seguir pistas desses sujeitos em outros documentos, a começar por registros paroquiais.

O contato inicial com os registros de batismo de Cuiabá, de 1871 a 1886, pressupôs a possibilidade de cotejar dados de identificação dos sujeitos descritos nas listas de matrículas, bem como acrescentar detalhes sobre as redes de sociabilidade dos mesmos e ampliar a probabilidade de reconstituir a experiência das crianças que frequentaram a escola elementar da província de Mato Grosso. Contudo, a grande extensão da documentação eclesiástica de Cuiabá e as dificuldades na leitura dos livros paroquiais – disponíveis para a pesquisa em microfilmes – fizeram com que a leitura dessa documentação fosse interrompida, no decorrer da investigação.

Apesar da leitura parcial dos registros de batismo, o cruzamento de dados entre relatórios da Presidência da Província e da Diretoria de Índios, os registros de batismo de 1781 a 1886, as informações disponíveis nos quadros da população urbana de Cuiabá e mapas escolares de 1890, possibilitaram traçar o percurso educacional de uma menina indígena da etnia Bororo Coroado, batizada como Rosália de Miranda. Isso porque, o cotejo das fontes permitiu captar fragmentos da experiência social e educacional da menina Rosália, em meio à dinâmica e conflitos que envolviam a política indigenista de Mato Grosso, em especial, a prática de captura e apadrinhamento indígena.

Os relatórios e correspondências oficiais de Mato Grosso indicam que a menina indígena foi capturada em expedição de aldeamento de índios, no início da década de 1880, sendo batizada e tutelada pelo Diretor Geral de Índios, Thomaz Antonio Rodrigues de Miranda, em 1882, passando a viver sob os cuidados da família Miranda, na cidade de Cuiabá. O cruzamento de fontes contribuiu para dar visibilidade à presença da menina indígena na relação dos alunos matriculados na 2ª Escola de Instrução Primária do Sexo Feminino do 1° Distrito da Capital (1890), sendo descrita como Rosália de Miranda, tutelada de D. Maria Clara de Miranda e suprida pelo Estado. Essas informações foram complementadas pelos quadros nominativos da população urbana de Cuiabá de 1890, ao apresentar menina Rosália no interior de domicílio da Freguesia da Sé, o qual tinha como chefe da casa, D. Maria de Miranda, viúva de Thomaz de Miranda, na ocasião do recenseamento. Nesse último documento, a referida índia foi denominada de “Rosália Clara

de Miranda”, sendo descrita com 9 anos de idade, solteira, parda, católica, brasileira, sabia ler

e frequentava escola. O contraponto entre esse conjunto de dados referentes à Rosália chama a atenção, nesta investigação.

Os fragmentos da experiência social e educacional dessa indígena, até o seu ingresso na escola pública de Cuiabá, permitem indagar: a história individual da índia Rosália pode ser considerada uma trajetória regular, ou seja, semelhante à de outros sujeitos com pertencimento social, étnico-racial e de gênero análogos ao dela? Ou o percurso educacional da menina Bororo constitui uma exceção, um caso excepcional e extraordinário? Se o termo

“pardo” e o nome de batismo “Rosália Clara de Miranda” mascararam sua origem étnica, o

que pensar sobre a identidade social e étnico-racial de outros sujeitos descritos como pardos, nos quadros populacionais de Cuiabá em 1890?

A identificação de dados relativos à menina Rosália, pulverizada em diversas fontes, e o conjunto questionamentos dirigidos à documentação permitiram recompor, mesmo que parcialmente, o percurso da menina indígena, em um dos capítulos da presente Tese. Do

65 mesmo modo, esse tratamento dado às fontes motivou buscar outros vestígios históricos capazes de recompor as trajetórias educacionais de sujeitos descritos ou não nas listas escolares da Freguesia da Sé.