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4 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS 1

4.3 RELATO DE EXPERIÊNCIA DO PROFESSOR COORDENADOR DA SALA DE

Procedemos na análise do relato de experiência do professor coordenador da sala de leitura, fazendo também um paralelo entre o discurso docente e o que estabelece o Projeto de Leitura ―Leitores do Arcanjo‖ em relação aos seus objetivos, metodologias e estratégias de ensino. Buscamos identificar a concepção de linguagem e a perspectiva de leitura predominante na proposta do referido projeto, fazendo um paralelo com os outros documentos coletados na pesquisa, recorrendo às contribuições teóricas que norteiam este trabalho.

O projeto ―Leitores do Arcanjo‖ inicialmente foi criado para aprimorar em cada aluno, de maneira livre e espontânea, o gosto pela leitura. A estratégia seria em deixar os alunos escolherem o que mais lhes interessava dentre os gêneros que dialogavam com outras disciplinas; um projeto interdisciplinar. Após a leitura do texto, os professores passavam atividades dirigidas com objetivo de ―contribuir para o melhoramento ou aperfeiçoamento das competências e habilidades de leitura dos alunos‖ (PROJETO LEITORES DO ARCANJO, 2010, p. 1).

Foi criado em 2010 e está ancorado no Projeto Político Pedagógico da escola que, por sua vez, o coloca como uma ação que tem como objetivo ―Trabalhar leitura e escrita de forma interdisciplinar‖ (PPP, 2013, p. 21).

O documento dispõe de um referencial teórico que se fundamenta basicamente em Kleiman (1999), quando trata do tripé que caracteriza a compreensão de um texto: conhecimento prévio, conhecimento linguístico, conhecimento textual, e em Antunes (2009), quando contempla o pressuposto de que o sentido atribuído a um texto depende de fatores extras e intratextuais.

Ao lermos o relato do professor coordenador da sala de leitura, vimos que ele possui uma estreita relação com o projeto, fala dele de maneira entusiasmada, disposta, que revela suas expectavas e realizações em pôr em prática o que ele afirma ser a realização de um sonho. Isso pode ser visto no início de seu relato quando diz que:

―[...] gostaria simplesmente de comentar a importância que tem sido falar, divulgar e propagar cada vez mais essa ideia que nasceu de um sonho e que se transformou em uma necessidade para a escola e para centenas de crianças, adolescentes, jovens e até mesmo adultos que por aqui tem passado. O projeto sala de leitura como ficou conhecido, surgiu a partir do

tema defendido no meu trabalho de conclusão de curso (TCC)‖

(PROFESSOR COORDENADOR, 2016).

Isso explica esse olhar afetivo para um trabalho que, inicialmente, atendia somente alunos de 3ª e 4ª série com objetivo de alfabetizá-los. Segundo nos informa o relato do professor, a ideia de elaborar o projeto surgiu a partir de uma atividade que ele e outra professora começaram a desenvolver na escola, ―O soletrando‖.

Essa atividade era desenvolvida somente as sextas-feiras e, conforme conta o docente, era uma maneira de causar ―expectativa entre os participantes‖ (PROFESSOR COORDENADOR, 2016). Também informa que ―No início comprávamos cadernos, canetas, bombons, brinquedos e colocávamos como premiação entre os alunos vencedores‖ (PROFESSOR COORDENADOR, 2016). Sobre isso, fizemos uma análise logo adiante.

Embora o PPP da escola se refira ao projeto como uma ação que tinha como objetivo propor um ensino de língua portuguesa em que o foco do trabalho de leitura e escrita se daria de maneira interdisciplinar, o professor relata que, inicialmente, o projeto era visto como apenas uma aula de reforço ―[...]sempre visto por eles como suporte e aulas de reforço para alunos com dificuldades de aprendizagem‖ (PROFESSOR COORDENADOR, 2016).

Porém, essa visão foi mudando à medida que os resultados positivos foram aparecendo, em meio às dificuldades e o cansaço em trabalhar com turmas multissérie, conforme afirma o professor coordenador:

―Foi difícil, a luta foi cansativa, pois, trabalhávamos séries diversificadas. Mas a resposta veio em seguida dos familiares que vinham atrás de vaga para os filhos, iam à secretaria e falavam da sala de leitura parabenizavam a escola

pelo belíssimo trabalho, nos eventos da escola muitos pais elogiavam a

direção e equipe pedagógica pela atitude‖ (PROFESSOR COORDENADOR).

Por meio do esforço do professor coordenador, a Sala de Leitura conta hoje com um acervo amplo e diversificado, tem parceria com um projeto voltado para escolas do campo chamado ―O Arca das Letras‖, que, periodicamente, envia ―um caixa com livros de gêneros variados: [...] consegui montar um acervo maravilhoso e renovado, atualizado, leituras já com a nova regra ortográfica (PROFESSOR COORDENADOR, 2016).

Além disso, o espaço, segundo consta no relato, é favorável para desenvolver um trabalho significativo com a leitura: ―Hoje o sonho de ter uma sala climatizada, decorada, desenhada que chame a atenção, onde o aluno entre já se deparando com letras, frases, versos desenhos, símbolos, isso é real‖ (PROFESSOR COORDENADOR, 2016).

Conforme o discurso do professor, os objetivos e a metodologia descritos no projeto também oferecem subsídios para o desenvolvimento de um trabalho sistematizado com a leitura. Com base em estratégias consistentes e coerentes com o que se pretende oportunizar ao leitor o desenvolvimento de suas habilidades e competências leitoras, o projeto apresenta como objetivos:

 Formar leitores críticos e conscientes para o exercício da cidadania no contexto das realidades sociais das práticas de leitura e escrita em que vivem;

 Favorecer um contato amigável com o texto, despertando a curiosidade e o gosto pela leitura;

 Proporcionar aos alunos instrumentos que venham lhes favorecer a compreensão de diversos gêneros discursivos, bem como a utilização dos mesmos no cotidiano;

 Contribuir significativamente na formação integral dos nossos educandos;

 Premiar os alunos que mais se destacarem nos trabalhos planejados da sala de leitura (PROJETO LEITORES DO ARCANJO, 2010, p. 2).

Quanto à metodologia, o referido projeto busca potencializar nas atividades de leitura os conhecimentos prévios dos discentes acerca das habilidades que eles dominam sobre os gêneros trabalhados. Para isso, o processo metodológico é orientado pelas seguintes instruções:

Mobilizar experiências intertextual, indagando ao leitor sobre outros textos que tratam do mesmo assunto, isso permitirá reconhecer um tipo de texto de outro;

 Levantar questões que possibilitem o conhecimento da situação de produção textual: Qual o gênero textual? Quem é o autor do texto? Onde o mesmo foi publicado? Em que ano? Para qual público foi escrito? Quais os aspectos físicos do texto? Ou seja, sua forma composicional e seu estilo linguístico (PROJETO LEITORES DO ARCANJO, 2010, p. 2-3).

Vimos que há imbricado tanto nos objetivos quanto na metodologia uma proposta de trabalho por meio de gêneros discursivos, pautado na interação entre leitor-texto-autor e no uso de estratégias que utilizam, na didatização do gênero, o diálogo com outros textos, a inferência, a utilização dos conhecimentos prévios, o que se aproxima das propostas de Solé, de Kleiman e dos PCN.

Além disso, observamos, nessa fase da pesquisa, um objetivo que nos chamou a atenção: ―Premiar os alunos que mais se destacarem nos trabalhos planejados da sala de leitura‖. Uma prática que é bem presente nas práticas pedagógicas da sala de leitura. Dessa maneira, promover disputa entre alunos por meio de soletrando, é, como bem informa o professor coordenador, a motivação para frequentar a sala de leitura.

A esse respeito, consideramos que, embora os professores tenham uma boa intenção, esse tipo de atividade pode ocasionar problemas em muitos discentes, tendo em vista que o estímulo resposta (prêmio) só vai valer para quem for premiado, no caso, os vencedores, mas não tem efeito para quem perder. Como já mencionamos, neste estudo, utilizar a estratégia de leitura como disputa, como atividade competitiva é aceitar:

A convicção de que a transformação da leitura em uma competição- aberta ou encoberta- entre as crianças tende a prejudicar os sentimentos de competência das que encontram maiores problemas, o que contribui para o seu fracasso (SOLÉ, 1998, p. 90).

De fato, isso pode se tornar um agravante, uma vez que somente os mais ―capazes‖ são premiados e, no caso de ―O soletrando‖, os que apresentam maiores problemas na decodificação das palavras são impossibilitados de participar, o que pode influenciar negativamente no avanço desses discentes ao ponto de não superarem essas dificuldades e se tornarem tão aptos quanto os outros.

As sanções que Solé (1998) menciona podem se referir ao constrangimento em não ganhar o prêmio ou até mesmo em não ser selecionado para participar, e isso, de certa maneira, também pode criar resistência, desmotivação e desinteresse pela leitura.

Entendemos que, ao elaborar atividades de compreensão leitora para esses discentes, se deve considerar o seu histórico enquanto leitor, sua faixa etária e, como bem é mencionado nos objetivos do projeto, ―Favorecer um contato amigável com o texto, despertando a curiosidade e o gosto pela leitura‖.

Enfatizamos que isso é um fator muito importante nesse processo, haja vista que esses alunos são encaminhados para serem atendidos pelo projeto por apresentarem dificuldades em ler e compreender textos. Ou seja, eles já vêm de uma estatística negativa, que, para ser evidenciada, implicou a submissão do aluno a um diagnóstico seletivo.

Enfrentar então mais um processo classificatório, de disputa, de avaliação de sua competência leitora, certamente gera desconforto, inibição, medo de errar, posicionamento de em não arriscar uma soletração, o que pode levá-lo ao fracasso como leitor.

Não queremos afirmar, com isso, que a sala de leitura não desenvolva outras atividades atrativas para os alunos. No entanto, pelo discurso do professor coordenador, a culminância de todo o processo se dá por meio de ―O soletrando‖ ou por uma outra atividade competitiva, premiativa, em que só os ―melhores‖ são beneficiados.

O docente relata que, a partir de 2014, ―O soletrando‖ ganhou uma nova versão e que há um investimento considerável nessa prática por ela apresentar resultados satisfatórios para o projeto:

―Pois bem, foi em 2014 que o soletrando ganha uma nova versão, afinal, é por meio dele que muitos alunos vêm à sala de leitura. Com a importância que tem esse jogo para o desenvolvimento dos educandos, já foi comprovado por meio de produções textuais, leituras, pronuncia de palavras, melhoramento no vocabulário e uma coisa crucial separação adequada de sílabas nas palavras. A partir daí, ganhamos os amigos da escola que passaram a oferecer brindes como forma de premiar os melhores do ano. Já foram premiados vários alunos, com tablete, celulares, bicicletas, livros e kits

escolares‖ (PROFESSOR COORDENADOR, 2016)

Em 2015, o projeto foi reestruturado com o título ―Nutrindo o imaginário e construindo novos significados‖ (não conseguimos a cópia da nova versão) para atender somente alunos do 6° e 7° ano do ensino fundamental.

Segundo relato do professor, o projeto entra com mais um atrativo ―o aluno viaja no mundo da leitura e escreve seu próprio texto, sua história, sua poesia,

enfim. A escola premiará, também, o melhor texto, o melhor leitor, o mais dedicado e os três melhores de ‗O soletrando‖ (PROFESSOR COORDENADOR, 2016).

Observamos que, mesmo focando em uma clientela específica, a dinâmica do processo não mudou: há sempre um sistema de premiação para os melhores, o que pode, como já dissemos, ocasionar um problema de desinteresse, de afastamento dos que não conseguirem escrever, no caso agora, o seu próprio texto, sua história, sua poesia, não os lês com mais desenvoltura, ou não estiverem entre os três que mais bem soletrarem, condição dada para ser um dos premiados.

Embora os professores afirmem que os alunos que permanecem durante todo o ano letivo sendo atendido na sala de leitura têm uma melhora significativa em relação à leitura e escrita, também nos informam que o número de evasão é muito grande. Do 7° ano ―A‖, por exemplo, dos 15 alunos selecionados, uns não compareceram, outros estudaram umas semanas e depois desistiram.

Esses alunos vão sendo substituídos por outros que demonstram interesse e que muitas vezes já possui uma certa habilidade com a leitura.

Vimos que não há efetivamente um acompanhamento didático-pedagógico que ofereça apoio a esses alunos; há um controle entre a sala de aula e a sala de leitura em relação à frequência. No entanto, no momento em que os alunos evadem do projeto, nada é feito para tentar encaminhá-los novamente.

Não se procura saber o porquê da não permanência desses discentes no projeto. Muitos questionamentos surgem sobre isso: pode ser por desinteresse, pela falta de acompanhamento e apoio da família, assim como também pela própria metodologia adotada no projeto que não atende às expectativas desses leitores, visto que eles podem não se considerar aptos para competir com alunos teoricamente mais avançados que eles.

Por tudo isso, consideramos importante que haja uma discussão sobre os pontos abordados, sejam avaliadas as estratégias que estão sendo utilizadas com esses alunos, envolvendo-os nessa dinâmica de discussão, sejam definidos com clareza os objetivos pretendidos e os alunos sejam conscientizados da importância da participação de cada um, proporcionando-se, assim, como o próprio projeto diz: ―instrumentos que venham lhes favorecer a compreensão de diversos gêneros discursivos, bem como a utilização dos mesmos no cotidiano‖ (PROJETO LEITORES DO ARCANJO, 2010, p. 2) o que, na prática, não está sendo realizado.

Enfim, os dados demonstram a necessidade de redimensionar o trato com a leitura no contexto escolar, com objetivo de utilizar o texto como instrumento que permita ao leitor compreender e construir sentidos, significados ao que lê.

Para isso, a elaboração e sistematização de propostas de atividades de compreensão devem primar pelo aprofundamento temático, pelo diálogo crítico, pela intertextualidade e, sobretudo, pelo desenvolvimento das habilidades leitoras dos discentes frente à diversidade de textos que circulam socialmente. Com intuito de contribuir com o trabalho do professor na difícil tarefa de formar leitores, construímos um material didático-pedagógico, o que veremos na próxima seção.

5 PROPOSTA DE ESTRATÉGIAS DE LEITURA: MATERIAL DIDÁTICO-