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Relato da situação de tráfico humano, assistência e inserção laboral das vítimas

No documento MIGRAÇÕES E TRABALHO (páginas 189-193)

Em 2012 um fluxo expressivo de pessoas vindas do Bangladesh chamou a atenção do IMDH e da própria Polícia Federal, ao ver que diariamente chegavam novos solicitantes de refúgio, alegando sempre motivações políticas, sendo que, na maioria dos casos, esta alegação apresentava fraco fundamento ou base concreta.

Observe-se que a maioria destas pessoas fala somente línguas locais, sendo que entre elas, há quem tenha conhecimento de inglês. Alguns, avançado, outros, muito básico. Este aspecto da dificuldade de comunicação também interferia na coleta de dados sobre a real situação vivida por estes recém-chegados ao Brasil.

Todos eles, na condição de solicitantes de refúgio, vêm habitualmente ao IMDH, em busca de orientações, apoio financeiro ou material, bem como sobre acesso ao trabalho, aspecto sempre manifesto, não obstante aleguem como razão de sua vinda ao país a perseguição política.

No IMDH são atendidos, fazem uma entrevista para verificar a situação de vulnera- bilidade e, assim, poder avaliar a necessidade de concessão da bolsa subsistência e/ou de outro tipo de apoio necessário neste momento inicial. São, a seguir, encaminhados ao setor jurídico para a entrevista sobre os elementos de perseguição ou ameaças sofridas no país de origem, a fim de colher informações que possam fundamentar a elaboração do parecer de elegibilidade.

No caso específico deste fluxo de pessoas vindas do Bangladesh, as entrevistas revelaram, em alguns casos, indícios de efetiva perseguição, mas a maioria das alegações estava voltada à busca de trabalho e ao sofrimento por que estavam passando estas pessoas nos meses iniciais de sua estada no Brasil. Ficou evidente a situação extremamen- te precária em que se encontravam - desanimados, passando fome, às vezes chorando, muito ansiosos... Mas, nada revelavam de concreto sobre a trajetória ou exploração a que se sentiam submetidos, em parte por não saberem falar, e em parte por estarem acompa- nhados de “líderes” ou “pessoas aparentemente solidárias” que lhes prometiam apoio nos trâmites burocráticos para a obtenção de documentos.

Diante de várias circunstâncias intrigantes para a equipe do IMDH, passou-se a aprofundar a relação com eles, buscando identificar, através de novas entrevistas, a real circunstância vivida por estes solicitantes que já não eram apenas do Bangladesh, mas também de outros países asiáticos e africanos. O contato pessoal, a solidariedade, foi revelando pessoas sofridas, angustiadas, que passaram por toda sorte de exploração em sua trajetória para o Brasil. Percebíamos o conflito que viviam, dominadas por orientações “externas”, de pessoas que lhes prometiam o inalcançável, o futuro ganho fácil, mas distante e irreal.

No meio desta situação, surgiu uma diligência da Polícia Federal, na região de Samambaia, cidade satélite na qual se encontrava a grande maioria dos solicitantes de refúgio e refugiados do Bangladesh, Paquistão, Gana e outros países. Foi em meados de maio de 2013. Embora não tenha identificado situação de trabalho escravo, a Polícia colheu informações que incomodaram os “coiotes”.

Poucos dias depois, um grupo de pessoas foi “abandonado” tendo os seus “protetores” fugido do país, levando tudo o que lhe haviam cobrado à guisa de fornecimento de documentos, alimentação, e promessa de emprego. Uma denúncia feita à Polícia Federal, em fins de maio de 2013, levou a nova diligência, na qual foi formalmente constatada a

situação de tráfico de pessoas de um grupo de 22 estrangeiros. Em Ofício datado de 03 de junho de 2013, a PF registrou tratar-se de “vítimas de tráfico de pessoas para fins de exploração laboral (redução à condição análoga à de escravo, na modalidade de retenção de documentos e salários para pagamento das despesas com transporte, alojamento e alimentação)”.

Sob a coordenação da Gerência de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do DF (GETP) e acompanhamento da PF, aos 4 de junho, a Diretora do IMDH, Ir. Rosita Milesi, participou da visita realizada no local apontado na denúncia. Em uma pequena casa de 4 cômodos, estava, podemos dizer confinado, o grupo. Todos homens, com idade entre 20 e 45 anos. A situação em que se encontravam era deplorável. Seria dispensável descrevê-lo, mas vale registrar: sem comida, sem dinheiro, dormindo sobre trapos ou pedaços de colchão e papelão. Uns doentes, outros com depressão. Apenas cinco possuíam documentos, pois a obtenção desta documentação básica estava condicionada a altos custos que os “coiotes” lhe haviam pedido. Não obstante as famílias houvessem feito os depósitos exigidos, os recursos foram embolsados pelos coiotes para fugir do país. Era impressionante ver aqueles rostos sofridos, tristes, angustiados e deprimidos.

Em ação articulada com a Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do GDF e com a Gerência de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do GDF, o IMDH assumiu o provimento emergencial e a assistência, documentação e caminhos de inserção laboral do grupo, enquanto os órgãos públicos fariam os procedimentos jurídicos para a solução legal do caso.

A assistência prestada, que se estendeu por meses, consistiu em:

• Fornecimento de bolsa subsistência nos meses de junho e julho de 2013.

• Reuniões com o grupo e entrevistas, individuais e coletivas, para orientação e apoio emocional, sobretudo para ajudá-los a organizarem- -se como grupo de apoio recíproco, na busca de soluções de interesse comum, na partilha das doações recebidas e na distribuição de respon- sabilidades, tarefas que deveriam ser gerenciadas por eles mesmos. • Pagamento dos aluguéis atrasados (lembrar que os traficantes – coiotes - recolheram o dinheiro das vítimas, mas não pagaram os com- promissos assumidos, entre eles o aluguel).

• Fornecimento de cestas básicas.

• Fornecimento de colchões e outros objetos de primeira necessidade. • Viabilização de documentos – Protocolo junto à Polícia Federal, obtenção do CPF e Carteira de Trabalho e Previdência Social.

• Aula de Português, viabilizada com a colaboração de voluntários, em sala de aula cedida por uma Escola Pública, e com material escolar obtido através de doações.

• Identificação de suas capacidades profissionais e contato com empresas para viabilizar sua contratação, bem como buscando que os empregadores lhes propiciassem oportunidades de superar entraves como o idioma e a comunicação.

• Inserção no mercado de trabalho, uma das mais importantes medidas para evitar o retorno das vítimas ao domínio de exploradores e coiotes.

Vale ressaltar que para sua integração, além das aulas de Português, o acompanha- mento individual e coletivo ao grupo, as orientações básicas sobre a cultura brasileira e as exigências referentes à documentação, o maior esforço sempre esteve voltado à inclusão no mercado de trabalho. Para tanto, foi importante o contato com empresas e a sensibilização de voluntários, empregadores e pessoas de boa vontade que, com generosidade e profis- sionalismo, têm colaborado na capacitação ou reclassificação profissional dos imigrantes. Foi muito gratificante identificar sua habilidade ao trabalho agrícola, o que permitiu a um expressivo grupo ser contratado por uma fazenda de produção de hortaliças, com excelente resultado para eles e também satisfação dos empregadores.

Foram sete meses de acompanhamento direto ao grupo, com bom proveito e resultados satisfatórios. Em 31 de dezembro de 2013, um levantamento da situação laboral revelava que todos estavam trabalhando, embora alguns ainda em contrato de experiência. Os casos de maior dificuldade são os das pessoas com algum problema de saúde. Assim mesmo, apesar das dificuldades, a inclusão no mercado de trabalho foi viabilizada, sendo que alguns haviam se deslocado da Capital e trabalham atualmente em S. Paulo, outros em Santa Catarina.

Quanto à situação jurídica, em 10 de dezembro de 2013, houve uma decisão do Conselho Nacional de Imigração, proposta pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), de conceder residência permanente a este grupo, no âmbito de uma decisão mais ampla em relação a solicitantes de refúgio cujos casos estavam pendentes de decisão no Ministério da Justiça.

O IMDH continua acompanhando todo o grupo, seja para questões sociais, quando necessário, seja na assistência jurídica até garantir a solução migratória e documental de todos, seja, também, para o apoio emocional e orientações pessoais, buscando sempre prevenir sua exposição à exploração ou a ofertas enganosas de atravessadores e traficantes de seres humanos. A superação do que ocorreu é um processo. Para uns pode ser rápido, para outros, estende-se no tempo. O acompanhamento é dimensão importante neste processo.

Articulação da rede solidária para migrantes

No documento MIGRAÇÕES E TRABALHO (páginas 189-193)