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Os parâmetros farmacocinéticos do atracúrio foram estudados em 9 indivíduos obesos mórbidos, havendo no mesmo estudo 9 pessoas com peso normal a formar o grupo controlo. A dose administrada foi de 0,2 mg/kg tendo em conta o peso corporal total. De entre os aspetos farmacocinéticos estudados encontrava-se a concentração plasmática que se apresentou elevada em todos os momentos de recolha nos indivíduos obesos mórbidos. Não foram observadas diferenças no t1

indivíduos obesos mórbidos e o grupo controlo (Tabela 2). Contudo, quando a CL foi normalizada de acordo com o peso corporal total apresentou-se praticamente o dobro nos indivíduos não obesos. Os autores acabaram por concluir que as concentrações plasmáticas mais elevadas nos indivíduos obesos mórbidos se devem à administração de uma maior quantidade de fármaco, visto a dose ser calculada de acordo com o peso corporal total. Eles realçaram ainda que apesar dos indivíduos obesos mórbidos possuírem um aumento da massa gorda e da massa magra o Vd do atracúrio não sofreu alterações nestes indivíduos, bem como os efeitos do atracúrio (grau de bloqueio neuromuscular e tempo de recuperação) não foram alterados. Assim, concluiu-se que os doentes obesos mórbidos necessitaram de uma concentração plasmática superior em comparação com os indivíduos com peso corporal normal para que os efeitos farmacodinâmicos fossem os mesmos, devendo a dose ser calculada de acordo com o peso corporal total [78].

A succinilcolina, também um relaxante muscular utilizado em processos cirúrgicos, foi estudada em 45 indivíduos com um IMC ≥ 40 kg/m2, tendo estes sido divididos em 3 grupos aos quais

foram administradas diferentes doses (1 mg/kg de peso corporal total, 1 mg/kg de peso corporal ideal e 1 mg/kg de massa magra). Neste estudo verificou-se que a dose baseada no peso corporal total permite alcançar um bloqueio neuromuscular mais profundo e melhores condições de intubação [79, 80]. Já o rocurónio apresenta uma duração de ação muito prolongada quando a dose é baseada no peso corporal total (mais do dobro), pelo que a sua administração em indivíduos obesos mórbidos deve ter por base o peso ideal (Tabela 2) [79].

4.5 Anestésicos

A farmacocinética do propofol foi estudada em 8 indivíduos obesos mórbidos (média de 197% de peso corporal ideal). Os resultados obtidos neste estudo foram comparados com os de um outro estudo que avaliou a farmacocinética do mesmo fármaco em indivíduos com peso normal. A dose administrada por kg de peso corporal total foi menor nos indivíduos obesos, uma vez que esta foi administrada de acordo com o peso corrigido, pois uma dose tendo por base o peso total poderia levar a uma depressão cardiorrespiratória severa. Assim, o peso utilizado para o cálculo da dose foi dado pela seguinte fórmula: 𝑝𝑒𝑠𝑜 𝑐𝑜𝑟𝑟𝑖𝑔𝑖𝑑𝑜 = 𝑝𝑒𝑠𝑜 𝑖𝑑𝑒𝑎𝑙 + (0.4 × 𝑝𝑒𝑠𝑜 𝑒𝑚 𝑒𝑥𝑐𝑒𝑠𝑠𝑜). O facto de as doses serem diferentes nos dois grupos podia tornar a comparação dos parâmetros farmacocinéticos questionável. Porém, uma vez que o propofol apresenta uma farmacocinética linear em doses terapêuticas, é possível fazer uma comparação fiável. Deste modo, com este estudo verificou-se que os indivíduos obesos mórbidos apresentam um Vd e uma CL superior aos indivíduos com peso normal. Já o t1

2 não sofre grandes alterações.

Com este estudo verificou-se ainda que a CL total e o Vd no estado estacionário nos indivíduos obesos mórbidos estão melhor relacionados com o peso corporal total, pelo que quando há uma normalização destes parâmetros com o peso total não se verificam grandes alterações entre os indivíduos obesos mórbidos e aqueles que possuem um peso normal. Os autores acabaram, então, por concluir que o propofol não apresenta uma acumulação nem um prolongamento de duração de ação em estados de obesidade mórbida. Assim, apesar da fórmula utilizada para o

cálculo da dose a administrar em indivíduos obesos ser suficiente para manter os níveis anestésicos, esta não está de acordo com os resultados do estudo. Uma vez que não há efeitos de acumulação, a dose a administrar poderia, teoricamente, ser calculada tendo por base o peso corporal total. Contudo, à data do estudo em causa, os efeitos hemodinâmicos de doses tão elevadas não eram conhecidos em doentes obesos [81].

Um outro estudo conduzido em 20 indivíduos com um IMC ≥ 40 kg/m2 pretendeu estudar a

influência do aumento do peso corporal na farmacocinética e na farmacodinâmica do propofol. Tal como no estudo anteriormente referido, os autores concluíram que o peso corporal total é o parâmetro principal na determinação da CL, quando se usa uma função alométrica com um expoente de 0.72 para calcular a dose, acabando mesmo por sugerir um esquema posológico para indivíduos em estados de obesidade mórbida (Tabela 2). Contudo, do sucedido no estudo anterior, não foram encontradas correlações com outros parâmetros farmacocinéticos [82].

O desflurano é um fármaco anestésico inalatório com uma solubilidade gordura-sangue inferior comparativamente aos outros anestésicos inalatórios, pelo que se considera o fármaco de escolha para anestesiar indivíduos obesos. A influência da obesidade mórbida na farmacocinética desta molécula também foi já avaliada. Um estudo envolvendo 7 indivíduos com um IMC médio de 42,5 kg/m2 e 7 pessoas não obesas permitiu avaliar as curvas de wash-in

e wash-out do desflurano, após uma administração inalada de desflurano a 4% durante 30 min. Nos primeiros 10 min as curvas dos dois grupos são semelhantes. Uma vez que se considera que a captação inicial é proporcional à solubilidade sanguínea do fármaco multiplicada pelo débito cardíaco, os autores consideraram que os dois grupos apresentavam débitos cardíacos semelhantes. Entre os 10 e os 15 min as curvas apresentam diferenças, indicando um aumento da captação de desflurano nos indivíduos obesos mórbidos comparativamente aos não obesos [83]. Um outro estudo envolvendo a molécula desflurano pretendeu comparar a cinética deste fármaco relativamente à do sevoflurano, um outro anestésico inalatório. O estudo foi conduzido em 28 indivíduos com um IMC médio de 50,6 kg/m2, tendo sido administrado sevoflurano a 2%

a 14 indivíduos e desflurano a 6% aos restantes, ambos durante 30 min. Neste estudo foi possível observar um wash-in e um wash-out inferiores para o fármaco desflurano, apresentando este um tempo de recobro e de descontinuação menor quando comparado ao sevoflurano. Assim, os autores concluíram que o desflurano é mais adequado para anestesiar indivíduos obesos mórbidos devido ao seu perfil cinético mais rápido nestes indivíduos [84].

A Cmáx do tiopental, um outro fármaco anestésico, foi 60% inferior num indivíduo com um IMC

de 42 kg/m2 comparativamente às concentrações plasmáticas num indivíduo com peso normal.

Esta diminuição pensa-se ser consequência de um aumento do débito cardíaco em estados de obesidade mórbida. Assim, os autores do estudo sugeriram um ajuste de dose em indivíduos obesos mórbidos tendo por base a massa magra e o débito cardíaco, uma vez que deste modo são atingidas concentrações semelhantes às obtidas nos indivíduos com peso normal [79].