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RELEITURA DO OPÚSCULO À PAZ PERPÉTUA SEGUNDO ESTUDOS

O projeto para a efetivação de uma paz perpétua, desenvolvido por Kant segundo conceitos do direito racional e no momento histórico no qual estava inserido, naturalmente precisa ser reformulado perante a situação da sociedade internacional contemporânea, considerando temas pós-Kant como direitos humanos, globalização e o conceito ampliado de paz.

Atualmente, existem questões novas e mais complexas envolvendo o Estado e sua fundamentação jurídico-filosófica, que têm origem em problemas que vão além das fronteiras dos Estados nacionais. Existem, por exemplo, os riscos globais, fruto do avanço tecnológico, como as ameaças de pandemias, a exploração do meio ambiente afetando o clima, o desenvolvimento de armas nucleares, químicas e biológicas e também as crises financeiras e econômicas que causam mudanças significativas nas relações entre os Estados. Além disso, existe a crescente miséria social presente em muitos países, fruto de uma histórica desigualdade social.

Muitas das questões acima mencionadas surgiram ou desenvolveram-se, principalmente, a partir da segunda metade do século XX, configurando assim alguns problemas dessa nova ordem mundial que ainda estão presentes no século XXI. Ao lado de todas essas questões, o século XXI ainda é assombrado pelo passado não muito distante da Segunda Guerra Mundial, que ainda preocupa a humanidade por sua potencialidade e temores de um novo conflito daquela magnitude ou pior.

Dessa forma, passados mais de dois séculos após o desenvolvimento da obra À Paz Perpétua, verifica-se que a proposta kantiana encontra-se relevante no cenário atual por sua temática universal, mas também distante, quando se analisam as questões e desafios expostos acima, principalmente porque muitas nações legitimamente republicanas e laicas encontram-se envolvidas em guerras no século XXI.104

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104

KERSTING, Wolfgang. Hobbes, Kant, a Paz Universal e a Guerra contra o Iraque. In: Rev. Kant

Assim, com o desenvolvimento histórico das relações internacionais, considerando os novos desafios que não existiam à época de Kant e também o atual ordenamento jurídico mundial, surgiram releituras da obra À Paz Perpétua compartilhadas por críticos que, ao analisarem a proposta kantiana de paz, preocuparam-se em considerar sua validade e identificar o que é necessário acrescentar ou adaptar no projeto kantiano, tendo em vista o formato da sociedade internacional contemporânea e suas variáveis.

Considerando o desenvolvimento da sociedade internacional e a obra de Kant, Valério Rohden identifica que “a atualidade da abordagem kantiana da questão da paz reside no fato de que Kant a entendeu como uma questão de princípios, vinculados ao direito”. A paz kantiana não é um objeto meramente jurídico, político ou ético, mas moral, no sentido universal, pois pressupõe uma união entre direito, política e ética. Dessa forma, Rohden vê em andamento um processo de redução e transformação do poder do Estado e um aumento de poder da sociedade, não por “razões políticas de domínio, mas por razões morais de interesse pelos direitos humanos, pela liberdade e pela paz.”105

Em relação ao referido poder de Estado, Tarso Genro percebe que ocorreu uma modificação da interdependência relativa dos Estados-nação em direção a uma interdependência absoluta, transformando o conceito de Estado, que constitui a base para a instituição da Paz Perpétua, como explica a seguir:

O fato de que não basta mais, para ser nação, ter um Estado com relativa capacidade de centralização, com fronteiras bem demarcadas, e uma força policial do Estado para garantia deste território, - este fato - é uma alteração radical para avaliar as possibilidades de paz.106

Considerando a revisão da soberania dos Estados, Habermas compartilha que “não é possível que o conceito kantiano de uma aliança dos povos firmada de forma duradoura seja capaz de respeitar, ao mesmo tempo, a soberania dos Estados.”107 Na visão do referido autor, o sistema de Estados soberanos atual, que se encontra num estado instável, numa constante atitude de auto-afirmação e baseado em ameaças mútuas, só poderá se transformar numa Federação com instituições em comum – que regulem a relação de seus membros entre si e ______________

105

ROHDEN, op. cit., p. 236.

106

GENRO, op. cit, p. 240.

107

controlem a observância dessas regras – quando a comunidade de povos tiver condições de ao menos poder garantir um comportamento juridicamente adequado por parte de seus membros, sob pena de sanções.108

É evidente que este princípio está contemplado na Carta das Nações Unidas, que proíbe guerras de agressão e autoriza o Conselho de Segurança a tomar medidas necessárias nos casos em que hajam ameaça ou violação da paz, ou quando estiverem ocorrendo ações de ataque.109 Entretanto, Habermas critica a ambiguidade dessas regulamentações, que ao mesmo tempo limitam e garantem a soberania própria a um Estado em particular, prestando assim contas a uma situação transitória.110

Sob esta perspectiva, faz-se necessário considerar que a segurança internacional não se garante hoje pelas delimitações normativas da ONU, mas por acordos em torno do controle de armamentos e principalmente pelo estabelecimento de “parcerias de segurança”.111

Além de desafiar a idéia da Federação, essas questões também comprometem a atualidade conceitual do cosmopolitismo kantiano, considerando o momento atual das relações internacionais. Assim, a idéia de uma cidadania cosmopolita entra em conflito com a transformação de valores culturais.

Neste sentido, ao analisar a atualidade da obra kantiana, Genro leva em consideração uma nova cultura, o que ele caracteriza como produto de “um novo tipo de irracionalidade”, que não existia na época de Kant. Esta cultura é fruto da transnacionalização das relações entre nações, o que produz um sujeito individual diferente do sujeito-cidadão da época dos Estados-nação analisados por Kant.112

Uma das conseqüências dessa cultura, segundo Genro, é a criação de uma subjetividade social, baseada na ideologia de consumismo, através da universalização de uma cidadania que vive sob tensões e estimulo materiais, o que acaba por corromper as condições para o exercício de uma cidadania democrática que, por sua vez, poderia produzir efeitos e transformações sobre seu Estado.113 ______________

108

Ibid., p. 209.

109

ONU. Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: <http://www.oas.org/dil/port/1945%20Carta%20das%20Na%C3%A7%C3%B5es%20Unidas.pdf>. Acesso em: 25 Set. 2011.

110

HABERMAS, op. cit, p. 210.

111

IHABERMAS, loc. cit.

112

GENRO, op. cit., p. 238.

113

Essas mudanças de condições para o exercício da cidadania comprometem os princípios ético-morais presentes n’À Paz Perpétua, pois o projeto kantiano baseia-se, fundamentalmente, numa vontade contratual livre entre os povos.

Ao lado das questões relacionadas aos conceitos da Federação kantiana e do cosmopolitismo, existe também a questão envolvendo o próprio conceito de paz. Esse conceito passou por um processo de redefinição ao longo do século XX, sendo que não se trata mais apenas da não existência de uma guerra declarada entre dois países. Novos fatores surgiram para definir a situação de paz de um Estado, como o seu equilíbrio interno e externo e o gerenciamento de situações de risco e de ameaça global.114

Por um lado, o alargamento do conceito de paz implica atribuir maior importância à sociedade como um todo e ao indivíduo, além de levar a uma transformação de cunho político-jurídico a soberania do Estado, na qual o próprio Estado deixa de ser a referência paradigmática115, passando-se a admitir outras realidades e outros indivíduos, como as OIG’s e ONG’s, conforme analisa José Trindade:

[...] para que as perspectivas otimistas de sobrevivência, cooperação e harmonia da sociedade internacional possam prevalecer, faz-se necessário consolidar um idealismo renovado e alicerçado na concepção humanista- pluralista, que considera a relevância dos novos atores internacionais e as novas possibilidades abertas pelos fenômenos da interdependência e da globalização, posto que a construção da paz é um longo caminho que deve ser laboriosamente percorrido [...]116

Por outro lado, essa ampliação conceitual de paz produz conseqüências globais, conforme o referido autor explica na passagem a seguir:

[...] a necessidade de alargamento do conceito de paz e segurança internacional no plano horizontal decorre do estágio atual de complexidade e interdependência da sociedade mundial, cujos problemas de ordem política, econômica, ambiental, cultural, religiosa, etc., produzem conseqüências globais, exigindo novas metodologias e mecanismos adequados para análise, compreensão e comportamento dos diversos atores do cenário internacional.117

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114

DEON, op. cit, p. 114.

115

TRINDADE, op. cit., p. 152.

116

Ibid., p. 154.

117

Esse estágio atual de complexidade e desenvolvimento da sociedade mundial decorre ainda do crescente processo de globalização, interdependência e transnacionalidade. No entanto, segundo Walkiria Cabral (2010), o ideal kantiano prevalece para dar ao mundo rumo nas tentativas gloriosas da globalização, sem com isso perder de vista a soberania dos Estados nem a postura global.118

Para Habermas, esses desenvolvimentos revelam que as premissas utilizadas por Kant para fundamentação de seu projeto de paz concebidas no final do século XVIII já não estão mais corretas. Entretanto, tais desenvolvimentos também agem em favor de que uma concepção do direito cosmopolita reformulada de acordo com os novos tempos poderia ser aplicada no cenário atual das relações internacionais, estando a sociedade internacional predisposta a aceitá-los.119

Sendo assim, Cabral percebe que o ideal kantiano de uma Federação, no âmbito mundial, encontra na globalização um grande desafio, tendo em vista que o avanço da tecnologia e a aproximação dos indivíduos devem ser vistos como fatores que fortalecem a globalização e estão cada vez mais em alta velocidade de expansão, tornando cada vez mais indispensável uma evolução no ambiente jurídico de relações globais.

Assim, enquanto o problema da globalização não é solucionado, ele “permite ao forte a dominação pela falta de uma disciplina jurídica que o limite e liberte os demais.”120, conforme analisa Cabral na seguinte passagem:

O problema do mundo, portanto, não está na globalização em si, mas em não saber como viver dentro desta nova realidade. Ao contrário, a globalização que está surgindo dentro do rápido desenvolvimento dos sistemas de comunicação e transportes, deve ser considerada uma grande oportunidade para que os povos do mundo possam se unir e harmonizar seus interesses para assim se beneficiar da melhor maneira com os recursos materiais e culturais do mundo todo.121

A solução para esse problema encontra seu limiar na idéia de direito cosmopolita, que não busca suspender a soberania dos Estados, mas sim possibilitar a paz, mantendo a soberania dos Estados e permitindo que todos tenham acesso ao mundo através da liberdade, núcleo de toda filosofia kantiana.

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118

CABRAL, op. cit., p. 305.

119

HABERMAS, op. cit., p. 200.

120

CABRAL, loc. cit.

121

Entretanto, a idéia original da condição cosmopolita de Kant precisa ser reformulada para não tornar-se uma teoria meramente utópica diante das transformações do atual cenário mundial, conforme sugere Habermas:

Haverá facilidade em se fazer a revisão cabível no âmbito conceitual básico, pelo fato de a própria idéia não haver estacionado, por assim dizer. Afinal, ela passou a ser assumida e implementada pela política, desde a iniciativa do presidente Wilson e a fundação da Liga das nações em Genebra.122

Independente das reformulações necessárias para que a obra kantiana de paz permaneça adequada ao cenário transitório das relações internacionais, ao observar as condições atuais, é possível perceber que se tornou evidente o postulado de Kant segundo o qual todos os homens sobre a Terra estão inter- relacionados, precisando portanto se submeterem a uma condição cosmopolita,123 fato que se evidenciou principalmente a partir da segunda metade do século XX, com a criação de organizações como a ONU e também de blocos regionais econômicos.

Segundo Trindade, a aplicação dos conceitos e elementos da paz kantiana aos dias atuais deve considerar as características da sociedade contemporânea, observando as oportunidades que ela apresenta:

[...] as características atuais da sociedade contemporânea pós-Guerra Fria, como a globalização, a interdependência e a transnacionalidade, sugerem grande oportunidade para um salto ético-moral da humanidade, com o objetivo de serem buscadas dimensões de relacionamento cosmopolita, que vão além da tradicional visão estratégico-militar entre os Estados e, por conseqüência, para evitar assim que surjam novas tensões econômicas, sociais e civilizacionais ou que tornem insustentáveis em razão do atual estágio tecnológico, o que poderia levar a um retrocesso da humanidade ao primeiro homem.124

No entanto, uma releitura contemporânea dos elementos da paz kantiana a partir das recentes transformações das relações internacionais não significa o afastamento imediato das concepções inicialmente elaboradas por Kant em sua época. As mudanças nas relações internacionais no período pós-Guerra Fria, fruto das modificações ocasionadas por momentos decisivos no contexto da política mundial, demonstram que é necessário complementar o projeto de paz kantiano considerando as transformações conceituais relacionadas aos temas presentes na ______________

122

HABERMAS, op. cit., 207 - 208.

123

ROHDEN, op. cit., p. 14.

124

obra, como a ampliação do conceito de paz, o fenômeno da globalização, a transnacionalidade dos Estados, a idéia cosmopolita e universal e o surgimento de novos atores, como as Organizações Internacionais.

Neste sentido, as soluções políticas para os problemas da sociedade internacional contemporânea só poderão ser adotadas conjunta e multilateralmente através da consolidação de uma segurança global disposta a enfrentar as causas transnacionais dos conflitos, não admitindo a guerra como meio de solução.125

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho pretendeu demonstrar que os elementos da proposta kantiana para o estabelecimento de uma paz perpétua continuam presentes nas relações internacionais do ponto de vista teórico e possíveis do ponto de vista prático, considerando as transformações da sociedade internacional em relação ao tempo histórico em que Kant desenvolveu seu projeto.

Na releitura do projeto kantiano para a efetivação de uma paz perpétua, apesar das dificuldades impostas pelo cenário atual, observa-se que muitos aspectos demonstram que os elementos presentes na referida obra encontram-se presentes nas relações internacionais, apesar das transformações que caracterizam a atual sociedade internacional contemporânea.

A paz em Kant está fundamentada num projeto jurídico-político e na idéia de universalização do direito, através do conceito de cosmopolitismo. Kant apontou o caminho para a justiça mundial baseando-se em regras jurídicas universais para sustentar os ideais presentes em sua obra, considerando a existência de um fio condutor na natureza que tem como finalidade a paz, além de atribuir à natureza a função de garantidora dessa paz. Portanto, numa primeira análise dos autores neokantianos, percebe-se que a atualidade d’À Paz Perpétua pode ser verificada na idéia de que a paz deve ser instituída e conquistada mediante substituição da violência pelo direito. Esse é um dos elementos fundamentais da filosofia política de

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125

VILLA, Rafael Antonio Duarte. Da crise do realismo à segurança global multidimensional. São Paulo: Annablume, 1999. p. 224.

Kant, segundo o qual o estado de natureza dos indivíduos e dos Estados é de conflito.

Outro elemento que demonstra a atualidade da proposta pacífica kantiana no período pós-Guerra Fria diz respeito ao ideal de unidade da humanidade. Kant acreditava que a natureza levaria os homens a viverem inevitavelmente em harmonia, apesar de considerar que a natureza entre os homens é de conflito e permanente hostilidade. Apesar da existência constante de conflitos em diferentes regiões do mundo em diversos momentos ao longo dos últimos 60 anos, percebe-se uma preocupação cada vez maior da sociedade internacional em criar mecanismos que possibilitem a amenização de hostilidades entre Estados, de modo que seja possível para as nações coexistirem pacificamente sem perderem sua soberania. Esse processo ganhou força principalmente após as guerras do Vietnam e da Coréia, quando – entre outros fatores – a sociedade civil se mobilizou através de movimentos, como o movimento pacifista dos anos 60 e 70.

Em relação ao modelo de associações de Estados, ao escrever o projeto para a construção de uma paz perpétua, há mais de duzentos anos atrás, Kant idealizou um modelo segundo o qual os Estados poderiam, voluntariamente, participar de uma associação de povos a fim de coexistirem pacificamente, integrando assim uma Federação de Estados livres. Este modelo continua sendo uma referência na sociedade internacional que segue se consolidando após um século XX marcado por violência e guerras. Essas concepções idealistas de Kant orientaram a criação da Liga das Nações Unidas e posteriormente a ONU, após o relativo insucesso da primeira.

Além dos elementos já mencionados, outro aspecto que revela a atualidade do projeto À Paz Perpétua diz respeito ao primeiro artigo preliminar. Neste artigo, Kant critica as intenções secretas nas relações internacionais (reservatio mentalis) e defende o princípio da publicidade na política. Da mesma forma, no segundo suplemento, intitulado “artigo secreto para a paz perpétua”, Kant faz uma apologia ao esclarecimento, o que pressupõe a transparência como a fórmula transcendental do Direito Público.

A transparência nas relações políticas é um dos elementos que continua atual, sendo um princípio fundamental para a coexistência harmoniosa entre governos. Quando um governo executa uma ação de forma sigilosa perante a comunidade internacional logo surgem suspeitas, fruto daquele estado que Kant

chamou de “natureza”, segundo o qual a natureza entre os homens é um estado de guerra. Um exemplo dos efeitos da falta de transparência nas relações internacionais contemporâneas é o caso do Irã e seu programa de enriquecimento de urânio para a suposta geração de energia elétrica e aplicação medicinal, segundo o governo iraniano. Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e outros países ocidentais temem que o programa nuclear do Irã vise o desenvolvimento de armas nucleares, e esse temor acabou fazendo com que a ONU, através de seu Conselho de Segurança e da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), aplicasse sanções ao Irã. Outro exemplo que evidencia os efeitos da falta de transparência nas relações internacionais contemporâneas é o site Wikileaks. Lançado em 2006, o site disponibiliza fotos, vídeos, documentos e informações confidenciais vazadas de governos ou empresas, relacionados a assuntos diplomáticos polêmicos. Ao longo de 2010, o site disponibilizou um grande número de documentos oficiais do governo dos Estados Unidos, nos quais o governo critica líderes mundiais, ridiculariza outros países e revela informações provenientes de espionagem. Na mesma época, foi publicado um vídeo datado de 2007 mostrando um helicóptero militar dos Estados Unidos atirando e matando ao menos 12 pessoas em Bagdá, entre eles dois jornalistas da agência de notícias internacional Reuters. Esses fatos causaram grande repercussão mundial e mal estar entre governos e líderes mundiais.

Outro aspecto da obra kantiana que continua relevante é a idéia de que armistícios não representam paz. Kant insistia que uma paz que não fosse estabelecida com a intenção de perpetuidade, ou melhor, que não fosse juridicamente institucionalizada, não passaria de um armistício no qual, sem haver hostilidade declarada, permaneceria um latente potencial de eclosão da guerra a qualquer momento, tal como ocorreu no período da Guerra Fria; com a atual situação no Oriente Médio e com as pretensões de ascensão nuclear de países como a Coréia do Norte.

Embora alguns desses fatos ainda estejam presentes nas relações internacionais, outros fatores evidenciam um novo desafio para o projeto de paz kantiana, como a globalização. O processo de globalização apresenta uma ameaça tanto para o ideal kantiano de cosmopolitismo como para o ideal de Federação de Estados (associação dos povos). O avanço da tecnologia e a aproximação dos indivíduos são fatores que fortalecem a globalização e continuam em expansão, tornando cada vez mais indispensável uma evolução no ambiente jurídico das

relações globais. Por outro lado, esse processo apresenta uma oportunidade para que os povos do mundo possam se unir e harmonizar seus interesses, a fim de melhor aproveitarem os benefícios dos recursos materiais e culturais no mundo todo.

Na era da globalização e dos efeitos da transnacionalidade dos Estados, o cosmopolitismo assume um papel importante considerando as diferenças estruturais da sociedade internacional contemporânea em relação à sociedade internacional moderna, do século XVIII. O postulado de Kant segundo o qual todos os homens sobre a Terra estão interelacionados, precisando portanto se submeterem a uma condição cosmopolita, tornou-se evidente principalmente a partir

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