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3 MOVIMENTOS SOCIAIS DE JUNHO DE 201: SURGIMENTO E

3.3 RELEITURA DAS PÁGINAS DE ZERO HORA

O que se percebe ao fazer a análise dessas seis edições é o claro destaque dado pelo jornal aos atos de violência. Apesar da escolha por edições onde supostamente estariam sendo abordadas as principais discussões das ruas, ainda nelas é possível ver uma cobertura superficial, onde nem sempre os dois lados eram ouvidos e demonstrados em uma memsma reportagem, mesmo ocupando páginas em sequência. A violência, vandalismo e depredação foram amplamentes abordados nas páginas das edições, sendo vândalos, baderneiros e anarquistas termos usados com frequência para descrever os manifestantes.

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Zero Hora, 30 de junho de 2013, p.12 66 Zero Hora, 30 de junho de 2013, p.4-5 67

Zero Hora, 30 de junho de 2013, p.6 68

Zero Hora, 30 de junho de 2013, p.8 69 Zero Hora, 30 de junho de 2013, p.10 70

Relatos de manifestantes que utilizavam a rede mundial de computadores por meio das redes sociais contrapunham o que era dito nas páginas do jornal. Vídeos e fotos ao vivo de dentro das manifestações eram postados nas redes sociais e iam de encontro ao relato realizado pelos jornalistas. Gritos sobre a necessidade de serem ouvidos foram interpretados como ameaça à ordem pública e arruaça e apesar da linha editorial reconhecer a legitimidade das manifestações, pouco se leu sobre isso nas matérias que informavam todo o Estado e boa parte da região Sul do Brasil.

O papel dos meios de comunicação bem como do jornalista frente à garantia do direito à informação e do seu dever de levar a verdade à população e deixar que essa tire suas próprias conclusões, amplamente discutido no capítulo dois, voltam a fazer sentido nessa análise. Fica evidente que no caso da Zero Hora houve uma abordagem direcionada, preocupada em defender os interesses do meio. Como bem descreve Charaudeau:

Comunicar, informar, tudo é escolha. Não somente escolha de conteúdos a transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha dos efeitos de sentido para influenciar o outro, isto é, no fim das contas, escolha de estratégias discursivas (Charaudeau, 2013, p.39).

Mesmo contrariando a função principal do jornalismo de manter a impacialidade e comprometer-se com o relato dos fatos é importante salientar que apesar de sua postura, o jornal é o mais lido do Rio Grande do Sul e tem tradição sobre seu comprometimento com os leitores. Dessa forma, se constata que o real cerne dos movimentos sociais ficou difuso para os que não acompanhavam também as movimentações nas redes sociais, sendo esses, receptores de uma informação filtrada e moldada à visão da linha editorial do veículo.

Esse comportamento das linhas editoriais acabaram por transformar o jornalismo em um mercado comercial. Como afirmou Habermas, os meios de massa alcançaram uma técnica e uma eficácia incomparavelmente superiores e, com isso, a própria esfera pública se expandiu:

Por outro lado, assim, eles também foram cada vez mais desalojados dessa esfera e reinseridos na esfera outrora privada, do intercâmbio de mercadorias; quanto maior se tornou a eficácia jornalístico-publicitária, tanto mais vulnerável eles se tornaram à pressão de determinados interesses privados, fossem individuais, fossem coletivos (Habermas, 2012, p. 221).

Esse comportamento estabelece relações perigosas entre os poderes que, de certa forma, moldam a mídia que deveria ser a principal defensora da liberdade de expressão e comunicação. A imprensa desde seus primórdios tem o papel de orientar e informar o cidadão, atuando como um representante do povo que busca a informação e a traz à tona. Entretanto, esse “papel mítico que ela realiza no inconsciente das pessoas, a presença implícita, tácita, que de alguma forma, acha-se portadora de uma verdade divina, soberana, acima dos atores momentâneos” (Marcondes Filho, 2009, p.56) pode estar se transformando diante das tecnologias que trazem os fatos à condição de instantâneo e simultâneo da era digital, o que é demonstrado com as movimentações de junho de 2013 que evidenciaram as diferenças entre o que era publicado no jornal Zero Hora e pelos próprios manifestantes nas redes sociais.

Pelo entendimento do jornalismo acredita-se que há a necessidade da reflexão quanto ao papel que o profissional da área exercer frente a situações como a cobertura das jornadas de junho. Independente do meio no qual vai atuar, deve estar ciente de seu juramento e compromisso com o leitor e com a imparcialidade. Procurar entender a informação como premissa básica para o desenvolvimento do um jornalismo cidadão e da constituição de uma sociedade efetivamente democrática capaz de pensar suas próprias conclusões com base no relato de todos os pontos apresentados pelos meios de comunicação, é a principal tarefa do jornalista.

Os meios de comunicação precisam retomar os ideais básicos para os quais foram criados, prezando a ética e a legislação que os regem, tendo em vista o desenvolvimento social a partir do seu papel de mediador do direito humano fundamental à informação. Afinal, é também por meio do trabalho sério desenvolvido pela mídia que o cidadão se constitui um ser consciente de seus direitos e deveres como membro de uma sociedade.

CONCLUSÃO

A análise realizada no jornal Zero Hora que contou com 92 reportagens especiais durante todo o mês de junho evidencia a carência do retorno às raízes da ética e a retomada da função essencial do jornalismo que é o seu compromisso com o cidadão. Foi possível perceber com o estudo a empregabilidade de termos depreciativos para descrever os manifestantes evidenciando – quase que na sua totalidade das reportagens analisadas – a palavra vândalos71. O destaque para o teor dos pequenos grupos que realizavam atos de depredação foi maior que para o próprio debate das bandeiras levantadas nos protestos, deixando muitas vezes de ouvir os manifestantes, principal voz das jornadas de junho de 2013.

O compromisso com a verdade e a transmissão da informação é essencial, tendo em vista que essas são premissas básicas para que o cumprimento do papel da mídia enquanto mediadora do direito à informação e da liberdade de expressão. Muito bem define Charandeau (2013) quando frisa que:

Informar é possuir um saber que o outro ignora (“saber”), ter aptidão que permite transmiti-lo (“poder de dizer”). Além disso, basta que saiba que alguém ou uma instância qualquer tenha a posse de um saber para que se crie um dever de saber que nos torna dependentes dessa fonte de informação. Toda instância de informação, quer queira, quer não exerce um poder de fato sobre o outro. Considerando a escala coletiva das mídias, isso nos leva a dizer que as mídias constituem uma instância que detém parte do poder social (Charandeau, 2013, p.63).

O autor deixa claro que a mídia é uma formadora de opinião e exatamente por isso necessita de cuidados na hora de repassar a informação à sociedade. O que chega à população deve ser um relato dos fatos. O jornal deve ser o local onde o leitor poderá encontrar todos os contrapontos, cada lado defendendo sua visão e a partir de então tomar uma posição com base nos conhecimentos e debates apresentados. Trazer opiniões de especialistas sociais e de

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segurança é sempre importante e aparece no decorrer da matéria, entretanto, perde espaço e brilho, pois a ênfase dos debates é sempre o vandalismo e todo o resto das reportagens é constituída de fotos, textos e depoimentos que fazem referência sobre esse fato.

Uma das principais fontes para o desenvolvimento das reportagens são os próprios manifestantes e os que mal aparecem nas entrevistas realizadas para as reportagens especiais publicadas durante todo mês de junho, mas em especial nos dias analisados. O artigo III do Código de Ética do Jornalismo prevê que o jornalista, bem como o meio em que ele atua, deve respeitar os leitores para que eles confiem nas informações transmitidas. Para isso, o meio deve ser leal e justo. A análise mostra que nesse sentido a cobertura foi falha, tendo em vista a necessidade de maior espaço para os discursos e as bandeiras.

Ainda no que se refere o Código de Ética do Jornalista, com ênfase no debate do direito à informação. Esse prevê, em seu ártico 3º que a informação divulgada pelos meios de comunicação pública se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo. Penso, nesse sentido, que há uma distorção do sentido do fazer o jornalismo no que se refere a determinadas coberturas. É claro que os jornais seguem suas linhas editoriais que são, em sua totalidade, guiadas pelos interesses políticos e econômicos de seus gestores, mas essenciais para manutenção das empresas.

O que fica claro é a necessidade de pensar uma sociedade democrática onde a mídia se insira no papel que de fato foi lhe instituído, atuando como mediadora da informação à população, garantido o exercício pleno do direito à informação e dando embasamento para a liberdade de expressão para que a luta pelos direitos não seja barrada pelos interesses da maioria. Sendo os meios de comunicação potenciais formadores de opinião é importante que ao produzir uma reportagem seja levado em consideração a cidadania sem abrir mão da prevalência sobre a liberdade e igualdade.

Cabe salientar que a informação jornalística, segundo Gentilli (2005, p.125), “é indispensável para o estar no mundo nos dias atuais. O que alguns autores chamam de necessidade social da informação é hoje suprida sobretudo pelo jornalismo”. É impossível pensar num mundo sem os meios de comunicação e os profissionais do jornalismo os quais estão preparados para buscar a informação pelas vias legais e transmiti-la à população. Muito se fala no marco regulatório das mídias, uma alternativa para redistribuir a propriedade dos meios, tendo em vista a diversidade de opiniões.

Entretanto, há de se considerar que para que a democracia aconteça de forma efetiva, o poder precisa ser descentralizado, mas os papeis de atuação dentro da sociedade ainda precisam manter-se organizados com o objetivo de que a ordem se mantenha e os que

realmente estão preparados para atender a essas demandas possam cumprir seu papel de maneira efetiva e profissional.

Mesmo que a análise tenha acentuado um problema vivido hoje pela mídia no que diz respeito ao balanço entre o que é disponibilizado para população e o interesse do meio de comunicação, cabe ao jornalista sim o papel de buscar a informação e relatar os fatos, ouvindo todos os lados e se possível uma opinião a mais para que o leitor possa fazer seu julgamento. Esse estudo enfatiza que há muito que se evoluir no que diz respeito ao cumprimento do papel dos meios de comunicação enquanto mediadores da informação geradora de conhecimento e de opinião pública, tendo em vista a busca por uma sociedade democrática e cidadã, preocupada com a garantia de seus direitos.

É importante evidenciar ainda que o jornal Zero Hora cumpriu seu papel de informar o cidadão, mantendo atualizações diárias sobre as manifestações que aconteciam em todo Brasil, mas especialmente no Rio Grande do Sul. Por ser um dos principais veículos de comunicação do Estado e o principal formador de opinião, junto com a coirmã RBS TV, do mesmo grupo, é que se ressalta a importância do papel do olhar do jornalista frente a imparcialidade dos fatos. O jornalista e a mídia deveriam, nesse contexto, dar mais voz à população que de fato participou das manifestações, deixando os atos de violência e vandalismo – que eram minoria – com menos destaque.

O discurso idealista dos manifestantes, aliado a análises de sociólogos e especialistas na área da constituição social deveriam ter sido o principal foco das reportagens para que de fato o papel do jornalista estivesse sendo cumprido da forma como é previsto no Código de Ética. Acredita-se que o jornalismo deve dar voz à população que encontrou hoje nas mídias sociais o principal meio para se fazer ouvida.

Os meios de comunicação também não podem também ocultar a força das redes sociais como a principal forma de organização social atualmente. O jornal cumpriu com esse papel ouvindo, em algumas matérias, a voz dos manifestantes pelo Facebook. Não obstante, se inseriu na rede mundial de computadores por meio de um site de notícias onde abastecia diariamente os leitores com notícias sobre as manifestações. Além disso, sua página no Facebook também cumpria esse papel. O que faltou de fato, foi a participação efetiva da população na produção das grandes reportagens publicadas pelo meio de comunicação. Cabe ressaltar, todavia, que esse não é um problema exclusivo do veículo, mas sim o principal empasse que os meios de comunicação têm encontrado para cumprir de forma efetiva seu papel fundamental de imparcialidade como mediador da informação.

Para que o jornalismo se efetive em sua função básica, é necessário um resgate da ética e do clamor da população. Os movimentos sociais de junho de 2013 enfatizaram essa problemática e trouxeram novamente o debate à tona revelando que há um importante caminho a ser percorrido, mas que com base na cooperação entre mídia e sociedade a luta pela garantia dos direitos e a representatividade do povo pode ser garantida.

REFERÊNCIAS

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>

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