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3. Revisão da Literatura

3.6. Relevância da Raiva como Problema de Saúde Pública

A linhagem empregada neste trabalho foi transfectada para expressar a glicoproteína G do vírus da raiva, visando a produção em larga escala desta proteína para a produção de vacinas. A raiva é um problema de saúde pública desde tempos remotos. A doença é transmitida ao homem pela inoculação do vírus presente na saliva e secreções do animal infectado, principalmente pela mordedura. Apresenta letalidade de quase 100 % e alto custo na assistência preventiva às pessoas expostas ao risco de adoecer e morrer. O vírus da raiva atua no sistema nervoso central, causando quadro clínico característico de encefalomielite aguda, decorrente da replicação viral nos neurônios (National Center for Infectious Diseases, 2007).

Alguns países conseguiram eliminar essa doença, como, por exemplo, a Inglaterra e a Austrália. Outros mantêm o ciclo urbano da raiva sobre controle, ocorrendo apenas casos esporádicos transmitidos por animais selvagens, como é o caso dos Estados Unidos e alguns países da Europa (National Center for Infectious Diseases, 2007). Vários países da América Latina ainda não conseguiram controlar o ciclo urbano da doença, no qual o cão é o principal transmissor. Entre esses países encontra-se o Brasil, apesar dos grandes avanços ocorridos no controle da raiva em boa parte do país nos últimos anos.

O vírus da raiva pertence ao gênero Lyssavirus, da família Rhabdoviridae, apresenta a forma de projétil e seu genoma é constituído por RNA envolvido por duas capas de natureza lipídica. O vírus possui duas proteínas principais que atuam ativando o sistema imune, a glicoproteína G (GPV) e a nucleoproteína N (NPV). A GPV é uma proteína transmembrana que forma o envelope viral (Delagneau e col., 1981) e induz a produção de anticorpos neutralizantes que protegem contra o ataque viral (Perrin e col., 1985). A nucleoproteína N liga-se ao RNA e a proteínas virais formando complexos ribonucleoprotéicos (Sokol e col., 1969). A Figura 3.3 apresenta esquematicamente a estrutura protéica do vírus da raiva e mostra a nucleocápside central, formada por ácido

ribonucléico (RNA) e uma proteína enrolada em espiral, além de um invólucro de onde emergem espículas constituídas pela glicoproteína.

Figura 3.3. Estrutura protéica do vírus da raiva.

(Disponível em www.stanford.edu/group/virus/rhabdo/2005/index.htm)

A glicoproteína G é um trímero (3 x65 kDa) que em sua forma nativa apresenta 505 resíduos (Gaudin e col., 1992, Gaudin e col., 1997, Anilionis e col., 1981), atuando como ligante viral na célula e que em pH ácido induz a fusão do envelope viral com a membrana plasmática. Gaudin e col. (1993) demonstraram que esta proteína pode assumir pelo menos três diferentes estados: o estado nativo (N) detectado na superfície viral, que é responsável pela ligação com as células, o estado hidrofóbico ativado, que interage com a membrana, como primeiro passo no processo de fusão e o estado de conformação inativa fundida. A glicoproteína G é classificada como uma proteína transmembrana, apresentando capacidade de agregação e precipitação em água. As proteínas de membrana representam um quarto de todas as proteínas (Chaterjjee e LaBauer, 2006), sendo que detergentes ou solventes não polares podem ser empregados para sua extração.

3.6.1. A Produção de Vacinas Contra Raiva

Desde a descoberta da vacina contra a raiva por Pasteur há mais de um século, a situação epidemiológica desta enfermidade vem mudando. Vários tipos de vacinas foram desenvolvidos e empregados no controle da raiva. As primeiras vacinas foram produzidas a

partir de um substrato animal para obtenção da massa viral. As vacinas produzidas com tecido nervoso de animais adultos são consideradas de baixo custo, mas possuem potência relativamente baixa por dose, e, apesar de aprimoradas nos últimos anos, podem causar sérias reações adversas, como meningoencefalomielite e paralisia, dentre outras (Pérez e Paolazzi, 1997). Já as vacinas obtidas com ovos embrionados e cérebro de animais lactentes são consideradas mais seguras, ainda conforme discutido por Pérez e Paolazzi (1997).

A partir de 1930 foram iniciados estudos direcionados a obtenção de vacinas através do cultivo de células. Estas vacinas podem ser classificadas em três grupos: o grupo que inclui vacinas produzidas com o cultivo de células primárias de mamíferos (células renais de hâmster, cachorro e feto bovino), ou com o cultivo de células de aves (embriões de galinha); o segundo grupo apresenta vacinas produzidas com células diplóides, principalmente de origem humana, e, o terceiro grupo, vacinas desenvolvidas com células heteroplóides, como as células Vero (Pérez e Paolazzi, 1997). Estas vacinas são consideradas seguras e imunogênicas.

No Brasil o maior produtor de vacinas de uso humano e veterinário, o Instituto Butantan, descontinuou a produção de vacinas anti-rábicas em camundongos lactentes (Fuenzalida) e deu início à produção de uma vacina em células de mamíferos (células Vero) em meio livre de soro fetal bovino, o que reduziu fortemente o risco de transmissão de zoonoses e prions (Instituto Butantan, 2007).

Na atualidade, a tecnologia de DNA recombinante desperta um grande interesse na produção de proteínas recombinantes para uso em vacinas, uma vez que, através do emprego desta tecnologia o risco de transmissão de doenças ocasionadas por prions é reduzido. Embora a maioria dos sistemas que empregam esta nova tecnologia utilize células de mamíferos na produção protéica, o emprego de células de insetos para a produção de proteínas recombinantes tem aumentado fortemente, e conforme discutido por Swiech (2007), alguns processos de produção de biofármacos usando células de insetos estão em fase final de certificação.

O sistema de expressão empregado neste trabalho e baseado na tecnologia de DNA recombinante foi o da linhagem de célula de inseto, Drosophila melanogaster Schneider 2, que foi modificada geneticamente para a expressão da glicoproteína G do vírus da raiva (Yokomizo, 2006). Esta linhagem é muito heterogênea, com populações que expressam

diferentes níveis de proteína e com a presença de células que contêm apenas o gene de resistência à higromicina. Esta heterogeneidade é atribuída à etapa de clonagem celular, visto que estas células apresentam crescimento limitado quando em baixa concentração, o que dificulta a obtenção de clones puros. Uma vez realizado o processo de clonagem, as células transfectadas produzem a GPV de forma estável e potencialmente aplicável a produção de vacinas viras de forma segura. Neste sentido, o presente estudo contribui para uma inovação tecnológica na produção de vacina anti-rábica para uso em humanos, através do desenvolvimento de meios de cultivo que proporcionam o aumento da produção da proteína-alvo de forma segura e eficiente.

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